Pular para o conteúdo

Pesquisadores buscam entender a causa da doença autoimune rara ligada a COVID-19 em crianças

Traduzido por Julio Batista
Original de Jennifer Couzin-Frankel para a Science

Em março de 2020, Audrey Odom John tinha certeza de que seu paciente adolescente tinha uma nova doença. Como chefe de doenças infecciosa pediátricas do Hospital Infantil da Filadélfia (CHOP), John está acostumado a casos misteriosos e diagnósticos raros. Mas dentro de semanas, mais duas crianças foram admitidas com sintomas paralelos: febre, erupções cutâneas, inflamação e choque. Dois desses três primeiros pacientes tinham parentes que haviam recentemente testado positivo para COVID-19 e, assim que John começou a se perguntar sobre havia alguma conexão, um alerta do Reino Unido no final de abril tornou a conexão explícita.

O alerta descreveu um aumento em casos semelhantes aos do CHOP, com algumas crianças afetadas também testando positivo para COVID-19. Nos meses seguintes, John e especialistas em pediatria em todo o mundo fizeram esforços para entender o que agora é chamado de síndrome inflamatória multissistêmica pediátrica, ou SIM-P. Eles aprenderam que – ao contrário de algumas suspeitas iniciais – parece diferente da doença de Kawasaki, uma rara reação inflamatória que se acredita atingir crianças pequenas após infecções desconhecidas.

Eles também reconheceram o perfil único das crianças e adolescentes de hiperatividade do sistema imunológico e identificaram tratamentos eficazes. Agora, eles estão procurando pistas de por que ela se desenvolve, 4 a 6 semanas após a infecção com o coronavírus pandêmico, e como identificá-la precocemente.

O rastreamento cuidadoso dos casos mostrou que a SIM-P é rara, embora ainda assustadora para os pais: no início de março, os Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos registraram mais de 2.600 casos de SIM-P, incluindo 33 mortes. Mas a maioria dos jovens se recupera após cerca de uma semana no hospital.

Para explorar sua relação com a COVID-19, os pesquisadores compararam amostras de sangue de 14 crianças com SIM-P com as de 16 crianças e mais de 100 adultos hospitalizados por casos graves de COVID-19. De uma perspectiva imunológica, “há uma certa sobreposição” nas diferentes coortes, disse Laura Vella, uma médica infectologista pediátrica do CHOP que liderou o trabalho junto com E. John Wherry na Universidade da Pensilvânia (EUA).

Adultos e crianças com COVID-19 agudo tinham altos níveis de inflamação e ativação imune, em que as células imunes são aceleradas para atingir os danos potenciais, mas em pacientes com SIM-P, o grau de ativação às vezes excedia o dos pacientes adultos mais doentes, relataram os pesquisadores este mês na Science Immunology. Um subgrupo de células do sistema imunológico se destacou: as chamadas células T de “patrulhamento vascular”. Sua alta atividade, sugerindo que elas alvejavam os vasos sanguíneos, poderia explicar a inflamação cardíaca e os aneurismas em alguns pacientes.

Vella e seus colegas também observaram que, apesar da inflamação ser bastante acentuada nos pacientes com SIM-P, ela diminuiu rapidamente com o tratamento. “Eles podem reverter isso com terapia”, disse Vella, enquanto pessoas com COVID-19 experimentaram inflamação mais duradoura.

As descobertas imunológicas correspondem ao que os médicos observaram: a maioria das crianças com SIM-P melhora rapidamente com terapias que suprimem o sistema imunológico. Os pacientes com SIM-P dos EUA são tratados rotineiramente com imunoglobulina intravenosa. Mas esse tratamento geralmente não está disponível em países com poucos recursos. Em setembro de 2020, um grande ensaio clínico no Reino Unido chamado Recovery, que testou terapias em milhares de adultos, começou a recrutar crianças para um estudo de outras abordagens. “Em todo o mundo, as pessoas adotaram estratégias diferentes” para o tratamento de SIM-P, disse Elizabeth Whittaker, especialista em doenças infecciosas pediátricas do Imperial College London, que está envolvida no estudo. Os líderes do estudo querem saber se as crianças podem ser tratadas apenas com esteroides ou apenas com cuidados de suporte, por exemplo, medicamentos para estabilizar a pressão arterial.

