Que sexo é bom, poucas pessoas discordam. Entretanto, na seara científica, qual a real função do sexo? Esse é o questionamento que vários cientistas vêm se fazendo há anos. Já em 1889, o biólogo alemão August Weisman notou que a função do sexo não poderia ser apenas a de permitir a multiplicação dos organismos, pois diversas espécies reproduzem-se sem recorrer ao sexo. Se pensarmos em termos fisiológicos, o sexo demanda um alto gasto energético (corte, dança nupcial, copulação), qual seria então a contraprestação para tal gasto energético?
A reprodução assexuada parece ser uma ótima maneira de um ser vivo passar seus genes à descendência, pois, nesse caso, os filhos são praticamente cópias idênticas dos pais. Muitos organismos se reproduzem dessa forma, as planárias (vermes de vida aquática) podem gerar novos indivíduos pela fissão do corpo, organismos unicelulares simplesmente dividem-se em dois, por um processo conhecidos como cissiparidade ou bipartição, muitos insetos, como os pulgões, passam parte do ano produzindo ovos que geram cópias genéticas do indivíduo que os produziu via partenogênese. Plantas merecem uma atenção especial na sua condição assexuada, pois, a dinâmica dos processos de reprodução e plasticidade no processo de diferenciação celular permite que uma única célula vegetal dê origem a um organismo multicelular completo.
Apesar das vantagens observadas na reprodução assexuada, sabe- se que a maioria das espécies conhecidas reproduz-se sexualmente misturando os genes maternos e paternos. Para que a reprodução sexuada seja possível, machos e fêmeas precisam produzir gametas (células reprodutivas) que em geral têm apenas metade dos genes que esses indivíduos possuem. A redução do número de cromossomos (de 2n para n) na produção de gametas ocorre através de um processo celular complexo, a meiose. A fusão dos gametas é a chamada fertilização, originando um indivíduo diplóide 2n na maioria dos seres complexos.
Durante essa fusão, os genes recebidos da mãe e do pai misturam-se em novas combinações, isso explica por que os filhos de um mesmo casal são sempre diferentes. De maneira simplificada, pode-se dizer que sexo é reprodução cruzada mais recombinação (crossing-over) aleatória dos cromossomos homólogos na meiose.
Diante da preferência evolutiva pela custosa reprodução sexuada, em 1980 foi proposta pelo evolucionista William D. Hamilton a hipótese da Rainha Vermelha, explicando de forma audaciosa a origem e a manutenção do sexo. Segundo ele os parasitas estão em toda parte e procuram sempre explorar seus hospedeiros com uma virulência específica que afeta apenas determinados genótipos. Como o tempo de geração dos parasitas é muitas vezes menor que o dos hospedeiros e sua adaptação evolutiva maior, a única saída para os hospedeiros é produzir filhos com genótipos diferentes através da reprodução sexuada.
Essa é uma das possíveis explicações para a reprodução sexuada como forma de aumentar a diversidade genética e dificultar a ação de parasitas, e das diferenças entre os sexos masculino e feminino, devido à competição pelas proporções sexuais na geração seguinte, além da chamada corrida armamentista evolutiva entre espécies competidoras. Do ponto de vista microevolutivo, cada indivíduo seria um experimento evolutivo resultante da mistura entre os genes do pai e da mãe. Com essa experimentação constante, a reprodução sexuada permite a uma espécie evoluir rapidamente, apenas para manter seu nicho ecológico já ocupado no ecossistema.
O nome “Rainha Vermelha” faz referência a uma passagem da fábula Alice no país dos espelhos, do inglês Lewis Carroll (1832-1898). Nessa passagem, Alice foge do exército de cartas de baralho da Rainha Vermelha, mas não consegue se distanciar de seus perseguidores. Nesse momento, é advertida pela Rainha Vermelha: “Aqui, veja, você precisa correr o máximo possível, para se manter no mesmo lugar”. Alice só seria pega se parasse de correr.
Conta a narrativa que Alice corre, corre, corre… E espanta-se por não ver mudança na paisagem. Na realidade, conforme lhe explica a Rainha Vermelha, num ambiente em rápida e constante mudança “É preciso correr o máximo possível, para permanecermos no mesmo local”. Assim, para se manterem no seu nicho ecológico, é necessário que as espécies evoluam com a mesma velocidade com que muda o meio biótico e abiótico, mantendo-se então adaptadas.
Esta “corrida armamentista genética” pode ser entendida da seguinte forma: já que cada melhoria em uma espécie resulta em uma vantagem seletiva, a variação poder resultar no aumento do valor adaptativo na espécie. Como diferentes espécies estão coevoluindo pela interação mútua, quaisquer melhorias em uma espécie representam uma possível vantagem competitiva em relação às demais. . A consequência dessa adaptação conjunta promove o aumento da adaptação de uma espécie em detrimento da adaptação de outra. Consequentemente, a única forma de uma espécie, que esteja sujeita a competição por recursos, manter sua aptidão em relação a espécies competidoras é pelo aumento da variabilidade genética da mesma.
Um bom exemplo deste fenômeno é a “corrida evolutiva” entre predadores e presas, na qual o único modo dos predadores compensarem melhorias nas defesas da presa (ex: coelhos correrem mais rápido) é desenvolver melhorias compensando nos seus ataques (como raposas mais rápidas ainda). Neste caso, podemos considerar que o aumento relativo de uma habilidade (de correr mais rápido) é também um aumento na sua adaptação para se manter no seu nicho ecológico.
A Hipótese da Rainha Vermelha, embora difícil de ser testada, especialmente no nível macroevolutivo, proporcionou fundamentação conceitual às discussões sobre corrida armamentista evolutiva, mostrando que em um sistema evolutivo é preciso haver um desenvolvimento contínuo para manter a aptidão relativa aos sistemas com o qual estão evoluindo. É necessário que as espécies coevoluam com a mesma velocidade com que muda o ambiente, apenas para se manterem adaptadas continuando sua linhagem.
Referências Bibliográficas
DARWIN, C. A origem do homem e a seleção sexual, Hemus,São Paulo,1974.
HAMILTON, W. W. ‘Heritable true fitness and bright birds: a role for parasites’, in Science, v. 218, p. 384, 1982.
RIDLEY, M. The red queen, Penguin Books, Londres, 1994