Por Gustavo Romero
Publicado na Ciencia del Sur
Não são apenas as obras de arte que podem ser objetos de avaliação estética. Costumamos considerar como belo o rosto e o corpo humano, como também os animais, as paisagens e os edifícios. Mas, por que não as teorias científicas?
Quando dizemos que algo é belo, estamos emitindo um juízo de valor que trata de expressar ao menos duas coisas: que o objeto em questão tem causado em nós um certo tipo de experiência, chamada experiência estética, e que essa experiência nos é agradável.
Há uma grande variedade de experiências estéticas. Algumas são produzidas por sons, outras por imagens, ou até mesmo por meros pensamentos. A caracterização da experiência estética do ponto de vista da atividade de nosso cérebro é uma área de investigação ativa em neurociência.
Entre outras coisas, as investigações mostram que esse tipo de experiência depende não apenas do objeto externo, mas também fortemente do estado do sujeito, de sua educação, das condições ambientais, e muito mais.
Independentemente das investigações teóricas e experimentais sobre a origem do fenômeno estético, o crítico pode identificar um conjunto de propriedades em um objeto de uma certa classe, seja material ou conceitual, que parecem se correlacionar muito bem com o desencadeamento da experiência estética. Se o objeto é uma obra de arte, provavelmente está inscrito em uma tradição que já tem certas convenções em relação às quais a qualidade da obra é medida.
No caso de uma teoria científica, que é um objeto puramente conceitual não concebido originalmente como uma forma de arte, a atribuição de beleza pode ser mais controversa. Por exemplo, tenho conhecido pessoas que consideram a mecânica quântica como uma teoria bela. Outros a enxergam como insatisfatória, incômoda e esteticamente abominável (Albert Einstein está entre eles).
Ainda recordo da profunda sensação de beleza que senti que senti quando, pela primeira vez, cheguei a compreender a eletrodinâmica clássica em sua formulação covariante, por volta de 1986. Sempre sinto, desde então, que a eletrodinâmica é uma das mais belas teorias da física. Contudo, não são todos que sentem isso. Claro que estamos falando de quem chegou a entender cabalmente a teoria. Quem não a conhece será indiferente e não lhe atribuirá valor estético algum.
Quem chegou a vislumbrar, quem sabe em sua forma integral ou mesmo diferencial, mas não covariante, talvez tenha opiniões estéticas sobre a teoria, embora dificilmente coincidirá com as de quem a conhece em sua formulação mais completa e elegante.
De todas as teorias da física, há uma coincidência praticamente universal sobre a beleza da teoria da relatividade geral, conhecida, por vezes, apenas como Relatividade Geral (RG).
Por exemplo, Lev Landau e Egveny Lifshitz, em seu famoso Curso de Física Teórica, afirma que a RG é “a mais bela de todas as teorias da física”.
Lorentz, que foi um dos cientistas que mais influenciaram Einstein, manifestou que a teoria tinha o “maior grau de mérito estético”. Rutherford, por sua vez, afirmou que “a teoria da relatividade de Einstein, além de qualquer questão sobre sua validade, não pode mais ser considerada como uma magnífica obra de arte”, e Paul Dirac ponderou sua “beleza e elegância”.
O veredito parece ser unânime: todos que estudaram a teoria a fundo concordam que ela é uma das mais belas criações do ser humano. Confesso que concordo plenamente com semelhante declaração. Não há teoria mais bela.
Dito isso, de onde surge essa beleza? Quais são as propriedades de uma teoria que fazem com que ela tenha um valor estético além de científico?
Antes de responder, tratemos de esboçar brevemente o conteúdo dessa obra-prima do pensamento humano, que é a teoria da relatividade geral. Obviamente, uma avaliação estética requer um conhecimento profundo do objeto de apreciação. O que se segue são apenas uns apontes breves para dar um contexto ao leitor.
Uma teoria completa e vários anos de trabalho
Einstein completou a teoria da relatividade geral em 25 de novembro de 1915, quando encontrou equações fundamentais que hoje levam seu nome. Tinha trabalhado mais de 7 anos, mesmo com interrupções, êxitos parciais e passos em falso. Partiu de uma tentativa de generalizar sua teoria da relatividade especial para que fosse aplicada a qualquer tipo de sistema físico, incluindo aqueles que estão submetidos a acelerações.
A partir de sua formulação do princípio da equivalência, que expressa a identidade de um sistema uniformemente acelerado com um campo gravitacional constante, Einstein compreendeu que nova teoria seria também uma teoria da gravitação. Durante os anos que se passaram em Praga como professor da Universidade alemã, Einstein chegou a entender que na nova teoria o espaço físico não poderia ser descrito por uma geometria euclidiana, onde a soma dos ângulos interiores de um triângulo é de 180 graus.
