Recentemente me deparei com uma pergunta sobre a demarcação entre ciências humanas/sociais. Tipo: por que sociologia é ciência?
Primeiramente é preciso fazer uma distinção entre o método científico e a ciência em si. Não sou um profundo conhecedor de epistemologia, mas vou tentar elaborar minha visão aqui. A ciência tem raízes na filosofia e se propõe a investigar o mundo natural através de um sistema racional e objetivo. O método científico é exatamente esse sistema racional e objetivo, ou seja, a maneira como se investiga o mundo natural.
No geral, os cursos superiores utilizam o método científico em diferentes proporções nas suas grades curriculares. Mesmo que o tema do curso não seja o mundo natural, o sistema racional e objetivo é utilizado em maior ou menor grau para diferentes aplicações. Até mesmo cursos de artes como moda e artes plásticas utilizam o método científico em alguma parte do curso (estatística, geometria, etc). Até mesmo a teologia utiliza, em parte, o método científico em suas análises, com a salvaguarda de se basear em fundamentos e pressupostos não-científicos, o que eventualmente acaba comprometendo a credibilidade e a sustentação de suas alegações.
O problema é que hoje em dia, ser científico está na moda. Tem status quem é científico, como se a ciência fosse a embaixadora da verdade absoluta. Certamente esta percepção está relacionada aos avanços científicos que levaram à revolução tecnológica, e aos benefícios materiais resultantes dessa revolução, principalmente os relacionados à qualidade de vida e à condição humana.
Na verdade um dos principais fundamentos da ciência é que, em ciência, não existe verdade absoluta. Uma explicação, um modelo científico que funciona bem hoje pode eventualmente ser substituído no futuro por outro que explique melhor um determinado fenômeno observado. É exatamente assim que a ciência funciona. E não faz nenhum sentido misturar elementos subjetivos humanos, como status e vaidade, em um assunto objetivo como o método científico e a ciência em si.
Os cursos superiores relacionados às ciências naturais (física, biologia, química, geologia, astronomia, etc) são ditos cursos científicos por constituírem disciplinas científicas projetadas para estudar diferentes aspectos dos fenômenos naturais, utilizando diferentes métodos científicos e suas respectivas tecnologias. Mas nem mesmo esses cursos são a ciência em si. A disciplinarização da ciência, com início no final do século XVIII e início do século XIX, permitiu, através do reducionismo, avanços sem precedentes no nosso conhecimento sobre o mundo natural. Entretanto, atualmente o volume de informação é tão grande que especialistas de diferentes áreas científicas estão começando a ter dificuldade em se comunicar devido aos diferentes jargões criados para simplificar idéias e conceitos. Hoje em dia é muito difícil ser um literato em todas as disciplinas científicas, especialmente em áreas que utilizam tecnologias de ponta. A imagem do cientista está sendo lentamente substituída pela imagem do especialista ou tecnólogo, que investe toda uma carreira para dominar uma técnica ou um grupo de técnicas. Nada contra os especialistas e tecnólogos, muito pelo contrário. Eles são muito importantes para os avanços científicos e tecnológicos. Mas acredito que devemos também resgatar a imagem e o papel do cientista. Caso contrário, seremos transformados em avatares de nossas próprias tecnologias.
Algumas iniciativas tem sido feitas em diferentes níveis educacionais no sentido de inteligar o conhecimento científico. É possível observar por exemplo a reunião de duas ou mais disciplinas em cursos superiores através da criação de outros como: bioinformática, geoquímica, biofísica, oceanografia, etc. No entanto, é difícil encontrar exemplos de iniciativas integradoras no ensino médio por exemplo, principalmente em ambientes onde o objetivo do estudo é passar no vestibular. No ensino fundamental os conceitos científicos são mais básicos e por isso existe a tradicional disciplina de ciências. Talvez não seja a toa que alunos desse nível educacional frequentemente fiquem fascinados com suas próprias descobertas científicas no âmbito pessoal. E talvez essa pureza de pensamento seja exatamente o que está faltando para resgatar o pensamento científico e a identidade do cientista.
Ivan Gláucio Paulino Lima