Entrevista feita por Felipe Nogueira
Lawrence Krauss é um físico teórico e cosmólogo renomado da Universidade do Estado do Arizona. Ele foi um dos primeiros a sugerir que a maior parte da energia do Universo reside no espaço vazio, o que é chamado atualmente de energia escura. Ele é o autor de mais de 300 publicações científicas e mais de 10 livros de divulgação científica.
Krauss tem palestrado ao redor do mundo sobre o seu último livro, Um Universo Que Veio do Nada, que explica como o nosso universo pode ter surgido do nada. Na Universidade do Estado do Arizona, ele é o criador e diretor do projeto Origins, que explora perguntas fundamentais relacionadas com as nossas origens, trazendo diversos cientistas, acadêmicos para debates e discussões, disponíveis online gratuitamente.
Em 2015, Krauss foi nomeado o Humanista do Ano pela Associação Humanista Americana.
Você já mencionou em diversas ocasiões que a ciência não é uma “coisa”, e sim um processo. Elabore um pouco isso, o que é, então, a ciência?
Lawrence Krauss – A ciência é um método para distinguir fato de ficção. É um método para fazer perguntas sistematicamente e responder essas perguntas em uma maneira que é possível testar. A ciência é baseada em evidência empírica: alguém faz perguntas sobre o universo, alguém testa o universo com perguntas e observações empíricas, então alguém confirma ou refuta algo. Uma coisa importante é que na ciência você não pode provar que algo é verdade, geralmente você só pode provar apenas que algo é falso. Mas, assim como Sherlock Holmes, você se livra das coisas falsas e o que sobra é verdade.
Você acha que há uma noção equivocada de que a ciência é uma questão de opinião e que deveríamos ouvir “todos os lados da história”?
Lawrence Krauss – Sim. Como eu gosto de dizer, uma ótima coisa sobre a ciência é que um lado está geralmente errado. Há questões abertas, onde há incerteza e debates. No entanto, a resolução desses debates não se dará por retórica ou volume, e sim pela natureza. Então, se você tem uma ideia que simplesmente discorda com a observação, então você joga a ideia fora; não há discussão. Não há necessidade de debater a questão se a Terra é redonda ou plana. Ainda há pessoas que afirmam que a Terra é plana, mas elas estão simplesmente erradas. Similarmente, há pessoas que não acreditam que a evolução ocorre, mas elas estão erradas. E as pessoas que argumentam contra mudanças climáticas induzidas pelo homem estão simplesmente erradas.
Outro argumento que você já fez é que, no processo da ciência, não aprendemos como o Universo funciona através da Lógica. O que você quer dizer com isso?
Lawrence Krauss – A Lógica Clássica se baseia no que parece razoável, que, por sua vez, está baseado na nossa experiência. À medida que ampliamos a nossa experiência, o que parece razoável pode mudar. A mecânica quântica é o exemplo perfeito. Não parece razoável uma partícula estar em dois lugares ao mesmo tempo, mas na mecânica quântica é isso o que acontece. Baseado em observações, é possível fazer raciocínios cuidadosos e argumentos lógicos. Mas presumir o que é lógico ou usar lógica clássica tem de ser feito com cuidado, porque o mundo não é clássico. Em escalas muito pequenas e em escalas muito grandes, o universo se comporta de uma maneira que parece paradoxal para nós, porque a nossa intuição é baseada num segmento pequeno da realidade, que não se aplica universalmente. A ciência nos ensina que nossas visões míopes não necessariamente representam toda a realidade. Temos de ter muito cuidado em assumir que aquilo que pensamos ser sensato é realmente isso.
O que você pode dizer da concepção equivocada que a ciência muda o tempo todo?
Lawrence Krauss – A ciência realmente muda, isso é chamado de progresso. Porém, a ciência muda em uma maneira bem definida. Isso é outro grande entendimento equivocado da ciência: não jogamos fora o que foi feito antes; o que sobrevive ao teste e experimento permanece. Por exemplo, as Leis de Newton foram substituídas pela Relatividade Geral e Mecânica Quântica, mas as Leis de Newton sempre aplicarão nas suas escalas, como movimento de balas de canhão ou bolas de beisebol.
Qual a sua opinião sobre filosofia?
Lawrence Krauss – Filosofia é útil para refletir sobre o conhecimento gerado pela ciência. Todos os bons filósofos que eu conheço usam lógica e raciocínio rigoroso para refletir sobre conhecimento, interpretá-lo, e fazer novas perguntas. Então, filosofia é útil às vezes para fazer perguntas, mas é a ciência que é útil para obter as respostas e gerar esse conhecimento. Eu acho que qualquer filósofo que argumenta o contrário está exagerando. Como eu disse, tenho muitos amigos que são filósofos e acho que concordamos que é para isso que a filosofia é bom. E filosofia era indistinguível da física na época de Filosofia Natural, mas as duas divergiram. Filosofia simplesmente não é o jeito certo de gerar conhecimento sobre o mundo, é o jeito de refletir sobre esse conhecimento.
Sobre ciência e moralidade, por que você diz que sem a ciência nossas morais são inúteis?
