Por Mike McRae
Publicado na ScienceAlert
Se algum animal entende os horrores da guerra de trincheiras, esse animal é a toupeira. Diante de um inimigo, não há tempo para brincadeiras. Nenhum lugar para se esconder. A agressão é tudo o que vale.
Para ajudá-las a lutar neste mundo brutal, a evolução concedeu à toupeira fêmea uma generosa dose de ‘fúria por esteroides’, colocando alguns testículos em seus ovários – resultando em um pedaço único de anatomia chamado ovotestis.
Agora, os pesquisadores finalmente têm uma compreensão melhor de como essa mudança biológica fascinante aconteceu.
“O desenvolvimento sexual dos mamíferos é complexo, embora tenhamos uma ideia razoavelmente boa de como esse processo ocorre”, diz o geneticista Darío Lupiáñez, do Instituto Max Planck de Genética Molecular.
“A certa altura, o desenvolvimento sexual geralmente progride em uma direção ou outra, masculina ou feminina. Queríamos saber como a evolução modula essa sequência de eventos de desenvolvimento, possibilitando as características intersexuais que vemos nas toupeiras”.
Assim como o ovário mais típico dos mamíferos, os ovotestis nutrem e liberam óvulos para fertilização. Eles também têm um pedaço de tecido testicular preso de um lado.
Embora não seja capaz de produzir espermatozoides, ele possui o que são conhecidas como células de Leydig para produzir uma porção de andrógenos para o desenvolvimento do sistema reprodutor masculino e a masculinização fetal, ou hormônios sexuais masculinos.
Normalmente, o desenvolvimento do tecido testicular em mamíferos depende da presença de um gene no cromossomo Y para aumentar a produção de testosterona no início do desenvolvimento.
A falta de um cromossomo Y torna muito mais difícil para um embrião iniciar a cadeia de eventos que resulta na produção dos testículos. Então, como isso acontece nas toupeiras fêmeas, que têm dois cromossomos X em vez de um X e Y, têm sido um mistério há muito tempo.
Uma análise aprofundada de seus genomas agora revela como essa peculiaridade da natureza surgiu, de fato.
“Nós hipotetizamos que nas toupeiras não apenas há mudanças nos próprios genes, mas particularmente também nas regiões regulatórias pertencentes a esses genes”, diz o geneticista Stefan Mundlos do Instituto Max Planck de Genética Molecular.
Para testar isso, Mundlos e seus colegas empenharam em mapear a remodelação cromossômica que a toupeira ibérica (Talpa occidentalis) sofreu para modificar seus ovários em fábricas de testosterona.
Estamos falando não apenas de mapear a atividade do gene em diferentes regiões de seus órgãos sexuais, mas de um registro das edições epigenéticas em seu DNA e um exame de conjuntos de dados que descrevem como cromossomos inteiros das toupeiras mudaram estruturalmente.
Eles compararam seus resultados com os genomas de outros animais, bem como com as alterações genéticas específicas encontradas na toupeira-nariz-de-estrela americana (Condylura cristata), outra criatura com ovotestis.
O resultado é uma melhor compreensão de como o genoma da toupeira tem sido alterado ao longo do tempo para fornecer uma dose perfeitamente sincronizada de fatores regulatórios de crescimento.
Especificamente, eles descobriram que uma região envolvida para o desenvolvimento testicular se inverte, adicionando um código extra a uma região que ativa o gene do fator de crescimento pró-testicular FGF9.
Eles também encontraram duas cópias extras de um gene que controla a síntese de andrógenos.
“A triplicação anexa sequências regulatórias adicionais ao gene – o que acaba levando a um aumento na produção de hormônios sexuais masculinos nos ovotestis das toupeiras femininas, especialmente a maior produção de testosterona”, disse a autora principal, Francisca Martinez Real, do Instituto de Genética Médica e Genética Humana Na Alemanha.
Testar essas mudanças em camundongos transgênicos resultou em fêmeas com quantidades semelhantes de andrógenos da dos machos, sustentando a hipótese dos pesquisadores de que mudanças genômicas em grande escala seriam responsáveis pelo aumento da testosterona.
“Nossas descobertas são um bom exemplo da importância da organização tridimensional do genoma para a evolução”, diz Lupiáñez.
“A natureza faz uso da caixa de ferramentas existente dos genes de desenvolvimento e meramente os reorganiza para criar uma característica como a intersexualidade. No processo, outros sistemas de órgãos e desenvolvimento não são afetados”.
Para a toupeira fêmea, a evolução do intersexo tem sido uma fórmula vencedora de sobrevivência.
Longe de serem aberrações, a intersexualidade em todo o reino animal é um lembrete constante de que a natureza simplesmente não dá a mínima para os limites claros entre masculino e feminino.
Esta pesquisa foi publicada na Science.