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Por que o “pai da bomba de hidrogênio” odiava Carl Sagan

Edward Teller realmente detestava Carl Sagan.

Esse desprezo perdurou até tarde na vida do lendário físico, mesmo após Sagan ter falecido tragicamente aos 62 anos devido a complicações de um câncer de medula óssea em 1996.

“Quem era ele?”, comentou Teller, aos 90 anos, quando perguntado sobre Sagan em 1998. “Era um ninguém!”

“O que ele fez? Sei que me criticou – essa é a única realização dele que conheço… Ele nunca fez nada que valesse a pena.”

Muitos entusiastas da ciência certamente discordariam da avaliação de Teller, especialmente aqueles que apreciaram a série atemporal de televisão de Sagan, Cosmos, na PBS, ou leram alguns de seus inúmeros livros fascinantes, que instigaram as maravilhas e os benefícios da investigação científica.

Então, por que Edward Teller detestava uma pessoa aparentemente tão adorável? Quase tudo se resumia a um debate sobre armas termonucleares.

Edward Teller, juntamente com Stanisław Ulam, foi fundamental na criação da bomba de hidrogênio e defendia veementemente a proliferação de armas nucleares. Ele acreditava que uma guerra nuclear poderia ser vencida e apoiava a Iniciativa de Defesa Estratégica (IDE), um sistema de satélites conhecido coloquialmente como “Star Wars”, promovido para proteger os EUA de um ataque de mísseis nucleares. A fixação de Teller por armas nucleares era tão intensa que ele se opôs a quaisquer proibições de testes e até defendeu o uso de bombas nucleares para escavações e para defender a Terra de asteroides.

Do outro lado do debate estava Carl Sagan. O renomado astrônomo da Universidade Cornell, logo após o estrondoso sucesso de sua série Cosmos na PBS, buscou utilizar sua fama recém-conquistada para se posicionar contra a proliferação de armas nucleares.

“Todos sabem que é uma loucura, e cada país tem sua desculpa”, ele disse.

Sagan emprestou seu nome e reputação a um estudo de 1983 realizado por alguns de seus ex-alunos que chegou a uma conclusão perturbadora: as tempestades de fogo e a destruição causadas pela guerra nuclear enviariam tanta fuligem para a atmosfera que desencadeariam mudanças climáticas globais catastróficas, bloqueando o Sol e reduzindo as temperaturas globais em até 25 graus Celsius, resultando em fome em massa à medida que as colheitas falhassem em todo o mundo. Eles denominaram esse cenário de “inverno nuclear”. Isso significava que uma guerra nuclear era incontestável. A humanidade sempre perde.

Em seu livro “O Mundo Assombrado pelos Demônios”, Sagan recordou que essa foi a maior controvérsia que ele já enfrentou. Teller e outros atacaram impiedosamente o estudo e o próprio Sagan. “Teller chamou Sagan de ‘excelente propagandista’ e sugeriu que o conceito de inverno nuclear era ‘altamente especulativo'”, escreveram Richard Wolfson e Ferenc Dalnoki-Veress em seu livro “Nuclear Choices for the 21st Century”.

O Dr. David Morrison, cientista sênior do Centro de Pesquisa Ames da NASA e ex-diretor do Centro Carl Sagan para o Estudo da Vida no Universo no Instituto SETI, descreveu outras razões para o desprezo mútuo entre Sagan e Teller.

“Edward Teller, aos 73 anos, talvez o segundo cientista mais conhecido dos EUA, debateu com Sagan sobre o inverno nuclear em uma sessão especial do Congresso. Esses confrontos geraram uma profunda animosidade pessoal entre eles. Anos depois, Teller me contou sobre um café da manhã no aeroporto que ele e Sagan tiveram juntos, onde (para o claro desgosto de Teller) três estranhos se aproximaram para pedir um autógrafo a Sagan, mas ninguém parecia reconhecer Teller.”

Sagan, por sua vez, ofereceu uma análise generosa dos motivos de Teller em seu livro “O Mundo Assombrado pelos Demônios”:

“Vejo algo mais na tentativa desesperada de Teller de justificar a bomba de hidrogênio: seus efeitos não são tão ruins quanto você pensa. Pode ser usada para defender o mundo de outras bombas de hidrogênio, para a ciência, para a engenharia civil… para travar guerra de maneira humanitária, para salvar o planeta de perigos aleatórios do espaço. De alguma forma, em algum lugar, ele quer acreditar que as armas termonucleares, e ele próprio, serão reconhecidos pela humanidade como salvadores, e não destruidores.

Hoje, o mundo é novamente forçado a contemplar um armagedom nuclear após a invasão da Ucrânia por Putin. O conceito de inverno nuclear, que dividiu profundamente Sagan e Teller, ainda é debatido cientificamente. Simulações sugerem que seus efeitos podem variar de ‘leves’ a devastadores, dependendo da magnitude do conflito nuclear e das regiões atingidas. Esperemos que nunca tenhamos que enfrentar seus efeitos reais.

O artigo foi publicado originalmente por Ross Pomeroy no Real Clear Science.

Douglas Rodrigues Aguiar de Oliveira

Douglas Rodrigues Aguiar de Oliveira

Divulgador Científico há mais de 10 anos. Fundador do Universo Racionalista. Consultor em Segurança da Informação e Penetration Tester. Pós-Graduado em Computação Forense, Cybersecurity, Ethical Hacking e Full Stack Java Developer. Endereço do LinkedIn e do meu site pessoal.