Por Mike McRae
Publicado na ScienceAlert
Ver nosso mundo pelos olhos de um pássaro migratório seria uma experiência bastante assustadora. Algo em seu sistema visual permite que eles “vejam” o campo magnético de nosso planeta, um truque inteligente da física quântica e da bioquímica que os ajuda a navegar por grandes distâncias.
Agora, pela primeira vez, os cientistas da Universidade de Tóquio observaram diretamente uma reação-chave que, supostamente, está por trás dos talentos dos pássaros e de muitas outras criaturas para detectar a direção dos polos do planeta.
É importante ressaltar que esta é a evidência de que a física quântica afeta diretamente uma reação bioquímica em uma célula – algo que há muito tempo imaginamos, mas não vimos em ação antes.
Usando um microscópio feito sob medida sensível a flashes fracos de luz, a equipe observou uma cultura de células humanas contendo um material especial sensível à luz responder dinamicamente às mudanças em um campo magnético.
A mudança que os pesquisadores observaram no laboratório correspondem exatamente ao que seria esperado se um efeito quântico peculiar fosse responsável pela reação luminosa.
“Não modificamos ou adicionamos nada a essas células”, disse o biofísico Jonathan Woodward.
“Achamos que temos evidências extremamente fortes de que observamos um processo puramente mecânico quântico afetando a atividade química no nível celular”.
Então, como as células, particularmente as células humanas, são capazes de responder a campos magnéticos?
Embora existam várias hipóteses, muitos pesquisadores pensam que a capacidade se deve a uma reação quântica única envolvendo fotorreceptores chamados criptocromos.
Os criptocromos são encontrados nas células de muitas espécies e estão envolvidos na regulação dos ritmos circadianos. Em espécies de pássaros migratórios, cães e em outras espécies, eles estão ligados à misteriosa capacidade de sentir campos magnéticos.
Na verdade, embora a maioria de nós não consiga ver os campos magnéticos, nossas próprias células definitivamente contêm criptocromos. E há evidências de que, embora não seja consciente, os humanos ainda são capazes de detectar o magnetismo da Terra.
Para ver a reação dentro dos cirptocromos em ação, os pesquisadores banharam uma cultura de células humanas contendo criptocromos em luz azul, causando uma fraca fluorescência neles. Enquanto brilhavam, a equipe passou campos magnéticos de várias frequências repetidamente sobre as células.
Eles descobriram que, cada vez que o campo magnético passava sobre as células, sua fluorescência caía cerca de 3,5 por cento – o suficiente para mostrar uma reação direta.
Então, como um campo magnético pode afetar um fotorreceptor?
Tudo se resume a algo chamado spin – uma propriedade inata dos elétrons.
Já sabemos que o spin é significativamente afetado por campos magnéticos. Ao organizar os elétrons da maneira certa ao redor de um átomo e reunir o suficiente deles em um só lugar, a massa de material resultante pode ser movida usando nada mais do que um campo magnético fraco como o que cerca nosso planeta.
Isso é muito bom se você quiser fazer uma agulha para uma bússola de navegação. Mas, sem sinais óbvios de pedaços de material magneticamente sensíveis dentro de crânios de pombos, os físicos tiveram que pensar diferente.
Em 1975, um pesquisador do Instituto Max Planck chamado Klaus Schulten desenvolveu uma teoria sobre como os campos magnéticos podem influenciar as reações químicas.
Envolvia algo chamado par radical.
Um radical comum é um elétron na camada externa de um átomo que não é associado a um segundo elétron.
Às vezes, esses elétrons sem par podem adotar um ‘braço direito’ em outro átomo para formar um par radical. Os dois permanecem desemparelhados, mas graças a uma história compartilhada eles são considerados emaranhados, o que em termos quânticos significa que seus spins corresponderão assustadoramente, não importa o quão distantes estejam.
Como essa correlação não pode ser explicada por conexões físicas contínuas, é puramente uma atividade quântica, algo que até Albert Einstein considerou “assustador“.
Na azáfama de uma célula viva, seu emaranhamento será passageiro. Mas mesmo esses spins brevemente correlacionados devem durar apenas o tempo suficiente para fazer uma diferença sutil na maneira como seus respectivos átomos-pais se comportam.
Nesse experimento, conforme o campo magnético passava pelas células, a queda correspondente na fluorescência sugere que a geração de pares de radicais foi afetada.
Uma consequência interessante da pesquisa poderia ser como até mesmo campos magnéticos fracos poderiam afetar indiretamente outros processos biológicos. Embora as evidências de magnetismo afetando a saúde humana sejam fracas, experimentos semelhantes como este podem ser outro caminho para investigação.
“O que é positivo nesta pesquisa é ver que a relação entre os spins de dois elétrons individuais pode ter um grande efeito na biologia”, disse Woodward.
É claro que os pássaros não são os únicos animais a confiar em nossa magnetosfera para a orientação. Espécies de peixes, vermes, insetos e até mesmo alguns mamíferos têm um talento especial para isso. Nós, humanos, podemos até ser afetados cognitivamente pelo fraco campo magnético da Terra.
A evolução dessa habilidade poderia ter gerado uma série de ações muito diferentes com base em diferentes físicas.
Ter evidências de que pelo menos uma delas conecta a estranheza do mundo quântico com o comportamento de um ser vivo é o suficiente para nos forçar a imaginar quais outras partes da biologia surgem das profundezas fantasmagóricas da física fundamental.
Esta pesquisa foi publicada no PNAS.