A partir de 1913, quando voltou a Escola Politécnica de Zürich como professor, Einstein tratou de formular sua teoria por meio de uma descrição geométrica em quatro dimensões de espaço-tempo, entidade que tinha sido introduzida na física em 1908 por Hermann Minkowski.
O espaço-tempo de Minkowski é não euclidiano, mas é o mesmo em todos os pontos. O de Einstein interage com os objetos que formam o mundo e apresenta uma estrutura geométrica que muda com a distribuição de matéria. Em outras palavras, a curvatura do espaço-tempo depende diretamente da distribuição de energia e dos movimentos dos sistemas físicos. Não é independente do resto do mundo. A maior concentração de energia, maior curvatura.
A curvatura, por sua vez, determina o caminho mais curto entre dois pontos, o que em uma geometria geral (ou de Riemann) não tem necessariamente que ser uma reta.
As equações que Einstein descobriu em 1915 permitem determinar a curvatura do espaço-tempo se conhecermos a distribuição de energia e a quantidade de movimentos dos sistemas físicos. Logo, se verifica que as trajetórias mínimas no espaço-tempo curvo correspondem as que seguem os corpos na presença do que chamamos de gravitação.
A nova teoria é mais precisa que a de Newton para descrever esses efeitos e predizer outros novos.
Por exemplo, se admitimos que o espaço-tempo é uma entidade real, então se pode perturbar pelo movimento de objetos muito massivos quando são acelerados. O resultado é que essas perturbações são ondas de curvatura que se propagam a velocidade da luz mudando a forma em que se determinam as distâncias localmente.
Trata-se de uma “onda gravitacional”, descobertas quase 100 anos depois que Einstein previu sua existência.
A nova teoria não só tem um poder preditivo muito maior que a teoria de Newton, mas também elimina a ideia da gravidade como uma força da natureza e a repensa por um conceito preciso de espaço-tempo. Espaço, tempo e gravitação foram repensados por um espaço-tempo de geometria não euclidiana.
Por que uma teoria como essa causa um profundo sentimento estético em quem a compreende? Atrevo-me a sugerir que o que se produz no cérebro de quem entende a teoria é a valorização das seguintes características:
- Simplicidade: a partir de um sistema de só 10 equações diferenciais de segunda ordem não lineares, é possível, em princípio, calcular a evolução de qualquer sistema físico cuja energia-momentum seja especificada. Contrariamente as outras teorias, tanto as equações do movimento para a matéria como as leis de conservação podem ser obtidas das equações de Einstein. Isso faz que a teoria seja conceitualmente simples, embora, ao mesmo tempo, possa descrever processos extremamente complexos, devido à não linearidade das equações.
- Simetria: uma simetria é uma invariância frente a algum tipo de mudança. A RG tem o grupo de simetrias mais rico de toda a física: suas equações são invariantes frente às mudanças gerais de sistemas de referência. Isso é o que se expressa ao dizer que a teoria é “covariante geral”.
- Força de unificação: a teoria elimina a gravitação como campo e repensa pelo espaço-tempo. Três conceitos que denotam entidades diferentes na teoria de Newton (espaço, tempo e campo gravitacional) são repensados pelo conceito de espaço-tempo. A gravidade passa a ser simplesmente a manifestação empírica das mudanças de curvatura do espaço-tempo.
- Fundamentação: dentro da física clássica, a RG parece ser uma teoria absolutamente fundamental. Isto é, não pode ser obtida como o caso restante de outra, como acontece com a mecânica de Newton ou a termodinâmica.
- Beleza matemática: a teoria aplica uma ferramenta matemática (a geometria diferencial e o cálculo tensorial) que é notável por sua simplicidade e elegância. Ao usar 4 dimensões em vez de 3, permite tratar de forma igual todas suas variáveis (1 temporal e 3 espaciais).
- Poder explicativo: a teoria permite recuperar os resultados da teoria de Newton e predizer muitos outros, como o desvio do periélio dos planetas, o desvio para o vermelho da radiação na presença de objetos massivos, a deflexão da luz pelo Sol e outras estrelas, a lente gravitacional, as ondas gravitacionais e muito mais.
- Força lógica: a teoria pode ser deduzida de uns poucos postulados e não apresenta sérios problemas de interpretação, como é o caso, por exemplo, da mecânica quântica.
A presença de qualquer uma dessas características em uma teoria científica tende a produzir reações estéticas naqueles que podem apreciá-las. A conjunção de todas mostra a razão da RG ser considerada a mais bela das teorias.
Para terminar, acrescento um ponto assinalado pelo próprio Einstein, que escreveu: “Uma modificação da mesma [a RG] parece impossível sem a destruição do todo”. Esse é o atributo que os teólogos chamam de perfeição. Perfeito é aquilo que é diminuído pela mudança. Por qualquer mudança.
Por isso, para Tomás de Aquino, a imutabilidade é um atributo divino. Nos dias cinzentos de novembro de 1915, Albert Einstein parece ter intuído, para o nosso próprio bem, esse modo de divindade.