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Por que não uma Filosofia da Química?

Por Michael Weisberg
Publicado na American Scientist

Filosofia da física e filosofia da biologia são subáreas da filosofia da ciência bem estabelecidas, então por que não uma filosofia da química? Eu me lembro de colocar essa questão como um estudante de graduação para meu primeiro professor de filosofia, um conhecido filósofo da ciência. Ele pensou nela por algum tempo e respondeu que realmente não sabia, que talvez não existam questões filosóficas interessantes na química. Essa é uma visão contestada por Nalini Bhushan e Stuart Rosenfeld em “Of Minds and Molecules”, uma coleção de 15 ensaios sobre filosofia da química.

A injustificada negligência por parte dos filósofos da ciência sobre a filosofia da química se deu em grande parte por acidente histórico. No início do século XX a filosofia da ciência foi dominada por indivíduos especializados em lógica matemática e física. Além disso, o trabalho de Einstein desafiou as ideias de longa data sobre a natureza do tempo e do espaço, direcionando muito da atenção filosófica para a física. Desde então, os filósofos da ciência têm sido frequentemente atraídos para áreas caracterizadas por discussões acerca de fundamentos ou conceitos básicos pouco claros ou ambíguos – propriedades geralmente não atribuídas à química.

A colaboração entre filósofos e químicos é uma das características mais interessantes do livro, enfoca na discussão sobre a aplicação dos tradicionais tópicos da filosofia da ciência na química e em tópicos previamente inexplorados da própria química. Os editores afirmam em sua introdução que o tema unificador dos ensaios é desafiar o reducionismo – a tese de que as teorias e explicações da química podem ser derivadas da física.

A química tem características filosoficamente interessantes não compartilhadas com outras ciências e, portanto, merece atenção nas discussões da filosofia da ciência. Essas características únicas precisam ser compreendidas antes que possamos formar uma imagem filosófica completa da ciência.

Uma questão tradicional abordada no livro, com um toque químico, é o papel dos modelos nas teorias científicas. Algumas narrativas científicas afirmam que explicar um fenômeno é derivar sua ocorrência de uma lei da natureza. Entretanto, alguns dos contribuidores argumentam que modelos altamente idealizados, e não leis da natureza, desempenham o papel explicativo na química.

Outro tema explorado é a importância dos modelos icônicos ou pictóricos no discurso da química. A filosofia empírica e lógica da ciência tomou como dado que as teorias e explicações científicas poderiam ser representadas simbolicamente, de forma especifica, usando a lógica de primeira ordem. Isso, um dos ensaios argumenta, é impossível na química.

Outros ensaios focam em temas filosóficos relacionados à estrutura e identidade. Um deles argumenta que as substâncias macroscópicas, e não as moléculas, são as unidades básicas da química. Outro trata do estado da forma molecular. Considere a afirmação de que as propriedades moleculares, incluindo a forma molecular, explicam o comportamento das substâncias. A mecânica quântica nos diz que a forma molecular não pode ser uma propriedade intrínseca de uma molécula. Por que, então, é aceitável invocar a forma molecular nas explicações do comportamento das moléculas? A resposta, argumenta este ensaio, consiste em reconhecer que a forma molecular é uma propriedade parcialmente constituída pelos meios de sua detecção.

Síntese, instrumentação e os sentidos – tópicos importantes, mas frequentemente esquecidos – também são discutidos. A síntese foi negligenciada inteiramente na filosofia da ciência, embora seja uma atividade central da química e coloca questões interessantes. São moléculas sintéticas tipos naturais como água ou artefatos como mesas e cadeiras?

Os ensaios sobre instrumentação e sentidos nos convidam a reconsiderar ideias filosóficas tradicionais, como a distinção entre observação e teoria. Devemos, por exemplo, tratar a espectroscopia como uma extensão de nossas habilidades perceptivas? Se fizermos isso, como isso pode mudar nossas explicações de como as teorias são apoiadas por evidências perceptivas? Dada a negligência destes tópicos, como seria as discussões clássicas sobre a natureza da ciência se a química fosse o paradigma em vez da física?

As questões da filosofia da química podem não levantar uma profunda perplexidade conceitual como o problema de mensuração da mecânica quântica levanta e podem não ser tão conceitualmente complexas quanto os debates da biologia evolutiva. Elas são, no entanto, essenciais para entender o que faz a ciência progredir.

Amanda Soares de Melo

Amanda Soares de Melo

Estudante de Filosofia da Universidade Federal do ABC no estado de São Paulo, possui graduação em Ciências e Humanidades pela mesma universidade. Interessa-se por filosofia da ciência, nas subáreas: filosofia da biologia e filosofia da matemática. Amante das ciências e das artes.