Por Michelle Starr
Publicado na ScienceAlert
Às 5h29 da manhã (2h29 no horário de Brasília) de 16 de julho de 1945, no estado estadunidense do Novo México, uma período terrível da história se iniciou.
A calmaria do amanhecer foi interrompida quando o Exército dos Estados Unidos detonou um dispositivo de implosão de plutônio conhecido como Gadget – o primeiro teste mundial de uma bomba nuclear, conhecido como Experiência Trinity. Este momento mudaria a guerra para sempre.
A liberação de energia, equivalente a 21 quilotons de TNT, vaporizou a torre de teste de 30 metros e quilômetros de fios de cobre conectando-a ao equipamento de gravação. A bola de fogo resultante fundiu a torre e o cobre com o asfalto e areia do deserto em um pedaço de vidro verde – um novo mineral chamado trinitita.
Décadas depois, cientistas descobriram um segredo escondido em um pedaço dessa trinitita – uma forma rara de matéria conhecida como quasicristal, antes considerada impossível.
“Os quasicristais são formados em ambientes extremos que raramente existem na Terra”, explicou o geofísico Terry Wallace, do Laboratório Nacional de Los Alamos.
“Eles exigem um evento traumático com choque, temperatura e pressão extremos. Normalmente não vemos isso, exceto em algo tão dramático como uma explosão nuclear”.
A maioria dos cristais, do humilde sal de cozinha aos diamantes mais resistentes, obedece à mesma regra: seus átomos estão dispostos em uma estrutura de rede que se repete no espaço tridimensional. Os quasicristais quebram essa regra – o padrão no qual seus átomos estão organizados não se repete.
Quando o conceito surgiu no mundo científico em 1984, isso era considerado impossível: os cristais eram ordenados ou desordenados, sem nenhum meio-termo. Em seguida, eles foram realmente encontrados, criados em ambientes de laboratório e na natureza – dentro de meteoritos, forjados por choque termodinâmico de eventos como um impacto de hipervelocidade.
Sabendo que condições extremas são necessárias para produzir quasicristais, uma equipe de cientistas liderada pelo geólogo Luca Bindi, da Universidade de Florença, na Itália, decidiu examinar mais de perto a trinitita.
Mas não o material verde. Embora sejam incomuns, vimos quasicristais suficientes para saber que eles tendem a incorporar metais, então a equipe foi à procura de uma forma muito mais rara do mineral – a trinitita vermelha, devido à sua tonalidade pelos fios de cobre vaporizados incorporados nele.
Usando técnicas como microscopia eletrônica de varredura e difração de raios-X, eles analisaram seis pequenas amostras de trinitita vermelha. Finalmente, eles conseguiram um resultado de uma das amostras – um minúsculo grão de 20 lados de silício, cobre, cálcio e ferro, com uma simetria rotacional quíntupla impossível em cristais convencionais – uma “consequência não intencional” da guerra.
“Este quasicristal é magnífico em sua complexidade – mas ninguém pode ainda nos dizer por que foi formado dessa forma”, disse Wallace.
“Mas, algum dia, um cientista ou engenheiro descobrirá isso, veremos as coisas de forma mais clara e teremos uma explicação termodinâmica para sua criação. Então, espero, poderemos usar esse conhecimento para entender melhor as explosões nucleares e em última análise, levar a um quadro mais completo do que um teste nuclear representa”.
Esta descoberta representa o mais antigo quasicristal antropogênico conhecido e sugere que pode haver outras vias naturais para a formação de quasicristais. Por exemplo, os fulguritos de areia derretida forjados por quedas de raios e o material de locais de impacto de meteoros podem ser uma fonte de quasicristais na natureza.
A pesquisa também pode nos ajudar a entender melhor os testes nucleares ilícitos, com o eventual objetivo de conter a proliferação de armamentos nucleares, disseram os pesquisadores. Estudar os minerais forjados em outros locais de testes nucleares pode revelar mais quasicristais, cujas propriedades termodinâmicas podem ser uma ferramenta para a perícia nuclear.
“Entender as armas nucleares de outros países exige que tenhamos um entendimento claro de seus programas de testes nucleares”, disse Wallace.
“Normalmente analisamos detritos e gases radioativos para entender como as armas foram construídas ou quais materiais elas continham, mas esses sinais se deterioram. Um quasicristal que é formado no local de uma explosão nuclear pode potencialmente nos dizer novos tipos de informação – e eles existirão para sempre”.
A pesquisa foi publicada no PNAS.