Por Nicoletta Lanese
Publicado na Live Science
Cientistas descobriram restos de uma cultura da Idade da Pedra Antiga, a menos de 160 quilômetros a oeste de Pequim, onde os hominídeos antigos usavam um pigmento avermelhado chamado ocre e criavam pequenas ferramentas semelhantes a lâminas de pedra.
O sítio arqueológico, chamado Xiamabei, oferece um raro vislumbre da vida do Homo sapiens e parentes humanos extintos que habitaram a região há cerca de 40.000 anos.
O local recém-escavado fica na Bacia de Nihewan, uma depressão em uma região montanhosa do norte da China. A equipe de escavação encontrou evidências da cultura a cerca de 2,5 metros de profundidade, quando avistaram uma camada de sedimentos escuros e lodosos que datava entre 41.000 e 39.000 anos atrás, com base em datação por radiocarbono e outras análises.
Este sedimento da Idade da Pedra continha um tesouro de artefatos e restos de animais, incluindo mais de 430 ossos de mamíferos; uma fogueira; evidência física de uso e processamento de ocre; uma ferramenta feita de osso; e mais de 380 líticos miniaturizados, ou pequenas ferramentas e artefatos feitos de pedra lascada ou moída.
“Os restos pareciam estar em seus locais originais depois que o local foi abandonado pelos moradores”, disse a coautora Shixia Yang, pesquisadora da Academia Chinesa de Ciências e do Instituto Max Planck para a Ciência da História Humana, à Live Science por e-mail. “Com base nisso, podemos revelar uma imagem vívida de como as pessoas viviam 40.000 anos atrás na Ásia Oriental”.
Identificar uma camada de sedimentos de 40.000 anos repleta de tais artefatos foi “uma surpresa”, disse o coautor sênior Francesco d’Errico, diretor de pesquisa do CNRS na Universidade de Bordeaux e professor da Universidade de Bergen, à Live Science por e-mail.
Notavelmente, “esta é a oficina para uso de ocre mais antiga conhecida no leste da Ásia”, e a coleção de pequenas ferramentas de pedra sugere que os fabricantes provavelmente produziram e usaram kits de ferramentas especializados, disse ele.
Yang, d’Errico e seus colegas publicaram um relatório sobre o local e os artefatos na revista Nature.
A evidência do processamento de ocre em Xiamabei inclui duas peças de ocre com composições minerais ligeiramente diferentes, bem como uma placa de calcário alongada com áreas alisadas manchadas em um pigmento carmesim. A equipe encontrou esses artefatos próximos uns dos outros, sobre uma área de sedimentos avermelhados.
“Não acho que alguém deveria achar chocante que os habitantes do que hoje é o norte da China [40.000 anos atrás] estivessem coletando e usando ocre”, já que, em geral, os humanos e seus parentes já usavam o pigmento há muitos anos nesse ponto, disse Andrew M. Zipkin, professor adjunto da Faculdade de Evolução Humana e Mudança Social da Universidade Estadual do Arizona e cientista associado do EAG Laboratories da Eurofins, que não esteve envolvido no estudo.
“Os artefatos de ocre neste estudo são bastante limitados em número, mas eu ficaria animado para ver o trabalho de acompanhamento deles que busca identificar onde o ocre foi coletado”, disse Zipkin à Live Science em um e-mail.
Em relação ao novo estudo, “para mim, o importante aqui não é o ocre em si, mas sua presença como parte de um conjunto de tecnologias e comportamentos”, disse ele.
A primeira peça de ocre encontrada no local apresentava sinais de ter sido “repetidamente desgastada para produzir um pó ocre vermelho escuro brilhante”, relataram os autores; o segundo pedaço menor de ocre tinha uma textura mais quebradiça, em comparação, e provavelmente se originou de um pedaço maior de ocre que havia sido esmagado.
Uma análise liderada por d’Errico revelou que os diferentes tipos de ocre foram triturados e raspados em pós de consistência variável.
Outra análise mostrou que o sedimento avermelhado encontrado próximo ao ocre continha fragmentos rochosos ricos em hematita, mineral que contém ferro oxidado e dá ao ocre vermelho sua tonalidade distinta.
