Publicado em The Guardian
Autores: Adam Briggle e Robert Frodeman
Traduzido por Elan Marinho
Em um amplamente discutido ensaio recente para o New Atlantis, o especialista em política Daniel Sarewitz defendeu que a ciência está em meio a uma dificuldade profunda. Embora a pesquisa moderna continue incrivelmente produtiva, seus resultados estão mais ambíguos, contestáveis e dúbios do que antes. Esse problema não seria causado por uma falta de financiamento ou de rigor científico. Em vez disso, Sarewitz defende que nós precisamos abandonar uma estimada crença cultural de longa data – de que a ciência é constituída por conhecimento exclusivamente objetivo capaz de dar fim às controvérsias da política. A ciência pode fornecer informações para compor a nossa reflexão; mas não há como escapar da política.
Sarewitz, entretanto, falha ao não notar o corolário de seu próprio argumento: que uma mudança em nossas expectativas relativas ao uso da ciência na política implica na necessidade de tornar algo como deliberação filosófica mais central para a tomada de decisões.
A filosofia é relevante? É melhor termos esperança de que sim. Porque a outra opção é o fundamentalismo de valores que, em vez de oferecer razões para nossos valores, nos faz recorrer a eles dogmaticamente. Essa é uma receita para a disfunção política – um resultado amplamente comum nos dois lados do Atlântico.
Evidentemente, a deliberação acerca de valores já não é mais “solução milagrosa” do que a ciência acabou se tornando. Mas, considerando que estamos falando sobre resultados científicos – ou sobre valores éticos, sociais e políticos –, a falta de certeza não significa que a evidência não pode ser mobilizada e nem que as razões não podem ser dadas.
Na prática, isso implica em empregar indivíduos com treinamento filosófico em uma variedade de políticas e instituições reguladoras: não como especialistas que trabalham para provir respostas, mas sim para fazerem as perguntas certas.
Da forma com que é atualmente constituída, a filosofia acadêmica não está a altura dessa tarefa. Uma recompensa é colocada para o rigor teórico e para a perda da importância social. Isso reflete a forma institucional que a filosofia adquiriu. Antes do século XX, filósofos poderiam ser encontrados em diversos cargos. Desde 1900, entretanto, eles têm tido apenas um lugar – a universidade; e, dentro dela, ficam em uma peculiar instituição conhecida como “departamento”. Os departamentos de filosofia se transformam em guetos de ideias, direcionam o filósofo em direção a problemas que são do interesse de seus companheiros de disciplina – até ele chegar à perda da relevância prática e das preocupações sociais mais amplas. Até mesmo os filósofos mais aplicados sofrem com essa forma de captura disciplinar.
Em contrapartida, o que Sarewitz diz da ciência acadêmica é dolorosamente verdadeiro para a maior parte da filosofia e das humanidades em geral. Os filósofos imitam os cientistas de todas as piores maneiras possíveis: pondo em prática uma disciplina altamente especializada e falando principalmente uns com os outros. Um sinal de aviso disso: de, aproximadamente, 110 programas de PhD em filosofia dos Estados Unidos, nem um único enfatizava a importância do treinamento de graduandos para o trabalho fora da academia.
Isso sugere que é a necessário algo análogo ao movimento da ciência aberta [open science], mas direcionado às humanidades. A ciência aberta marca uma mudança oceânica na forma com que a ciência é feita: com apelo para a abertura dos dados, abertura dos laboratórios, abertura da revisão por pares e abertura do acesso. Promovida por órgãos como o Wellcome Trust, a European Commission e a US National Academies, a ciência aberta enfatiza a importância da transparência desde o desenho de projetos de pesquisa até o relatório dos resultados. Uma iniciativa equivalente como um “humanidades abertas” poderia ajudar a levar a filosofia para além do estudo e em direção à comunidade.
Sarewitz não fala em termos de ciência aberta. Em vez disso, ele revive o apelo de Alvin Weinberg pela “trans-ciência” [trans-science], uma abordagem orientada para a investigação que é julgada pelo seu sucesso no mundo real em vez de por métricas disciplinares. Weinberg diz que a “trans-ciência” começa com um ato de “honestidade abnegada” em que especialistas reconhecem que um problema ultrapassou as fronteiras que eles dominam.
Os “trans-cientistas” têm que saber quando eles não sabem – caso contrário, eles trabalharão sob a ilusão (e talvez iludirão os outros também) de que são capazes de solucionar problemas que não podem. Essa é a essência de Sócrates. Para Sócrates, a sabedoria consiste em saber que não se sabe. Ele expõe o especialista autoconfiante como um presunçoso que se pronuncia sobre matérias que estão fora de sua jurisdição.
Se a “trans-ciência” é nosso novo ideal, então Sócrates está de volta aos negócios. Os filósofos que trabalham dentro do modelo socrático podem trazer habilidades úteis para nossos árduos problemas, incluindo os hermenêuticos (pensando em questões que permitam variadas interpretações e perspectivas), os éticos (descobrindo e analisando compromissos de valor oculto) e os epistemológicos (avaliando diferentes alegações sobre o conhecimento).
Mas, mais importante que tais atividades, é a crucial propagação de uma mentalidade distintiva: o comprometimento com a explicação dos valores de uns, sem deixar de dar ouvido aos valores de outros. Isso também requer filósofos deixando de lado suas preciosas alegações de expertise e engajados em colaborações humildes com outros. Acima de tudo, eles precisam parar de falar apenas uns com os outros.
A sociedade possui uma grande expectativa de que a ciência possa dispensar a necessidade da política. A filosofia tem tentado transformar questões abertas sobre a boa vida, a beleza e justiça em argumentos que especialistas possam chancelar seguramente. Pode ocorrer, entretanto, que nós todos estejamos condenados a filosofar. Diante disso, encontremos um jeito de filosofar da melhor forma em locais públicos de encontro que estejam abertos para todos.
Adam Briggle e Robert Frodema lecionam no Departamento de Filosofia e Religião da Universidade do Norte do Texas. Eles são coautores de Socrates Tenured: The Institutions of 21st Century Philosophy.