Por Catherine L’Ecuyer
Publicado no El País
Nos últimos anos, aplicações e métodos educacionais, e dispositivos chamados inteligentes que pretendem melhorar a inteligência de crianças, tornaram-se populares. O que a maioria da população não sabe é que esses argumentos publicitários, que têm sido o motivo da proliferação no mercado de centenas de milhares de métodos educacionais e produtos tecnológicos que são usados em salas de aulas e ambientes familiares, carecem de fundamento científico.
A palavra ‘neuromito‘ refere-se a erros de interpretação da neurociência, trasladas para o campo educacional. Essas interpretações são fornecidas na literatura popular (blogs na Internet, folhetos da indústria da educação, livros de autoajuda, notícias na grande mídia e palestras sobre a educação com oradores supostamente iniciados em neurociência, etc.), e acabam com a força do campo educacional, criando falsas premissas dentro de métodos educacionais que não têm base científica, e gerando uma oferta cada vez maior para esses produtos.
Um dos neuromitos mais difundidos é que “a criança tem uma inteligência ilimitada”, ou que “só usa 10% de seu cérebro”. Hoje, sabemos que é falso que o ser humano não usa uma grande parte de seu cérebro. O professor de neurociência cognitiva Barry Gordon, pesquisador da Johns Hopkins Medical Institution na identificação e implementação de métodos para melhorar a linguagem, a memória, o pensamento e a aprendizagem, diz que este mito é de uma falsidade ridícula, porque “usamos praticamente cada parte do cérebro, quase todo o cérebro está ativo quase todo o tempo”. A rápida difusão e sucesso deste mito é, de alguma forma, consequência da validade e dificuldade de reconhecer as limitações humanas. Como dizia Huxley, uma verdade desinteressante pode ser ocultada por uma falsidade excitante. A imperfeição de nossas crianças – e a nossa – é uma verdade desinteressante, por isso recorremos às falsidades excitantes que nos confortam, como, por exemplo, a ideia de menino ‘gênio’, que é vendida através da indústria da pseudoeducação.
Este neuromito voou a uma grande velocidade, sem qualquer base científica, para o campo da educação. Estudos revelam que 44% dos professores espanhóis creem neste mito. Este mito foi monopolizado pelos departamentos de marketing de muitas empresas de software e hardware para convencer os ‘bons pais’ a adquirirem seus produtos para o bom desenvolvimento cerebral de seus filhos. Com base nesta premissa, fazemos o “aprendizado divertido” com a máquina sob a promessa de estimular e multiplicar a sua inteligência. Chegamos à conclusão de que mais é melhor, porque confundimos mais estímulos e mais informações com ‘mais inteligência’. A partir deste mito vem a conhecida expressão de que “a criança é uma esponja”. O método de estimulação precoce de Glenn Doman tem sido veículo de excelência deste neuromito. É incongruente que muitos colégios de elite que estão no ranking dos melhores colégios na Espanha vendam este método ao longo dos últimos 50 anos como uma inovação educacional, enquanto que as principais associações científicas do mundo (Neurology, a Academia Americana de Pediatria, etc.) considerem, desde 1968, como um método pseudocientífico. Dadas as circunstâncias, pode não ser muito ousado pedir a oportunidade, para o bem da educação de nosso país, para rever os critérios destes rankings.
Outro dos neuromitos mais difundidos é que “um ambiente enriquecido aumenta a capacidade do cérebro para aprender”, e que “os três primeiros anos são críticos para a aprendizagem”, e, portanto, decisivos para o desenvolvimento posterior. 94% dos professores espanhóis acreditam que o ambiente enriquecido aumenta a capacidade do cérebro para aprender, e 30% crê que existem períodos críticas na infância, após o qual uma série de coisas não podem ser aprendidas.
O principal argumento contra esta falsa conclusão é a plasticidade do cérebro. Isto é um fato, mas, hoje, sabemos que ocorre a vida toda, não apenas durante os primeiros anos. Podem existir períodos sensíveis em relação ao desenvolvimento de certos aspectos cognitivos durante os primeiros anos, mas isso não deve ser considerado como uma “janela de oportunidades” que se encerra aos três anos. Por exemplo, pode ser mais fácil para uma criança aprender chinês durante o primeiro ano de vida. O problema surge quando deste fato conclui-se que um bebê desenvolve-se melhor frequentando aulas de chinês do que passando o tempo com seu principal cuidador, ou de que a criança pode e deve aprender chinês observando uma tela. Em resumo, o problema surge quando uma sociedade está convencida de que aprender chinês solucionará a vida da criança, passando por cima de uma das dimensões mais importantes para o bom desenvolvimento da criança: a afetiva. Hoje, sabemos que, durante os primeiros anos, o que mais importa para o bem do desenvolvimento de uma criança não é a quantidade de informação que recebe, mas a atenção afetiva que recebe – em especial, através do modelo de apego que desenvolve-se junto de seu principal cuidador.
Portanto, é contraditório aumentar o número de horas que uma criança passa diante de um DVD ou jogos supostamente educativos com o argumento de não querer dispensar uma oportunidade de aprendizagem, quando sabemos que nesta idade o que importa não é o bombardeio de informação, mas a consolidação do vínculo de apego com os país, ou um outro cuidador que cumpra com as condições necessárias para poder assumir este trabalho. Quantos casos de neuromitos têm contribuído para retirar de seu sentido o trabalho das mães, dos pais, deixando-lhes acreditar que tinham que superestimular seus filhos em todos os momentos, e que este trabalho seria delegável a uma tela? Não há dúvida de que os neuromitos têm contribuído para alienar muitos pais de sua sensibilidade e bom-senso no exercício de sua maternidade e de sua paternidade. As relações interpessoais dão sentido à aprendizagem durante a infância e em grande parte da adolescência, porque configuram o nosso senso de identidade.
Quantas expectativas frustradas poderíamos ter evitado se fôssemos realistas, se o ponto de partida da educação fosse a busca da perfeição de que cada aluno é capaz, não aquele que nos vendem os neuromitos. Cabe questionar se os neuromitos podem ter algo a ver com o desinteresse para ensinar o aluno. Sem perceber o nível do problema, a criança pode perguntar a si mesma: por que e para que aprender se essa aprendizagem não me dá oportunidades para entrar em sintonia com o que eu preciso? Para que aprender se essa aprendizagem me pede perfeições das quais não sou capaz?
Em conclusão, pais, educadores, colégios e outros agentes da educação, temos que aplicar o bom-senso, rigor, e, especialmente, o perene princípio de prudência, que nem tudo que reluz é ouro. Os métodos educativos não são verdadeiros por serem inovadores, são inovadores por serem verdadeiros. E os métodos são verdadeiros por responder o que exige a natureza do aluno e por fundamentar-se em evidências, mas não por obedecer aos desejos da novidade, aos sedutores argumentos de venda ou às pseudológicas econômicas da indústria da pseudoeducação.