Por Emilio Lamo de Espinosa
Publicado no El País
23 de fevereiro de 2003
Há alguns dias, enviei um e-mail a Merton pedindo um prólogo para uma coleção de seus escritos em espanhol, que pretendíamos publicar em breve, e sua secretária me respondeu avisando de sua grave doença.
Então, não fiquei surpreso ao receber outro e-mail esta manhã anunciando o pior: após uma longa doença, o catedrático da sociologia mundial, Robert K. Merton, 93 anos, morreu no Sloan Memorial Kettering Center de Nova York, cidade onde viveu por mais de 50 anos.
Com sua morte, a sociologia mundial perdeu uma de suas figuras mais queridas, que, sem dúvida, teria recebido o Nobel se existisse em sociologia (paradoxalmente, seu filho, um economista conhecido, o recebeu).
Nascido em 1910, na Filadélfia, de uma humilde família de imigrantes judeus, Merton logo se muda de sua cidade natal para obter um bacharelado na Temple University e, posteriormente, para o programa de doutorado de Harvard, onde é treinado por Sarton, Sorokin, Henderson e Parsons, finalizando sua tese em 1936. Neste mesmo ano, ele publica, na primeira edição da American Sociological Review, um de seus artigos mais citados: Os efeitos não intencionais da ação intencional.
Após um breve período na Universidade de Tulane (Nova Orleans), ele entrou em Columbia University em 1940, onde conheceu outro imigrante, da Áustria, Paul Lazarsfeld. A colaboração de ambos no Bureau of Applied Social Research – do qual Merton foi diretor até 1971 – seria extraordinariamente frutífera no desenvolvimento da relação teoria-pesquisa.
O reconhecimento acadêmico chegou a Merton em 1949, a partir da publicação do livro Sociologia: Teoria e Estrutura (revisada em 1957 e, novamente, em 1968), que em breve será um clássico da sociologia, traduzido para 16 idiomas, reimpresso mais de 30 vezes e, provavelmente, o livro de sociologia mais citado do século XX, cuja leitura permanece enormemente enriquecedora. Ainda em 1998, este livro estava, juntamente com outros dois de Max Weber, entre os três mais influentes da sociologia no século XX.
Devido à sua riqueza e variedade, é difícil sintetizar as numerosas contribuições de Merton para os mais variados campos da sociologia.
Como renovador da teoria sociológica, Merton revisou em profundidade os postulados básicos do funcionalismo em sua teoria das funções latentes, das consequências não intencionais da ação e das profecias autorrealizáveis, um termo que já passou para a linguagem do senso comum.
Como metodologista e também frente a “grande teoria” parsoniana, “bêbado em sintaxe e cego à semântica” (a expressão é de C. Wright Mills), Merton defendeu teorias de médio alcance (middle-range), nas quais é mais viável colocar o discurso teórico em contato com a pesquisa empírica, uma proposta consistente em sua pesquisa, proposta à qual ele foi consistente em suas pesquisas.
Como sociólogo do desvio e da anomia, ele desenvolveu uma tipologia de cinco formas de adaptações desviantes, que tem sido e ainda é de extraordinária utilidade.
No campo da psicologia social, destacam-se sua contribuição para os grupos de referência e a teoria da privação relativa.
Merton também revisou profundamente a teoria da burocracia de Weber, destacando as consequências negativas do ritualismo.
Por fim, deve-se notar o campo que cultivou com maior constância, a sociologia do conhecimento e, sobretudo, a sociologia da ciência, área na qual (auxiliado por sua esposa Harriet Zuckerman), ele é considerado precursor, destacando sua tese de doutorado Ciência, tecnologia e sociedade na Inglaterra do século XVII (1938), na qual ele desenvolve uma hipótese weberiana sobre a influência do puritanismo nas origens da ciência moderna e sua visão normativa da instituição científica regulada por um ethos democrático, caracterizado pelo comunismo epistêmico, universalismo, desinteresse e ceticismo organizado, exposto em sua obra A ciência e a estrutura social democrática e desenvolvido em outros trabalhos (The sociology of science, 1979).
Autor de mais de 20 livros e 200 artigos, professor de inúmeros professores (entre outros, Juan José Linz), foi presidente da Associação Americana de Sociologia e doutor honorário em 20 universidades, incluindo a Universidade Complutense de Madrid.
Um homem de grande elegância pessoal, ótimo comunicador, erudito e culto, e raro entre os profissionais de ciências sociais, ele será lembrado como um dos pilares da sociologia no auge dos grandes clássicos.