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Quem acredita em astrologia é mais narcisista e menos inteligente?

A astrologia é uma pseudociência bastante popular. Por exemplo, em um levantamento realizado aqui no Brasil, mais ou menos 22% dos ateus e 33% dos demais entrevistados acreditavam que as posições de estrelas e planetas afetam a nossa vida (Bullivant et al., 2019). Ninguém sabe explicar como isso aconteceria, e é bom apontar que essa prática milenar não é apoiada por estudos científicos. Mas, afinal, por que tanta gente acredita nessas ideias mal fundamentadas?

Em um estudo publicado recentemente, Ida Andersson e seus colaboradores (2022) testaram se a crença em astrologia se associaria com a inteligência e a personalidade das pessoas. Duzentos e vinte e quatro suecos responderam ao Inventário de Crença em Astrologia, que continha 8 itens com afirmações como “O horóscopo prevê o futuro de uma pessoa”, “O humor de alguém depende de seu signo” e “O signo de uma pessoa determina como ela se comporta”. Eles precisavam assinalar o quanto concordavam com cada uma dessas afirmações, e suas opções de resposta variavam entre “1 – Discordo totalmente” até “5 – Concordo totalmente”. Somando o escore de todas as respostas, os cientistas tinham em mãos o nível de crença em astrologia dos participantes.

Os suecos responderam também a 9 itens que avaliavam a presença de narcisismo. Por exemplo, eles precisavam dizer o quanto concordavam com afirmações como “As pessoas me veem como um líder natural”, “Eu sei que sou especial porque todo mundo vive me dizendo isso” e “Eu insisto em obter o respeito que eu mereço”. Quanto mais um participante concordava com essas afirmações, mais narcisista ele seria.

Além de responderem a outras questões sobre sua personalidade, eles foram submetidos a 4 itens que avaliavam seu raciocínio viso-espacial. Os cientistas não deram detalhes sobre essa tarefa, mas é provável que envolvesse a capacidade de se girar objetos tridimensionais imaginativamente (ou, para usar um exemplo hipotético, a capacidade de se deduzir qual face de um dado estaria virada para cima após uma sequência de movimentos). Presume-se que o desempenho em tarefas desse tipo é um bom indicador da inteligência geral de uma pessoa.

Quanto mais crentes em astrologia, mais narcisistas?

Ida e seus colegas constataram que os suecos mais crentes em astrologia tendiam a ser um pouco mais introvertidos e cordiais, mas consideravelmente mais narcisistas. A fim de interpretar esse achado, os autores comentaram que tanto a astrologia quanto o narcisismo são conceitos que têm em comum uma visão de mundo autocentrada, ou seja, a crença de que somos tão especiais a ponto de todos e tudo, de Mercúrio a Marte, “girarem em torno do nosso umbigo”. Eles especularam também que, uma vez que as previsões astrológicas e o horóscopo falam mais coisas boas do que ruins sobre nós, isso reforçaria os sentimentos de importância ou grandiosidade dos narcisistas, atraindo-os ainda mais.

Quanto mais crentes em astrologia, menos inteligentes?

Os cientistas também verificaram que as pessoas mais crentes em astrologia tendiam a ser um pouco menos inteligentes. Embora eles não tenham tentado explicar ou interpretar esse resultado, eles mencionaram um estudo (Musch & Ehrenberg, 2002) que citou outro estudo (Gray & Mill, 1990) cujos autores sugeriram que a crença em fenômenos paranormais pode se desenvolver, em parte, porque algumas pessoas teriam mais dificuldade em imaginar explicações alternativas para aquilo em que acreditam. Por exemplo, se alguém achar que seu signo lhe descreve de forma muito precisa, que outra explicação haveria senão a de que estamos misteriosamente conectados com os astros?

É possível que essas pessoas não conheçam – ou não estejam devidamente “imunizadas” contra processos como – o efeito Forer e o viés de confirmação. Enquanto o primeiro caso se refere ao erro de tomarmos afirmações muito vagas ou genéricas como se nos descrevessem de forma precisa, específica, o segundo caso envolve darmos muito mais atenção e/ou importância a coisas que parecem confirmar nossas crenças do que a coisas que as refutam – criando a ilusão de que existem provas esmagadoras de que estamos com a razão. (A propósito, talvez isso explique meio caminho de por que as pessoas levam a sério não só a astrologia, mas também coisas como a grafologia, as profecias e as cartas psicografadas.)

Além disso, Gray e Mill (1990) sugeriram que os crentes em “coisas” paranormais – e, segundo alguns autores (e.g., Bullivant et al., 2019), a astrologia pode ser considerada uma “coisa” paranormal ou sobrenatural – talvez não mandem muito bem ao diferenciar evidências boas de evidências ruins. Um ótimo exemplo de evidência ruim usada para se defender os signos está no argumento de que, uma vez que a Lua afeta as marés, então os astros também nos afetam, já que “água” é a substância química mais abundante em nosso corpo. O curioso é que ninguém jamais demonstrou como a gravidade afetaria os neurônios que estruturam a nossa personalidade, e a relação gravitacional entre nós e a Lua (ou entre nós e qualquer outro astro que perambula por aí) é ridícula, desprezível (Bonsaver, 2020). Mesmo havendo aqueles que alegam que a nossa conexão com os corpos celestes não se daria pela gravidade, é bom lembrar que nenhuma força ou energia alternativa foi encontrada até o momento para fornecer alguma base razoável para a astrologia.

Algumas ressalvas

Apesar dos resultados encontrados por Ida e seus colaboradores, seria incorreto concluir que quem acredita em astrologia é necessariamente mais narcisista e menos inteligente. Isso pode soar meio contraintuitivo para quem não está familiarizado com a metodologia científica, mas eu lhe garanto: seria precipitado achar que seu vizinho e sua amiga são mais “metidos” ou intelectualmente menos capazes do que você. Quer entender exatamente por quê? Assista abaixo ao pequeno vídeo em que eu discuti as limitações dessa pesquisa – e, se quiser acompanhar mais conteúdos como esse, não deixe de se inscrever no meu canal.

Referências

  • Andersson, I., Persson, J., & Kajonius, P. (2022). Even the stars think that I am superior: Personality, intelligence and belief in astrology. Personality and Individual Differences, 187, 111389.
  • Bonsaver, R. (2020). Se a Lua afeta as marés, ela não afeta também o corpo humano? Instituto Questão de Ciência.
  • Bullivant, S., Farias, M., Lanman, J., & Lee, L. (2019). Understanding unbelief: Atheists and agnostics around the world.
  • Gray, T., & Mill, D. (1990). Critical abilities, graduate education (Biology vs. English), and belief in unsubstantiated phenomena. Canadian Journal of Behavioural Science, 22(2), 162–172.
  • Musch, J., & Ehrenberg, K. (2002). Probability misjudgment , cognitive ability , and belief in the paranormal. British Journal of Psychology, 93(2) 169–177.
Daniel Gontijo

Daniel Gontijo

Doutor em Neurociências pela Universidade Federal de Minas Gerais. Professor de Psicologia. Pesquisa as relações entre espiritualidade e saúde mental.