Lawrence Krauss – Todo mundo que diz que moralidade é baseada em religião, na verdade baseia moralidade na razão. Eu digo para as pessoas com frequência que se elas não acreditassem em Deus elas provavelmente não mataria seus vizinhos. Embora, algumas pessoas dizem que matariam. O ponto é que a ciência nos diz as consequências das nossas ações. E se não sabemos as consequências de nossas ações, não podemos determinar certo e errado. Então, usamos razão, evidência empírica das consequências das nossas ações e raciocinamos sobre nisso para determinar o que é apropriado. A maioria das pessoas opera dessa forma e nisso que as leis da maioria das nações são baseadas, não são baseadas em doutrinas religiosas, mas sim na razão e evidência empírica. Como Steven Pinker [renomado psicólogo evolucionário] disse, você pode perguntar como Deus sabe o que é certo e errado. Há duas possibilidades. Uma é que ele inventou arbitrariamente e, nesse caso, qual é o ponto de se preocupar com isso? Ou a segunda: ele baseia o certo e errado no que é razoável, mas se ele faz isso, podemos nos livrar do homem do meio e ir nós mesmos diretamente na razão.
Você falou recentemente que o único conhecimento que importa é o empírico. Poderia elaborar isso?
Lawrence Krauss – Eu não entendo quando as pessoas falam que elas obtém conhecimento através de revelação. Isso simplesmente leva à ilusão. Nós todos, de fato, nos iludimos diariamente. Precisamos ser céticos de nós mesmos e precisamos testar as coisas. Eu posso ver reflexão ou até sabedoria, mas conhecimento vem de observação, teste e experimento. Alguém que afirma ter conhecimento de outra forma, em primeiro lugar, não pode demonstrar, e em segundo, está provavelmente errado.
O que você quer dizer que o universo surgiu a partir do nada no seu livro O Universo Que Veio do Nada?
Lawrence Krauss – Eu quero dizer que é plausível. Dado tudo o que sabemos, toda as medidas que temos sobre o universo, o universo pode ter surgido a partir do nada: sem espaço, sem tempo, sem partículas, sem radiação. Um universo que surgiu do nada, dada as conhecidas leis da física e algumas extrapolações razoáveis dessas leis, teriam as características do nosso universo.
Quais são os três níveis de “nada” que você define em seu livro?
Lawrence Krauss – A palavra “nada”, assim como teoria, tem diferentes significados para diferentes pessoas. As pessoas que não gostam do que eu digo definem nada de um jeito que só Deus pode criar algo. Porém, para muitas pessoas, o nada era o espaço vazio da Bíblia. É claro que isso não é nada, nós mostramos isso. Esse tipo de nada pode criar algo.* Então, uma versão mais dramática do nada envolve não só a ausência de partículas, tempo e radiação, mas a ausência do espaço-tempo também. O espaço-tempo pode vir à existência por qualquer teoria razoável da gravidade quântica. E, então, a versão final do nada: talvez até as leis que governam como as coisas evoluem no nosso universo seriam acidentais. Essa é última versão: sem leis, sem espaço, sem tempo, sem matéria, sem radiação.
Como você disse, as pessoas aplicam palavras, como “teoria” ou “nada”, de forma diferente do que na ciência. O que é teoria para a ciência?
Lawrence Krauss – Teoria em ciência é o nível mais alto de conhecimento, não é uma hipótese. Teoria, como a teoria da gravitação universal de Newton ou teoria quântica, é uma suposição matemática que foi submetida a testes várias e várias vezes. Então, quando falamos que evolução é uma teoria, estamos colocando-a no pedestal mais alto possível, não sugerindo que é uma hipótese aleatória.
A teoria das cordas não é uma teoria por que não faz previsões ainda ou por que as previsões que faz não são refutáveis neste momento?
Lawrence Krauss – A teoria das cordas é ambos. Ela realmente não faz previsões neste momento porque ainda é uma ideia em desenvolvimento. Todas as vezes que fez previsões, eles descobrem que provavelmente foram prematuros. E as previsões que a teoria das cordas poderia fazer estão provavelmente além do escopo do experimento, embora teóricos espertos continuam pensando em maneiras de como testar as idéias, como a existência de dimensões extras, por exemplo. Há uma pequena possibilidade de testar dimensões extras no Large Hadron Collider, mas é uma possibilidade bem pequena, na verdade. E agora estou feliz de dizer que eu convenci pessoas como Brian Greene [físico teórico de cordas], que é meu amigo, e ele concorda comigo agora que a teoria das cordas não é uma teoria e não deveria ser chamada de teoria.
Quais as vantagens da computação quântica?
Lawrence Krauss – Computadores quânticos são uma ideia fascinante e permitem fazer certos algoritmos que classicamente não são possíveis, como fatorar números grandes em seus números primos. Todo número tem um expressão única em termos de produtos de números primos. Os primos dos quais números grandes são produtos não podem ser facilmente determinados. Esse algoritmo é possível em computadores quânticos. Por que deveríamos nos importar? Números grandes e seus primos são usados como chaves de segurança de cartões de crédito e contas bancárias. Então, se pudermos fatorá-los facilmente, teremos de pensar em outras maneiras para garantir a segurança. Essa é a notícia ruim. A boa notícia, entretanto, é que computadores quânticos permitem encriptação quântica e de certa forma possibilita ver se alguém espionou uma mensagem (eavesdropping). Então, há ganhos e perdas com computadores quânticos. Entretanto, não está claro que poderemos fazer computadores quânticos na prática.
Não conseguimos ainda fazer computação quântica por causa da decoerência quântica?
Lawrence Krauss – Em geral, isso está certo. O mundo quântico é geralmente invisível por boas razões porque as interações das partículas com o ambiente destroem as correlações quânticas e são as correlações quânticas que se deseja explorar para fazer um computação quântica.
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Obrigado ao Professor Krauss pela sua atenção e cordialidade em conceder essa ótima entrevista. Parte desta entrevista foi publicada na coluna Skepticism and Science da Skeptical Briefs (edição de Outono de 2015).