Traduzido por Julio Batista
Original de Michelle Starr para o ScienceAlert
Mais uma vez, a vida foi encontrada em um ambiente que seria profundamente inóspito para a maioria dos organismos que vivem neste planeta.
Alimentada por águas que passam por 600 metros de pergelissolo, a nascente Lost Hammer Spring (Nascente do Martelo Perdido, na tradução livre), de temperaturas abaixo de zero e praticamente sem oxigênio no Ártico canadense é um dos lugares mais inóspitos da Terra. Mesmo aqui, porém, a vida encontra um caminho.
Cientistas encontraram micróbios prosperando na água salgada que escoa das profundezas do pergelissolo – e isso pode oferecer uma pista para a vida microbiana extraterrestre que pode ser encontrada (se houver) em Europa, Encélado ou Marte.
A vida em ambientes extraterrestres será difícil de encontrar. Os cientistas acham que uma de nossas melhores apostas pode ser ambientes que batem o máximo possível com aqueles nos mundos mais propensos a abrigar vida.
Mundos oceânicos como a lua Europa de Júpiter e a lua Encélado de Saturno podem não parecer ter muito em comum com um mundo desértico como Marte, mas existem algumas características que podemos arriscar um palpite bastante decente.
Evidências sugerem que oceanos extremamente frios e salgados podem se esconder sob as camadas de gelo de Europa e Encélado. Marte também pode ter lagos salgados líquidos mantidos abaixo de sua superfície. Esses ambientes são provavelmente hipersalinos. Como os sais diminuem o ponto de congelamento da água, eles provavelmente também estão abaixo de zero. E é mais do que possível que eles sejam extremamente pobres em oxigênio.
Não muito tempo atrás, os cientistas encontraram evidências de que pode haver lagos hipersalinos sob a calota polar sul de Marte. Embora essa descoberta ainda seja um tópico de debate acalorado, se houver lagos lá, Lost Hammer Spring está bem próximo do que achamos que eles podem ser.
Das profundezas do pergelissolo, água com menos de uma parte por milhão de oxigênio dissolvido, cerca de 24% de salinidade e temperaturas em torno de 5 graus Celsius negativos escoa até a superfície. Imagine tentar viver nisso. Você não conseguiria, não sem ajuda significativa.
Mas micróbios foram encontrados vivendo em alguns lugares bem loucos. Dada a sua semelhança com os lagos talvez em Marte, a microbiologista Elisse Magnuson, da Universidade McGill, no Canadá, e seus colegas queriam ver se Lost Hammer Spring poderia ser um deles. Embora não fosse fácil.
“Demorou alguns anos trabalhando com o sedimento antes que pudéssemos detectar com sucesso comunidades microbianas ativas”, explicou Magnuson.
“A salinidade do ambiente interfere tanto na extração quanto no sequenciamento dos micróbios, então, quando conseguimos encontrar evidências de comunidades microbianas ativas, foi uma experiência muito satisfatória”.
O próximo passo foi caracterizar de forma aproximada a comunidade microbiana. Para isso, a equipe sequenciou fragmentos de material genético encontrados em suas amostras, classificando-os em dezenas de micróbios pertencentes a vários filos microbianos conhecidos.
A maioria dos micróbios que eles encontraram eram inteiramente novos para a ciência e tinham adaptações específicas para permitir que eles não apenas vivessem, mas prosperassem em um lugar como Lost Hammer Spring.
“Os micróbios que encontramos e descrevemos em Lost Hammer Spring são surpreendentes, porque, ao contrário de outros microrganismos, eles não dependem de material orgânico ou oxigênio para viver”, disse o microbiologista Lyle Whyte, da Universidade McGill.
“Em vez disso, eles sobrevivem comendo e respirando compostos inorgânicos simples, como metano, sulfetos, sulfato, monóxido de carbono e dióxido de carbono, todos encontrados em Marte.
“Eles também podem fixar dióxido de carbono e nitrogênio da atmosfera, o que os torna altamente adaptados para sobreviver e prosperar em ambientes muito extremos na Terra e além”.
Esse tipo de metabolismo é conhecido como quimiolitotrófico e só foi encontrado em organismos microbianos, pelo menos aqui na Terra, e geralmente em ambientes bastante extremos. Portanto, se há vida em Marte com uma estratégia de sobrevivência semelhante, é provável que, de acordo com o que sabemos da Terra e de Marte, seja realmente muito pequeno.
A equipe planeja cultivar e estudar alguns dos membros mais ativos da comunidade microbiana para tentar aprender mais sobre como eles se adaptaram para prosperar em um ambiente tão inóspito. Essa informação pode nos ajudar a entender melhor a probabilidade de tais organismos emergirem em lugares como Marte, disseram os pesquisadores.
O que deixa apenas uma pergunta no ar: quem é o pobre coitado que perdeu seu martelo 600 metros abaixo do pergelissolo do Ártico?
A pesquisa da equipe foi publicada no The ISME Journal.