Traduzido por Julio Batista
Original de Daniel Lawler (AFP) para a ScienceAlert
Pesquisadores da AIDS anunciaram na quarta-feira que uma quarta pessoa foi “curada” do HIV, mas o procedimento perigoso para pacientes que também lutam contra o câncer pode ser pouco reconfortante para as dezenas de milhões de pessoas que vivem com o vírus em todo o mundo.
O homem de 66 anos, chamado de paciente da “Cidade da Esperança” em homenagem ao centro californiano da City of Hope onde foi tratado, foi declarado em remissão antes da Conferência Internacional de AIDS, que começa em Montreal, Canadá, na sexta-feira.
Ele é a segunda pessoa a ser anunciada curada este ano, depois que pesquisadores disseram em fevereiro que uma mulher estadunidense apelidada de paciente de Nova York também havia entrado em remissão.
O paciente da City of Hope, como os pacientes de Berlim e Londres antes dele, alcançou remissão duradoura do vírus após um transplante de medula óssea para tratar o câncer.
Outro homem, o paciente de Duesseldorf, também teria atingido a remissão, potencialmente elevando o número de curados para cinco.
Jana Dickter, especialista em doenças infecciosas da City of Hope, disse à AFP que, como o paciente mais recente é o mais velho a atingir a remissão, seu sucesso pode ser promissor para portadores de HIV mais velhos que também têm câncer.
Dickter é o principal autor da pesquisa sobre o paciente que foi anunciada em uma pré-conferência em Montreal, mas não foi revisada por pares.
‘Estou mais que grato’
“Quando fui diagnosticado com HIV em 1988, como muitos outros, pensei que era uma sentença de morte”, disse o paciente, que não quer ser identificado.
“Eu nunca pensei que viveria para ver o dia em que eu não tivesse mais HIV”, disse ele em um comunicado da City of Hope. “Estou mais do que grato.”
Dickter disse que o paciente contou a ela sobre o estigma que experimentou durante os primeiros dias da epidemia de AIDS nos anos 80.
“Ele viu muitos de seus amigos e entes queridos ficarem muito doentes e, finalmente, sucumbirem à doença”, disse ela.
Ele teve AIDS diagnosticada por um tempo, disse ela, mas fazia parte dos primeiros testes de terapia antirretroviral, que agora permite que muitos dos 38 milhões de pessoas com HIV em todo o mundo vivam com o vírus.
Ele contraiu HIV há 31 anos, mais do que qualquer paciente anterior que entrou em remissão.
Após ser diagnosticado com leucemia, em 2019 ele recebeu um transplante de medula óssea com células-tronco de um doador não aparentado com uma mutação rara na qual há uma ausência do gene CCR5, tornando as pessoas resistentes ao HIV.
Ele esperou até ser vacinado para a COVID-19 em março de 2021 para parar de tomar antirretrovirais e está em remissão do HIV e do câncer desde então.
A quimioterapia de intensidade reduzida funcionou para o paciente, potencialmente permitindo que pacientes com HIV mais velhos com câncer recebessem o tratamento, disse Dickter.
Mas é um procedimento complexo com efeitos colaterais graves e “não é uma opção adequada para a maioria das pessoas com HIV”, acrescentou.
Steven Deeks, especialista em HIV da Universidade da Califórnia, em São Francisco (EUA), que não esteve envolvido na pesquisa, disse que a “primeira coisa que você faz em um transplante de medula óssea é destruir seu próprio sistema imunológico temporariamente”.
“Você nunca faria isso se não tivesse câncer”, disse ele à AFP.
‘Santo Graal’
Também foi anunciada na conferência sobre AIDS uma pesquisa sobre uma mulher espanhola de 59 anos com HIV que manteve uma carga viral indetectável por 15 anos, apesar de interromper a terapia antirretroviral.
Sharon Lewin, presidente eleita da Sociedade Internacional de AIDS, que convocou a conferência, disse que não era exatamente o mesmo que o paciente da City of Hope, porque o vírus permaneceu em um nível muito baixo.
“A cura continua sendo o Santo Graal da pesquisa do HIV”, disse Lewin.
“Já vimos um punhado de casos de cura individual antes e os dois apresentados hoje fornecem esperança contínua para pessoas que vivem com HIV e inspiração para a comunidade científica”.
Ela também apontou para um “desenvolvimento verdadeiramente emocionante” para identificar o HIV em uma célula individual, que é “um pouco como encontrar uma agulha no palheiro”.
Deeks, autor da nova pesquisa também apresentada na conferência, disse que foi um “mergulho profundo sem precedentes na biologia da célula infectada”.
Os pesquisadores identificaram que uma célula com HIV tem várias características particulares.
Ela pode proliferar melhor do que a maioria, é difícil de matar e é resistente e difícil de detectar, disse Deeks.
“É por isso que o HIV é uma infecção que se estende ao longo da vida.”
Mas ele disse que casos como o do paciente de City of Hope ofereceram um plano potencial para uma cura mais amplamente disponível, possivelmente usando a tecnologia de edição de genes CRISPR.
“Eu acho que se você pode se livrar do HIV, e se livrar do CCR5, a porta pela qual o HIV entra, então você pode curar alguém”, disse Deeks.
“É teoricamente possível – ainda não chegamos lá – dar a alguém uma injeção no braço que fornecerá uma enzima que entrará nas células e eliminará o CCR5 e o vírus.
“Mas isso é ficção científica por enquanto.”
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