(Outros tipos de ocre, incluindo o ocre amarelo e a chamada especularita, um pigmento roxo-avermelhado brilhante, têm composições minerais ligeiramente diferentes, de acordo com o Discover.)
Com base nas evidências disponíveis, no entanto, eles não conseguiram determinar exatamente como o pigmento foi usado. O ocre pode ser usado em adesivos, por exemplo, ou em “aplicações simbólicas”, como pintura de arte rupestre ou tinta aplicada ao corpo como decoração cosmética e protetor solar, disse Zipkin.
“Distinguir entre usos simbólicos e funcionais do ocre no registro da cultura material é um desafio contínuo para os arqueólogos pré-históricos”, observou ele.
Vestígios de ocre apareceram em várias ferramentas de pedra no local, e a natureza dessas ferramentas sugeriu que o pigmento pode ter sido usado como um aditivo usado no processamento de couro e como ingrediente em um adesivo para o processo de “hafting” – ou seja, uma substância pegajosa usada para afixar alças e cabos em ferramentas de pedra.
Esta evidência não nega a possibilidade de que o pigmento também possa ter sido usado simbolicamente, disse Zipkin.
Arqueólogos descobriram evidências de processamento de ocre na África e na Europa, em menor grau, que remonta a cerca de 300.000 anos atrás, e há evidências de uso de ocre na Austrália começando cerca de 50.000 anos atrás, disse d’Errico à Live Science.
Mas antes da escavação de Xiamabei, “as evidências do uso de ocre na Ásia antes [de 28.000 anos atrás] eram, no entanto, muito escassas”, disse ele.
Com base em padrões de desgaste e resíduos remanescentes de líticos passados pelo processo de “hafting” encontrados no local, a equipe determinou que esses artefatos provavelmente foram usados para vários propósitos, incluindo perfurar materiais, raspar couro, talhar material vegetal e cortar matéria animal macia.
Da mesma forma, os líticos sem o “hafting” provavelmente serviram para vários propósitos, como perfurar materiais duros e cortar materiais mais macios.
“Estamos, portanto, diante de um sistema técnico complexo que explora diferentes matérias-primas para criar ferramentas portáteis altamente eficazes, usadas em uma variedade de atividades”, disse d’Errico.
Pequenas lâminas de pedra conhecidas como microlâminas tornaram-se amplamente utilizadas no nordeste da Ásia no final da era do Pleistoceno (2,6 milhões a 11.700 anos atrás), disse Yang; especificamente, a tecnologia começou a se espalhar por toda a região há cerca de 29.000 anos, observaram os autores em seu relatório.
Os líticos de Xiambai não são microlâminas, mas mostram características semelhantes às pequenas ferramentas de pedra, o que leva Yang a se perguntar se esses objetos representam a “raiz” da tecnologia de microlâminas posterior, disse ela.
O estudo levanta outra grande questão: quais hominídeos arcaicos realmente ocuparam Xiamabei há 40.000 anos? Algumas pistas apontam para humanos modernos, mas os autores não podem ter certeza de que parentes humanos – ou seja, neandertais e denisovanos – não estavam presentes no local.
“Não podemos ter certeza de que o Homo sapiens ocupou Xiamabei, devido à falta de fósseis humanos no local”, disse Yang à Live Science.
Dito isto, fósseis humanos modernos foram encontrados em um local mais jovem chamado Tianyuandong, que fica a cerca de 110 km de distância, bem como em outro local na região chamado Caverna Superior de Zhoukoudian, disse ela. Esses fósseis próximos sugerem que os hominídeos que processaram ocre, fabricaram ferramentas e visitaram Xiamabei também podem ter sido H. sapiens.
“Não podemos, no entanto, desconsiderar totalmente a possibilidade de que outros ancestrais humanos intimamente relacionados ainda não estivessem presentes nas vastas paisagens do norte da Ásia, pois está claro que grupos anteriores de Homo sapiens estavam acasalando e cruzando com neandertais e denisovanos”, disse Yang.
Além disso, como os neandertais também usavam ocre, a evidência do uso do ocre não oferece nenhuma pista sobre quais hominídeos estavam presentes no local, disse Zipkin.
“Mais escavações planejadas em Xiamabei nos ajudarão a entender melhor nossa história evolutiva”, disse Yang.