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Pesquisas com animais: o bom, o mau e as alternativas

Este post é uma tradução de um texto em inglês e não expressa necessariamente a opinião do tradutor.

Por Katherina Othonos
Publicado na The Science Creativity Quartely Magazine
Revisado por Luís Henrique Troscianczuck

A pesquisa com animais é um tema muito controverso que vem gerando discussões acaloradas e debates em todo o mundo ao longo das últimas décadas. Recentemente, parece haver um crescimento esmagador em grupos de direitos dos animais em todo o mundo. A maioria desses grupos não apenas apoiam o bem-estar animal, mas eles exigem a proibição de qualquer tipo de uso de animais em pesquisa. Ao mesmo tempo, mais e mais grupos pró-teste que apoiam o uso humanitário de animais em pesquisa foram se formando – estes proponentes argumentam e reconhecem o papel essencial que a pesquisa animal teve em avanços médicos ao longo dos anos.

Imagine por um segundo, um mundo onde a pesquisa com animais é proibida. Primeiro de tudo, o progresso médico teria chegado a um impasse, com uma variedade de grandes reveses no desenvolvimento de tratamentos para doenças devastadoras, incluindo doenças neurodegenerativas, como a esclerose múltipla, mal de Parkinson e doença de Huntington. Sim, nós ainda seríamos capazes de usar técnicas não invasivas em humanos (ou seja, Imagem de Ressonância Magnética – MRI) e experimentos de “tubo de ensaio” in vitro, mas isso seria suficiente? Pelo menos no meu campo de pesquisa, Neurociência, sendo realizada in vitro (latim para “em vidro”) os estudos não seriam muito representativos na complexidade do cérebro humano. Esta é uma desvantagem geral dos estudos in vitro; na maioria dos casos, o ambiente natural das células ou do tecido não podem ser facilmente replicados numa placa de Petri. Claro, experimentos in vitro são úteis em certos casos e existem várias aplicações para eles, mas eles não emulam o ambiente ou a complexidade de um tecido “vivo” (tecidos não-circundantes, sem fornecimento de sangue, nutrientes etc) que vivem.

A verdade da questão é que a maioria, se não todos os cientistas e pesquisadores reconhecem as questões éticas difíceis que surgem a partir da pesquisas com animais. De meu conhecimento, não há nenhum cientista que gosta de usar animais em pesquisas, como tem sido insinuado por vários militantes dos direitos dos animais. Este tipo de pesquisa é exigente, demorado, trabalhoso e muito caro. Animais precisam ser alojados, alimentados, monitorados constantemente e cuidado por técnicos e veterinários especialmente tratados em bem-estar animal, especialmente porque animais estressados tendem a não fornecer os melhores resultados experimentais. Independente disso, é necessário, pelo menos por enquanto, confiar em tais estudos para entender como nosso corpo funciona e desenvolver novos medicamentos eficazes para doenças.

A pergunta mais importante que precisamos abordar como pesquisadores e cientistas é a seguinte: Por que usar modelos animais na investigação? Os modelos animais podem fornecer uma grande ferramenta para aprender sobre certas doenças, especialmente no que diz respeito à forma como eles avançam no tempo e como eles podem ser diagnosticados. Eles também nos permitem encontrar novas formas de tratar doenças sem pôr em perigo vidas humanas no processo.

O que ativistas dos animais não conseguem entender, na minha opinião, é que nós, pesquisadores, apreciamos a contribuição passada e presente de animais para melhorar a saúde humana, ajudando a curar doenças e salvar vidas. Levamos o bem-estar animal muito a sério e estamos comprometidos com o tratamento humano dos animais sob nosso cuidado. Os investigadores são obrigados a projetar cuidadosamente os projetos e protocolos de investigação, tendo em conta os três Rs (Reduction, Replacement and Refinement [Redução, Substituição e Aperfeiçoamento]) [1]. Os Três Rs representam os princípios éticos amplamente aceitos que são levados em conta na concepção de um projeto de investigação que envolva animais. Eles promovem a substituição de animais, onde possível, e a redução do número total de animais utilizados nos outros casos através do aperfeiçoamento das técnicas e dos procedimentos empregues. Esses princípios também garantem que há um refinamento contínuo dos protocolos estabelecidos, a fim de proporcionar melhores condições e cuidar dos animais.

