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Reescrevendo a história: novas evidências desafiam a narrativa eurocêntrica da colonização da América

Por Sara Savat
Publicado na EurekAlert!

Na história dos Estados Unidos, aprendemos que a chegada dos exploradores espanhóis liderados por Hernando de Soto nos anos 1500 foi um momento decisivo, resultando no colapso das tribos e das tradições indígenas em todo o sudeste dos Estados Unidos.

Embora essas expedições inquestionavelmente resultaram na morte de incontáveis ​​povos indígenas e na realocação de tribos remanescentes, uma nova pesquisa da Universidade de Washington em St. Louis fornece evidências de que os povos indígenas no Vale do Oconee – atual centro do estado da Geórgia – continuaram a viver por lá e ativamente resistiram à influência europeia por quase 150 anos.

As descobertas, publicadas na American Antiquity, falam da resistência e resiliência dos povos indígenas diante da insurgência europeia, disse Jacob Lulewicz, professor de arqueologia na Faculdade de Artes e Ciências da universidade e autor principal do paper.

“O estudo de caso apresentado em nosso paper reenquadra os contextos históricos dos primeiros encontros coloniais no Vale do Oconee, destacando a longevidade e resistência das tradições indígenas do Mississippi e reescrevendo narrativas de interações entre colonizadores espanhóis e nativos americanos”, disse Lulewicz.

Ele também questiona os motivos por trás das primeiras explicações e interpretações que os euro-americanos sugeriram para a origem dos montículos de terra indígenas – plataformas construídas com terra, argila e pedra que eram usadas em cerimônias e rituais importantes.

‘Mitos eram propositadamente racistas’

“Em meados de 1700, menos de 100 anos após o abandono do Montículo Dyar [agora submerso sob o lago Oconee], as pessoas defendiam explicações de origens não-indígenas dos montículos de terra. Como menos de 100 anos teriam se passado entre a utilização indígena dos montículos e essas explicações, pode-se argumentar que os motivos para esses mitos eram propositalmente racistas, negando o que teria sido uma memória coletiva recente da utilização indígena em favor de explicações que roubaram e privaram da autoria dessas histórias dos povos indígenas contemporâneos”, Disse Lulewicz.

O montículo Dyar foi escavado por arqueólogos da Universidade da Geórgia na década de 1970 para abrir caminho para uma represa. Lulewicz e os coautores do trabalho – Victor D. Thompson, professor de arqueologia e diretor do Laboratório de Arqueologia da Universidade da Geórgia; James Wettstaed, arqueólogo da Floresta Nacional Chattahoochee-Oconee; e Mark Williams, diretor emérito do Laboratório de Arqueologia da Universidade da Geórgia – recebeu financiamento do Serviço Florestal do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos para fazer uma nova datação do montículo de plataforma indígena, que continha vestígios clássicos de rituais e cerimônias indígenas.

Usando técnicas avançadas de datação por radiocarbono e modelos estatísticos complexos, os arqueólogos modernos são capazes de construir com eficácia cronologias de alta resolução e de alta precisão. Em muitos casos, eles podem determinar, entre um intervalo de 10 a 20 anos, as datas de coisas que aconteceram há mil anos.

“A datação por radiocarbono é realmente importante, não apenas para obter uma data que revela quando as coisas aconteceram, mas para compreender o ritmo de como as coisas mudaram ao longo do tempo e de fato compreender as histórias complexas das pessoas ao longo de centenas de anos”, disse Lulewicz. “Na arqueologia, é muito fácil agrupar coisas em longos períodos de tempo, mas seria falso dizer que nada mudou nesses 500 anos”.

Sua pesquisa rendeu 20 novas datas da parte de cima e da parte de baixo do montículo, o que forneceu uma perspectiva refinada sobre os efeitos que os primeiros encontros entre índios e colonizadores tiveram, e não tiveram, sobre os povos indígenas e suas tradições.

Não havia no montículo qualquer sinal de artefatos europeus, que é uma das razões pelas quais os arqueólogos acreditavam que os locais da região foram abruptamente abandonados logo após seus primeiros encontros com colonizadores espanhóis. “Não apenas os ancestrais do povo creek continuaram suas tradições no topo do montículo Dyar por quase 150 anos após esses encontros, mas também rejeitaram ativamente as coisas europeias”, disse Lulewicz.

Segundo Lulewicz, o montículo Dyar não representa um resquício único sobre os eventos que ocorreram após o contato com colonizadores europeus. Existem vários exemplos de montículos de plataforma que foram usados ​​após o século 16, incluindo a região de Fatherland associada aos povos Natchez na Louisiana, Cofitachequi na Carolina do Sul e uma série de cidades em todo o Vale do Baixo Mississippi.

“No entanto, o montículo Dyar representa um dos únicos exemplos confirmados, por meio de datação absoluta, das tradições continuadas no Mississippi relacionadas a utilização e construção de montículos até hoje”.

Hoje, os membros da Nação Creek, descendentes dos Mississipianos que construíram montículos de plataforma como o de Dyar, vivem em Oklahoma. “Temos uma ótima relação de colaboração com arqueólogos do Departamento de Preservação Histórica e Cultural da Nação Creek, por isso enviamos o paper para revisão. Foi muito bem recebido. Eles viram, ao refletirem sobre o paper, muitas das tradições que eles ainda praticam em Oklahoma e foram generosos o suficiente para contribuir com comentários que reforçaram os resultados apresentados no paper”, disse ele.

“É nesse ponto que a arqueologia que escrevemos se torna tão importante no presente… Sem esse tipo de trabalho, estamos contribuindo para a privação da autoria dos povos indígenas de sua história”.

“Claro, eles já sabiam muitas das coisas que ‘descobrimos’, mas ainda assim foi significativo poder reafirmar seu vínculo ancestral com aquele lugar”.

No final, Lulewicz disse que esta é a parte mais importante do paper. “Estamos escrevendo sobre vidas humanas reais – vidas indígenas que historicamente foram tratadas muito mal e que continuam a ser maltratadas hoje em alguns casos. Com o uso de datação por radiocarbono avançada e o desenvolvimento de cronologias com alta resolução, somos capazes para reintroduzir a vida de forma mais eficaz em narrativas do passado”.

Julio Batista

Julio Batista

Sou Julio Batista, de Praia Grande, São Paulo, nascido em Santos. Professor de História no Ensino Fundamental II. Auxiliar na tradução de artigos científicos para o português brasileiro e colaboro com a divulgação do site e da página no Facebook. Sou formado em História pela Universidade Católica de Santos e em roteiro especializado em Cinema, TV e WebTV e videoclipes pela TecnoPonta. Autodidata e livre pensador, amante das ciências, da filosofia e das artes.