Ironicamente, os tratamentos poderosos para SIM-P também tornam o estudo mais difícil: amostras de sangue para sondar o sistema imunológico são frequentemente coletadas após o início da terapia. O tratamento “muda um grande número de tipos de células”, disse Virginia Pascual, reumatologista pediátrica e diretora do Instituto Gale e Ira Drukier de Saúde Infantil da Weill Cornell Medicine. Seu trabalho faz parte de um grande estudo denominado Pediatric Research Immune Network on SARS-CoV-2 and MIS-C (PRISM), que visa decifrar as causas e os resultados a longo prazo da síndrome.

Patrocinado pelos Institutos Nacionais da Saúde dos EUA, o PRISM inscreveu mais de 100 pacientes desde novembro e espera incluir pelo menos 250 no total. Ao longo de 1 ano, os pesquisadores coletarão repetidamente uma série de amostras, incluindo sangue, saliva e urina, de pacientes com sintomas de SIM-P ou que tenham COVID-19. “Todos os nossos esforços… agora são para tentar capturar essas amostras antes que [as crianças] comecem a ser tratadas com esses medicamentos muito potentes”, disse Pascual. Isso não é fácil, disse Steven Webber, pediatra-chefe da Universidade Vanderbilt, que lidera o estudo. Para os pais cujo filho ficou repentinamente e gravemente doente, “é difícil pensar direito”, disse ele. “E então alguém chega e diz: ‘Nós realmente adoraríamos que você participasse deste importante estudo.’”

Estão surgindo teorias sobre o que impulsiona a SIM-P. Muitas crianças apresentam teste negativo para SARS-CoV-2 em um swab nasal, mas o vírus pode se esconder em outras partes do corpo; amostras de fezes podem fornecer pistas. Alguns se perguntam se os anticorpos produzidos após a infecção reagem aos próprios tecidos do corpo.

Pascual está explorando se o SARS-CoV-2 causa uma anormalidade sutil do sistema imunológico, talvez nas células precursoras do sistema imunológico, e a subsequente exposição a outro vírus – um “segundo impacto” – faz com que o sistema imunológico desacelere. A boa notícia, disse Pascual, é que “todas essas hipóteses são testáveis”.

O esclarecimento pode ajudar os médicos a diagnosticar rapidamente a SIM-P; agora, isso requer exames de sangue sofisticados e especialistas aos quais nem todos os centros de saúde têm acesso. O diagnóstico e o tratamento precoces podem melhorar os resultados. Embora a maioria das crianças tenha se recuperado, “não acho que a baixa mortalidade seja inerente à doença”, disse Webber.

Um paper publicado na semana passada no The Lancet Child & Adolescent Health identificou fatores ligados a doenças mais graves em 1080 jovens com SIM-P. A proteína c-reativa elevada, um marcador de inflamação, aumentou o risco, assim como a idade avançada. As crianças negras tinham maior probabilidade de ir parar na unidade de terapia intensiva e cerca de 77% das crianças no paper eram negras ou hispânicas – os grupos mais afetados pelo COVID-19, observa John.

Um mistério mais profundo para ela é a idade. Os adolescentes podem ser gravemente afetados pela SIM-P, mas as pessoas na casa dos 20 anos quase nunca são, embora imunologicamente os dois grupos sejam quase idênticos. John se pergunta se as diferenças nos hormônios ou a exposição a outros vírus podem estar em ação.

Em última análise, ela espera que os estudos em andamento tragam diagnósticos rápidos e precisos e um tratamento mais direcionado. “Nossa abordagem atual é como um martelo esmagando todo o sistema imunológico”, disse ela, e pode ter efeitos colaterais como acúmulo de líquido nos pulmões. “Definitivamente, há espaço para uma abordagem imunológica precisa”, disse ela. Um ano após o mistério do SIM-P surgir, ela está ansiosa por respostas.

Julio Batista

Julio Batista

Sou Julio Batista, de Praia Grande, São Paulo, nascido em Santos. Professor de História no Ensino Fundamental II. Auxiliar na tradução de artigos científicos para o português brasileiro e colaboro com a divulgação do site e da página no Facebook. Sou formado em História pela Universidade Católica de Santos e em roteiro especializado em Cinema, TV e WebTV e videoclipes pela TecnoPonta. Autodidata e livre pensador, amante das ciências, da filosofia e das artes.