Um dos principais argumentos usados por ativistas contra o uso de modelos animais em pesquisa é o fato de que, em muitos casos, os resultados obtidos a partir de pesquisas e tratamentos que funcionaram em animais não foram bem-sucedidos em ensaios clínicos com seres humanos e vice-versa. [2] O fato da questão é que nenhum modelo animal pode reproduzir completamente uma doença humana ou um órgão humano simplesmente por causa das diferenças biológicas entre as diferentes espécies [Nota do tradutor: Além disto, várias alegações de ativistas dos animais sobre isto são falsas ou tiradas fora do contexto, como é explicado na série de notas que estou fazendo, clique aqui pra ver]. No entanto, reduzindo o modelo adequado, você pode obter uma representação relativamente boa e resultados, portanto, mais precisos e relevantes. Isso não significa necessariamente que nós nunca aprendemos alguma coisa ou fornecemos tratamentos seguros e bem sucedidos com base em pesquisa animal. Pelo contrário, há inúmeros exemplos que fornecem evidências sobre o mérito de tais práticas. O desenvolvimento de várias vacinas que usamos hoje é baseado amplamente em pesquisas com animais, como o vírus do papiloma humano (HPV) [3], a tosse convulsa e a vacina da poliomielite; bem como a descoberta da insulina, o desenvolvimento de técnicas de transplante de órgãos [4] e a anti-rejeição de transplante de medicação. [5]

Outro argumento importante feito pelos ativistas dos animais é que existem vários métodos alternativos para realizar pesquisas e recolher os resultados necessários para avanços médicos. Estes métodos alternativos, no entanto, ainda não podem substituir a pesquisa animal. Alguns desses métodos incluem técnicas de imagem, como ressonância magnética e ressonância magnética de varredura funcional (fMRI), testes in vitro, micro-dosagem e modelos de computador.

Técnicas de imagem, como ressonância magnética e varredura fMRI, nos permitem ver áreas do cérebro que “se acendem” em diferentes condições, dando-nos informações importantes sobre como o cérebro funciona em uma grande escala. No entanto, técnicas de imagem têm as suas limitações. A resolução é bastante baixa, o que significa que você não pode ver as células cerebrais individuais, mas sim áreas inteiras que podem conter milhares de diferentes tipos de células cerebrais. A fim de estudar distúrbios cerebrais, é importante saber quais tipos de células são afetadas e como, o que não é possível com a tecnologia atual da imagem não invasiva. Técnicas de imagem podem fornecer informações valiosas, mas mais uma vez, a pesquisa com animais é necessária para compreender doenças a nível celular e molecular.

Os ensaios in vitro baseiam-se na utilização de tecidos e células, e uma fonte importante que foi e continua a ser são animais. As linhas celulares imortalizadas (que são conservadas durante muitos anos e utilizadas mais e mais) nem sempre são representativas das funções fisiológicas das células que estão no seu ambiente normal, o corpo. Mesmo que existam aplicações para estas células imortalizadas, utilizar células “frescas” irá produzir resultados que representam mais de perto o que realmente acontece no corpo. Poderíamos eventualmente utilizar células humanas para resolver a necessidade dessas células “frescas”, no entanto, há tecidos e células que são muito mais difíceis de se obter a partir de seres humanos. Um bom exemplo são as células do cérebro. Será que alguém está disposto a passar por procedimentos desnecessários e extremamente arriscados para doar as células do cérebro para a ciência? Provavelmente não. Isso nos leva de volta para o uso de animais para obter as células necessárias até mesmo para realizar testes in vitro.

