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Rajadas de rádio de buracos negros ‘zumbis’ intrigam astrônomos

Traduzido por Julio Batista
Original de Zack Savitsky para a Science

Quando uma estrela azarada se aventura muito perto de um dos buracos negros supermassivos que espreitam no centro das galáxias, ela é rasgada em pedaços e esticada como espaguete. Neste chamado evento de perturbação de marés (EPM), o buraco negro se alimenta dos restos estelares, que envolvem a massa do buraco negro em um disco de acreção. Durante esse lanchinho, o buraco negro pode brilhar mais do que uma supernova por meses, antes de retornar a um estado silencioso de hibernação.

Ou assim a história geralmente se desenrola.

O monitoramento contínuo por astrônomos pacientes já revelou alguns casos em que os buracos negros acordam e expelem matéria e energia, enviando rajadas de ondas de rádio em direção à Terra meses ou mesmo anos após o EPM inicial. “O que é incrivelmente incomum sobre [esses eventos] é que os objetos voltaram à vida, como um zumbi”, disse Enrico Ramirez-Ruiz, astrofísico teórico da Universidade da Califórnia, Santa Cruz (EUA). “Isso está realmente desafiando o paradigma.”

Os astrônomos não têm certeza do que está desencadeando as rajadas atrasadas, mas eles acham que as emissões podem ajudar a explicar os misteriosos mecanismos pelos quais os buracos negros convertem o material estelar em jatos poderosos que saem de seus polos. “Ele está nos dizendo algo sobre a física do mecanismo central que, de outra forma, está escondida de nós”, disse Sasha Tchekhovskoy, astrofísico computacional da Universidade do Noroeste. “Esses jatos podem explodir galáxias inteiras, então é um processo muito importante na evolução das galáxias.”

A maioria das poucas dezenas de EPMs conhecidos foram detectados a partir da luz óptica ou raios-X emitidos no início da comilança dos buracos negros. Mas, “o rádio está agora desempenhando um papel muito importante” na compreensão dos EPMs, disse o astrônomo Igor Andreoni do Joint Space-Science Institute. Os buracos negros geram ondas de rádio expelindo plasma – bombeando-o em jatos polares ou expelindo material que colide com o gás circundante. Mas esses fluxos normalmente ocorrem durante um EPM, logo após o buraco negro destroçar sua refeição.

Em fevereiro de 2021, no entanto, Assaf Horesh, astrofísico da Universidade Hebraica de Jerusalém, descobriu uma rajada de rádio que ocorreu 6 meses após o EPM inicial. Então, em 30 de junho, Yvette Cendes, astrônoma do Centro de Astrofísica Harvard & Smithsonian, relatou ter encontrado outra rajada atrasada em uma pré-publicação no arXiv. Usando vários observatórios, ela e seus colegas documentaram um rápido aumento na atividade de rádio que foi lançado mais de 2 anos após a refeição inicial do buraco negro. “É um caso bastante excepcional”, disse Cendes.

O estudante de pós-graduação de Horesh, Itai Sfaradi, pode ter captado um terceiro exemplo. Reanalisando um EPM previamente detectado, Sfaradi afirma na edição de 10 de julho do The Astrophysical Journal que encontrou emissões de rádio tardias em combinação com uma rajada de raios-X. Essas emissões paralelas às vezes são vistas nos chamados binários de raios-X – nos quais buracos negros do tamanho de uma estrela sugam gás de uma estrela emparelhada – sugerindo que os mecanismos podem estar relacionados, disse Horesh.

Mudanças no disco de acreção do buraco negro alimentam os surtos de emissões de binários de raios-X, e Ramirez-Ruiz acha que a mesma coisa pode estar acontecendo com os buracos negros supermassivos, meses após um EPM. Nesse cenário, o gás espaguetificado de uma estrela se acumula mais lentamente ao longo do tempo, permitindo que o disco de acreção fique mais frio e mais fino. Eventualmente, o disco enfraquece o suficiente para abrir um caminho de escape que permite que as linhas do campo magnético do buraco negro lancem material do disco para o espaço, onde ele colide com o gás circundante e produz rajadas de rádio.

Tchekhovskoy concorda — e ele tem modelos que demonstram o comportamento. Ele e seus colegas fizeram simulações de computador da evolução do disco de acreção e descobriram que podem atingir um estado Cachinhos Dourados no qual os jatos podem se formar com eficiência. O momento chave vem quando o disco de acreção ainda é denso o suficiente para alimentar jatos, mas não tão denso a ponto de reabsorver as ondas de rádio geradas. Talvez seja por isso que estamos vendo essas rajadas tardias, disse ele – “Estamos apenas esperando que o gás tenha a densidade certa”.

Mais pistas podem surgir se pesquisas de rádio de campo amplo puderem capturar outros despertares de zumbis. O Very Large Array, um complexo de telescópios no Novo México (EUA), deve fazer uma varredura nos céus pela terceira vez no próximo ano, e o Australian Square Kilometer Array Pathfinder lançará um levantamento completo do céu ainda este ano. Tanto Cendes quanto Horesh planejam realizar pesquisas de rádio de acompanhamento de EPMs usando esses observatórios, entre outros. Em trabalho inédito, Cendes acha que já encontrou vários outros candidatos.

Descobrir uma população maior desses EPMs com rajadas tardias abriria um laboratório natural, permitindo que os teóricos investigassem o comportamento dos buracos negros sob uma ampla gama de condições, disse Ramirez-Ruiz. Para os físicos, disse ele, “a gastronomia dos buracos negros realmente oferece um novo horizonte”.

Julio Batista

Julio Batista

Sou Julio Batista, de Praia Grande, São Paulo, nascido em Santos. Professor de História no Ensino Fundamental II. Auxiliar na tradução de artigos científicos para o português brasileiro e colaboro com a divulgação do site e da página no Facebook. Sou formado em História pela Universidade Católica de Santos e em roteiro especializado em Cinema, TV e WebTV e videoclipes pela TecnoPonta. Autodidata e livre pensador, amante das ciências, da filosofia e das artes.