Em vista da polêmica federal recente, ofereço dois conjuntos de evidências dos benefícios a longo-prazo da filosofia. Veremos porquê vale a pena financiar, a preço de banana, gente inteligente que quer dedicar a vida toda a compreender melhor a realidade e a moralidade.
1. Evidências indiretas: A filosofia está integrada na cultura intelectual de países na liderança em inovação científica, tecnológica, moral, e institucional. Líderes históricos em ciência, moralidade, e política comumente estudaram e promoveram a filosofia. A pessoa leitora certamente será capaz de trazer exemplos à mente.
Além disso, a filosofia é academicamente forte nos EUA e na Europa. Departamentos fortes em filosofia existem até mesmo em institutos técnicos e orientados a aplicações como o americano Massachussetts Institute of Technology (MIT), a inglesa London School of Economics (LSE), a alemã Ludwig Maximilian University of Munich (LMU), e o francês Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS).
Toda essa gente nada incompetente viu algo de interessante no que filósofos tem a oferecer. Por que arriscar fazer algo diferente do que deu certo no mundo desenvolvido, visto que o preço da filosofia é baixo? Eis o preço da filosofia acadêmica: bolsas pequenas, salas pequenas, algumas viagens de avião, livros, e salários… sem instrumentos experimentais, assistentes laboratoriais, ou substâncias e animais caros.
O fato de estarmos em crise não justifica cortar o pouco financiamento que a filosofia ainda tem. Além de já ser pouco, estrangular financeiramente a filosofia agora demolirá o know-how de ensino e pesquisa já estabelecido. Espalhados Brasil a fora, temos grupos de lógica, filosofia da ciência, ética, história da filosofia, e filosofia política bem estabelecidos e contando com pesquisadores internacionais. Teríamos que começar do zero quando acabasse o estrangulamento. O malefício é grande demais.
2. Evidências diretas: Logo de cara, já é muito plausível que seja bom ter alguém pensando sobre questões gerais. Ninguém faz isso com tanta intensidade e habilidade quanto filósofos. Abaixo, ofereço três casos concretos em que a filosofia é muito útil.
a) Ética. A filosofia estuda a ética na medicina, no direito, no jornalismo, na conduta pessoal, e na experimentação animal, dentre várias outras áreas. É preciso formar profissionais capazes de ensinar ética e participar de comissões de ética. Também é preciso fazer pesquisa em ética. Inovar, pensar fora da caixa, encontrar argumentos melhores, fazer análises mais profundas. Parar para se perguntar quais valores e instituições devem ser reformadas ou preservadas. Os benefícios de financiar pesquisadores em ética é óbvio. Chegamos aonde chegamos, moralmente falando, porque havia gente com tempo livre para pensar sobre esse tipo de coisa.
b) Lógica. Por incrível que pareça, o raciocínio filosófico rigoroso auxilia e motiva a criação de métodos em lógica e computação. De fato, os maiores lógicos e cientistas da computação do século 20 tinham grande temperamento filosófico. Alguns exemplos incluem Hilbert e Russell na matemática, Turing e Wiener na computação, Simon e von Neumann na teoria da estratégia, Minsky e Gärdenfors na inteligência artificial, e Tarski, Carnap, Ruth Barcan, e Montague na semântica formal. Pesquisas mais novas em redes neurais e machine learning continuam se beneficiando de raciocínio filosófico sobre a mente.
c) Ciência. O raciocínio filosófico rigoroso auxilia na ciência. Antes que cientistas possam fazer perguntas concretas e testá-las experimentalmente, é preciso fazer as perguntas certas. É preciso sair de caixas de pensamento equivocadas. Filósofos da ciência justamente ajudam cientistas a fazerem as perguntas certas. Exemplos de líderes científicos com muito trabalho filosófico incluem Fisher e Jaynes na estatística, Mach e Einstein na física, Sobel e Maynard Smith na biologia, Frege, Jackendoff, e Chomsky na linguística, e Putnam, Fodor, Churchland, e Pylyshyn na psicologia.
Um bom material de leitura neste tema é o seguinte artigo de cientistas e filósofos que oferecem casos concretos de aplicação da filosofia na ciência, publicado na Proceedings of the National Academy of Sciences (EUA): Why Science Needs Philosophy.