Este artigo é parte de uma série de textos que pretendo fazer sobre a psicanálise. Veja aqui a primeira parte do texto sobre o problema histórico da psicanálise.
Antes de começar a leitura do segundo texto, eu gostaria de desconstruir rapidamente a afirmação de que Sigmund Freud nunca teve pretensão alguma de que a psicanálise fosse científica:
“Senhoras e senhores: permitam-me que, para concluir, eu resuma o que tinha a dizer sobre a relação da psicanálise com a questão de uma Weltanschauung. Em minha opinião, a psicanálise é incapaz de criar uma Weltanschauung por si mesma. A psicanálise não precisa de uma Weltanschauung; faz parte da ciência e pode aderir à Weltanschauung científica. (…) Todo semelhante nosso que está insatisfeito com essa situação, que exige mais do que isso para seu consolo momentâneo, haverá de procurá-lo onde o possa encontrar. Não o levaremos a mal, não podemos ajudá-lo, mas nem podemos, por causa disso, pensar de modo diferente.“
(FREUD, Sigmund 1933/1976, 220)
O status científico – ou não – da psicanálise, não é um assunto insignificante, ainda que muitos psicanalistas ignorem o problema de como qualificar as suas práticas, eles afirmam que as suas práticas são científicas, mas não oferecem quaisquer explicações do que se espera de um argumento de fato; eles desqualificam a ciência, que é contraria aos seus métodos e princípios; criticam a “obsoleta” epistemologia que os exclui.
Embora tal problema seja ignorado por boa parte dos psicanalistas, que por sinal acham sua prática gratificante, é um problema relevante para a Lei Nacional Nº 26.657 de Saúde Mental da Argentina, que garante:
“C) O direito de receber cuidados com base em fundamentos científicos de princípios éticos.“
E deixa claro, em sua implementação, de acordo com o decreto nacional 603/13:
“C) A Autoridade de Aplicação deve determinar quais são as práticas que são baseadas em fundamentos científicos de princípios éticos. Todas aquelas que não forem fornecidas por estes meios estarão proibidas.“
Epistemologia é uma área da filosofia que visa o estudo das ciências (no caso da Epistemologia da Ciência). Assim como qualquer disciplina científica, ela deve definir o seu objeto e descrevê-lo, o que resulta em uma série de características científicas. Práticas que não atendem a maioria dessas características simplesmente não são científicas.
Alguns aspectos que a psicanálise não atende:
- Ontologia: que poderia explicar sua “cosmovisão” científica. A ontologia das ciências factuais é realista: porque acredita que o mundo existe fora de nossa própria consciência e pode ser explicado sem recorrer a entidades sobrenaturais ou não passíveis de refutação, como o inconsciente, o super-ego, etc.
- Coerência Externa: nenhuma ciência pode propor hipóteses que contradigam outras hipóteses bem estabelecidas de outras ciências. A psicanálise inclui especulações sobre a “energia psíquica”, que não é mensurável e discutida por sistemas não materiais, negaria a física, entre outras várias conjeturas que foram comprovadas como falsas (ou seja, conjeturas que foram falseadas) pela psicologia, neurologia e neurociências.
- Falseabilidade: toda hipótese deve ser testada experimentalmente, direta ou indiretamente, e ser susceptível de refutação. A psicanálise contém construções irrefutáveis, como o Complexo de Édipo na formulação de Freud, e outras que foram refutadas experimentalmente, como a repressão de memórias traumáticas. [1]
- Exatidão: a linguagem deve ser clara, precisa, exata e a fim de evitar ambiguidades. Em psicanálise, os conceitos (por exemplo, Libido) podem ter mais de um significado, e autores como Lacan, com sua sintaxe rotatória, faz abuso de disciplinas que ignora (topologia, lógica, matemática), e seu obscurantismo, poderia ser melhor classificado como misticismo – ou charlatanismo – do que como científico. [2]
- Sobreposição: as ciências compartilham parcialmente as investigações e interações: a economia se utiliza da história e da sociologia; a química se utiliza da física. A psicanálise está só, apesar de, no passado, ter se aventurado em outras áreas para fazer o ridículo: por exemplo, a explicação da origem da cultura em Totem e Tabu, ou a explicação para a revolução russa, causada, segundo Gorer, pela forma como as mães russas apertavam as fraldas.