Micro-dosagem (Fase 0u ensaios de microdosagem) é um nova técnica utilizada para estudar o efeito de drogas em humanos através da administração de doses muito pequenas, como o nome da técnica sugere. A ideia subjacente a micro-dosagem, é a administração de doses tão baixas que não é provável que irá causar uma resposta em grande escala (por todo o corpo), mas, em vez disso, fará com que uma pequena resposta localizada possa ser observada e estudada. No entanto, esta técnica apresenta algumas limitações. Desde que são apenas pequenos estudos de doses de uma droga, isto não pode prever efetivamente as consequências da administração de uma dose farmacológica mais elevada. [6] Os estudos futuros podem ser capazes de exemplificar a resposta do corpo mesmo as “micro-doses farmacológicas” e “terapêuticas” de um composto particular. Porém, realmente a micro-dosagem parece ser uma ferramenta muito promissora que pode potencialmente substituir o uso de alguns animais em ensaios de testes de drogas nos próximos anos.

Citando o Professor Stephen Hawking – “Os computadores podem fazer coisas incríveis. Mas, mesmo os computadores mais poderosos, não podem substituir as experiências com animais na pesquisa médica.” (Frase citada quando estava gravemente doente durante Pesquisa Médica, em 1996). Computadores não são rápidos ou poderosos o suficiente ainda para simular e refletir todos os aspectos da fisiologia humana, mas eles estão mais próximos disto do que nunca. Novos avanços nas áreas de ciência da computação e engenharia estão fazendo projetos como o “Projeto Cérebro Humano” [7] (simulação do cérebro humano) possível. É importante notar que os computadores não podem substituir o estudo de um cérebro vivo, uma vez que nós não compreendemos a sua complexidade a um ponto onde nós somos capazes de produzir programas que podem representar a função cerebral de forma eficaz. Simulações de computador poderiam, no entanto, contribuir para a otimização de protocolos experimentais, e, portanto, resultar na redução do uso de animais necessários para a pesquisa.

A investigação está sempre evoluindo, melhorando e progredindo. É possível que, no futuro, talvez não seja necessário utilizar animais para pesquisas, com propostas de métodos melhores, menos caros e demorados que podem estar disponíveis. Infelizmente, ainda não estamos na fase em que a pesquisa com animais é obsoleta. Eu acredito que os cientistas podem e devem dedicar tempo e esforço para adotar as técnicas, quando possível, bem como ajudar a desenvolver e aperfeiçoar novas técnicas e procedimentos que contribuam para minimizar o uso desnecessário de animais. Finalmente, é importante comunicar ao público em geral como a pesquisa animal é conduzida e como o bem-estar animal está sendo cuidadosamente abordado pelos cientistas, bem como as medidas que estão em vigor para proteger e cuidar dos animais.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  1. Russell, W.M.S. and Burch, R.L. The Principles of Humane Experimental Technique. 1959.
  2. Perel, P., et al., Comparison of treatment effects between animal experiments and clinical trials: systematic review. BMJ, 2007. 334(7586): p. 197.
  3. Peng, S., et al., Development of a DNA vaccine targeting human papillomavirus type 16 oncoprotein E6. J Virol, 2004. 78(16): p. 8468-76.
  4. Moore. F.D Give and Take: the Development of Tissue Transplantation. 1964, New York: Saunders.
  5. Discoveries in Pharmacology, ed. Parnum, M.J. and Bruinvels, J. Vol. vol 3. 1986, Amsterdam: Elsevier.
  6. Garner, R.C. and G. Lappin, The phase 0 microdosing concept. Br J Clin Pharmacol, 2006. 61(4): p. 367-70.
  7. Human Brain Project, H.B. 2013; Available from: https://www.humanbrainproject.eu/
Igor Wassiljew Moia

Igor Wassiljew Moia

Igor Wassiljew Moia, graduando em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Santa Maria, RS, pretende se especializar em botânica. Interessado e curioso por ciências da natureza e ciências humanas em geral.