Por Michael Shermer
Publicado na Scientific American
No final do século XX, as humanidades retrocederam para a desconstrução pós-moderna e a crença de que não há uma realidade objetiva a ser conhecida. Acreditar no progresso científico era motivo para ser chamado pejorativamente de “cientificista“. Em 1996, o físico Alan Sokal da Universidade de Nova York atacou essas pretensões com o seu agora famoso artigo “Transgredindo as Fronteiras: Em Direção a uma Hermenêutica Transformativa da Gravitação Quântica”, onde abusou de frases pós-modernas e tropos desconstrucionistas intercalados com o jargão científico, algo que posteriormente ele admitiu ser uma tolice sem sentido.
Posteriormente, acabei desistindo das humanidades, mas agora estou reconsiderando a minha posição depois de um encontro no mês passado com o professor de ciências humanas da Universidade de Amsterdã, Rens Bod, durante uma turnê europeia para a divulgação do livro The Moral Arc. Em nosso diálogo, Bod apontou que minha definição de ciência – um conjunto de métodos que descrevem e interpretam fenômenos observados ou inferidos, passados ou presentes, voltados para testar hipóteses e construir teorias – aplica-se a áreas de humanidades como a filologia, a história da arte, a musicologia, a linguística, a arqueologia, a historiografia e aos estudos literários.
Na verdade, eu tinha esquecido a história que ele contou do filólogo italiano Lorenzo Valla, que, em 1440, expôs o documento latino Donatio Constantini – A Doação de Constantino, que foi usado pela Igreja Católica para legitimar a ocupação de terras do Império Romano do Ocidente – como falso. “Valla usou evidências históricas, linguísticas e filológicas, incluindo o raciocínio contrafactual, para refutar o documento”, explicou Bod. “Uma das evidências mais fortes que ele encontrou foi lexical e gramatical: Valla encontrou palavras e construções no documento que não poderiam ter sido usadas por ninguém desde o tempo do Imperador Constantino I, no início do século IV da Era Comum. A palavra latina Feudum, por exemplo, refere-se ao sistema feudal. Mas isso foi uma invenção medieval, que não existia antes do século VII da Era Comum. Os métodos de Valla eram mesmos da ciência, Bod enfatizou: “Ele era cético, empírico, racional, desenhava hipóteses, usava um raciocínio muito abstrato (raciocínio contrafactual), usou os fenômenos textuais como evidência e lançou as bases de uma das teorias mais bem sucedidas: a filologia estemática, que pode derivar do texto original o arquétipo das cópias existentes (de fato, há pouco tempo, a análise de DNA acabou sendo baseada na filologia estemática)”.
Inspirado pela análise filológica da Bíblia feita por Valla, o humanista holandês Erasmus empregou essas mesmas técnicas empíricas para demonstrar que, por exemplo, o conceito de Trindade, antes do século XI, não aparece nas bíblias. Em 1606, o professor Joseph Justus Scaliger da Universidade de Leiden publicou uma reconstrução filológica das dinastias egípcias antigas, onde encontrou que a mais adiantada, datando por volta de 5285 Antes da Era Comum, antecede a cronologia da Bíblia para a criação do mundo por quase 1.300 anos. Isso fez com que estudiosos posteriores, tal como Baruch Spinoza, rejeitassem a Bíblia como um documento histórico confiável. “Assim, o raciocínio abstrato, a racionalidade, o empirismo e o ceticismo não são apenas virtudes da ciência”, concluiu Bod. “Todos eles foram inventados pelas humanidades”.
Por que essa distinção importa? Porque em um momento em que os estudantes e o financiamento estão fugindo dos departamentos de humanidades, o argumento de que eles são pelo menos bons para o “auto cultivo” perde o seu valor real, o que Bod tem articulado com força em seu recente livro A New History of Humanities (Oxford University Press, 2014). A conexão transdisciplinar entre as ciências e as humanidades é captada na palavra alemã Geisteswissenschaften, que significa “ciências humanas”. Este conceito engloba tudo o que os seres humanos fazem, incluindo as teorias científicas que geramos sobre o mundo natural. “Muitas vezes os estudiosos de humanidades acreditam que estão se movendo em direção à ciência quando usam métodos empíricos”, Bod refletiu. “Eles estão errados: os estudiosos de humanidades, ao usar métodos empíricos, estão retornando às suas raízes históricas nos studia humanitatis do século XV, quando foi inventada a abordagem empírica”.
Independente de qual bloco universitário os estudiosos habitam, todos estamos trabalhando para o mesmo objetivo, que é o de melhorar a nossa compreensão da verdadeira natureza das coisas, e esse é o caminho da ciência e das humanidades, uma scientia humanitatis.