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Traços de psicopatia ligados ao não cumprimento de normas e orientações de distanciamento social

Por Eric Dolan
Publicado na PsyPost

Uma nova pesquisa fornece algumas evidências iniciais de que certos traços antagônicos de personalidade estão associados à rejeição de medidas preventivas destinadas a impedir a propagação do novo coronavírus SARS-CoV-2. O estudo foi revisado por pares e aceito para publicação na revista Social Psychology and Personality Science e, atualmente, está disponível em formato de pré-impressão no repositório PsyArXiv.

“Em 31 de março de 2020, a Dra. Deborah Birx, coordenadora da Força-Tarefa de Coronavírus do governo dos EUA, disse: ‘Não há bala mágica. Não há vacina ou terapia mágicas. Há apenas comportamentos. Cada um de nossos comportamentos refletirá em algo para a mudança de curso dessa pandemia viral nos próximos 30 dias’. Minha experiência como cientista comportamental e psicólogo praticante me convenceu de que a importância da psicologia e do comportamento na prevenção e gestão em uma enorme variedade de problemas de saúde é enorme”, disse o autor do estudo, Pavel S. Blagov, professor associado e diretor do Laboratório de Personalidade da Whitman College.

“Isso inclui personalidade ou o estudo que trata de maneiras importantes pelas quais as pessoas se diferem. A partir de relatos na mídia desde o início da pandemia da COVID-19, ficou claro que algumas pessoas estavam rejeitando conselhos para distanciarem-se socialmente e engajarem-se em maior higiene. Podem haver muitas razões para isso, e penso que a personalidade pode ter pelo menos um pequeno papel nela”.

“Eu sabia que os traços da chamada Tríade Negra (narcisismo, maquiavelismo e psicopatia), bem como os incluídos na psicopatia, estão ligados a comportamentos de risco e problemas de saúde, e eu esperava que eles estivessem envolvidos em comportamentos de saúde durante o período de pandemia. Também há pesquisas anteriores sugerindo que pessoas com altos traços da Tríade Negra podem conscientemente e até deliberadamente colocar em risco a saúde de outras pessoas, por exemplo, envolvendo-se em comportamentos sexuais de risco, e não informando seu parceiro sobre ter HIV ou DSTs”, disse Blagov ao PsyPost.

“No início da pandemia e nos meses subsequentes, houve inúmeros relatos de indivíduos propositadamente tossindo, cuspindo ou até lambendo maçanetas em público, como forma de intimidar outras pessoas ou rebelar-se contra as emergentes normas sociais de distanciamento e higiene. Fiquei curioso para saber se a Tríade Negra e os traços relacionados à psicopatia podem ajudar a explicar esse comportamento”.

O pesquisador utilizou o Mechanical Turk da Amazon para pesquisar 502 adultos nos EUA entre 20 e 23 de março de 2020. A pesquisa realizada online perguntou aos participantes quantas vezes eles cumpriam as recomendações de saúde para impedirem a propagação do novo coronavírus, se planejavam adotá-las e como comportar-se-iam caso fossem infectados. A pesquisa também incluiu várias avaliações de personalidade.

“O estudo ocorreu antes dos comportamentos de saúde relacionados à pandemia tornarem-se extremamente politizados nos EUA e quando as pessoas ainda estavam aprendendo sobre a situação em rápida evolução”, observou Blagov.

A maioria dos participantes, segundo o pesquisador, cumpria as recomendações de saúde dos Centros de Controle de Doenças dos EUA e da Organização Mundial de Saúde.

“Foi encorajador descobrir que as pessoas que participaram do meu estudo geralmente relataram a adoção ao distanciamento social e higiene, planejando permanecerem com essas medidas e estarem dispostas a fazer o que fosse necessário para proteger a saúde de entes queridos, conhecidos e estranhos”, disse Blagov.

No entanto, alguns participantes relataram não seguir o conselho, o que contribuiu para que os pesquisadores descobrissem a ligação entre vários traços de personalidade.

Blagov descobriu que níveis mais baixos de agradabilidade e consciência estavam associados a uma probabilidade reduzida de adoção de recomendações de saúde relacionadas ao distanciamento social e à higiene. Em outras palavras, pessoas menos solidárias/cooperativas e pessoas menos responsáveis/organizadas eram menos propensas a adotarem medidas preventivas.

Além disso, as pessoas que obtiveram pontuações mais altas nos subtraços psicopáticos de egoísmo e desinibição tendem a mostrarem menos interesse em distanciamento social e higiene. O egoísmo e a desinibição também previram o endosso de comportamentos que colocam outras pessoas em risco de infecção, como tocar ou espirrar em superfícies de alto uso em público. A desinibição reflete um controle inadequado dos impulsos, enquanto o egoísmo descreve a falta de consideração pelos outros.

“As pessoas que pontuaram alto nessas características tendiam a afirmar que se tivessem a COVID-19, poderiam expor-se conscientemente ou deliberadamente a outras pessoas”, disse Blagov ao PsyPost.

“Uma implicação potencial desta pesquisa é que pode haver uma minoria de pessoas com estilos de personalidade específicos (no espectro do narcisismo e da psicopatia) que têm um impacto desproporcional na pandemia por não protegerem a si e aos outros”.

Como todas as pesquisas, o estudo inclui algumas ressalvas.

“As limitações do estudo incluíram o uso de uma amostra não randomizada e não probabilística de apenas adultos dos EUA, medidas de características abreviadas e medidas de comportamentos de saúde recentemente testadas e não testadas. Um provável efeito não intencional disso pode estar subestimando a força das correlações traço-comportamento. Os resultados não significam que a doença viral seja disseminada apenas por pessoas irresponsáveis ou imprudentes. As correlações costumam ser pequenas e as definições científicas de traços não são julgamentos cotidianos sobre caráter”, explicou Blagov.

“Pesquisas futuras devem analisar comportamentos de saúde reais (não relatados) e se tais mostram vínculos semelhantes com a personalidade (provavelmente sim). A pesquisa também deve testar mais maneiras de estruturar conselhos de saúde pública para encontrar mensagens que possam funcionar para os indivíduos mais antagônicos entre nós. Finalmente, seria importante estudar os mecanismos por trás das ligações traço-comportamento”.