- Comunidade Crítica: a ciência precisa de crítica e se expõe voluntariamente a ela. A psicanálise evita a crítica, desde Freud decidiram dogmaticamente que ninguém poderia falar sobre ela sem ter passado pela experiência psicanalítica, impondo uma análise didática como requisito inevitável. [3]
Célebres epistemólogos como Popper, Lakatos, Grünbaum, Cioffi e Bunge consideram a psicanálise uma disciplina não científica.
No entanto, ainda poderia afirmar que, embora não seja científico, é efetivo e cura. Lamentavelmente, isso não é verdade. Os estudos que foram realizados para testar a eficácia da psicanálise deram resultados opostos, propondo-a como um tratamento inútil, ou semelhante a um placebo. [4] A única opção para alegar que ela é efetiva, é manter as anedotas e opiniões de psicanalistas ou de pacientes supostamente satisfeitos (há também os insatisfeitos).
A opinião dos psicanalistas é inválida, porque consiste em utilizar anedotas (ou seja, afirmações que não são passíveis de verificação); A opinião dos pacientes, tampouco, pois são casos meramente anedóticos, que não diferem substancialmente de relatos de pessoas que afirmam ter sido curadas por um curandeiro, um mágico, pela homeopatia, ou pela sua própria mente: eles se baseiam na falácia de afirmação do consequente. [5] A partir deste tipo de evidência, a prática se torna tão justificável quanto o curandeirismo ou vodu.
Outro fator importante é que a cura não é o que entendemos usualmente por cura, mas algo diferente: não implica no desaparecimento do transtorno, mas algo bastante difuso, que às vezes pode ser equiparado com sua aceitação: o paciente continua sendo impotente, mas aceitam, e assim eles obtém uma boa explicação de sua impotência em troca de dinheiro e talvez vários anos de terapia.
O resto do mundo abandonou a psicanálise para o benefício de terapias baseadas em evidências científicas, que podem demonstrar estatisticamente seus resultados, como a terapia cognitivo-comportamental. No entanto, sobrevive com alguma força na Argentina, Brasil e França, e muitas pessoas ainda acreditam que é uma ciência, e que cura. É importante esclarecer esses pontos e desconstruir essa injustificada confiança. Afinal, quantas pessoas passam por terapia psicanalítica, que é uma das mais caras e longas do mercado, que não cura, no sentindo tradicional da palavra, e que não tem base científica?
Fonte
Mauro Lirussi. El Psicoanálisis no es una Ciencia. 2014.
Notas
- Refutada pelos trabalhos da Dra. Elizabeth Loftus: http://socialecology.uci.edu/search/node/loftus
- Para ver os erros de Lacan em relação a topologia, lógica e matemática consulte o livro “Imposturas Intelectuais” de Alan Sökal e Jean Bricmont.
- Em Freud, “Lição XXXI. A Dissecção da Personalidade Psíquica”.
- M. L. Smith y G. V. Glass, “Meta-analysis of Psychotherapy Outcome Studies”, American Psychologist, 32, 1977, p.752-760.
O Informe do Inserm (censurado por lobby do psicanalista francês, en el 2004)
INSERM. “Psychothérapie: Trois Approches Évaluées”, Expertise Collective INSERM (O. Canceil, J. Cottraux, B. Falissard, M. Flament, J, Miermont, J. Swendsen. M, Teherani, J. M. Thurin), INSERM. 2004, 553 p.
N. Sartorius. G. De Girolamo, G, Andrews, A. German & L. Eisenberg, “Treatment of Mental Disorders. A Review of Effectiveness”, Washington, WHO, American Psychiatric Press, 1993. - Consiste em supor uma relação causal entre dois eventos sem justificar os dados (por exemplo: feito a) qualquer terapia; feito b) cura ou melhora).