A ciência pode e deve ser feita nos países em desenvolvimento, porque a falta de uma comunidade é uma das razões do atraso. Que a tarefa não é fácil, é óbvio. Mas também não é impossível, como mostram os casos da Argentina, do Brasil, do Chile, do México e da Venezuela. Embora débeis, as comunidades científicas desses países têm contribuído para a produção científica mundial e têm vacinado parte da população contra as pseudociências da moda – particularmente as medicinas alternativas, como a homeopatia e a psicanálise.
Parte do segredo é saber escolher quais ciências cultivar e apoiar. Por enquanto, descartemos as ciências que exigem um forte investimento em instrumentação científica, como é o caso da física nuclear, da astrofísica e da neurociência. Mas todas as disciplinas têm um componente teórico, que requer apenas cérebro, lápis e papel, bem como seminários e congressos, onde as ideias podem ser trocadas.
Por exemplo, um grupo de matemáticos dispostos a se encontrar uma vez por semana pode se reunir em qualquer lugar para discutir suas próprias ideias e a de colegas estrangeiros. Foi isso que nós, físicos argentinos, fizemos quando fomos demitidos pelo governo de Juan Domingo Perón (ex-presidente da Argentina) por não aceitarmos a afiliação ao seu partido. Nos encontrávamos todas as semanas em uma casa particular, onde montávamos um quadro-negro. Essas reuniões nos motivaram a continuar trabalhando mesmo sem remuneração. Graças a esses seminários privados, pudemos nos apresentar ao concurso quando o governo caiu e as universidades retornaram à normalidade.
A principal dificuldade enfrentada por cientistas independentes é a escassez ou ausência de orientadores capazes de sugerir problemas e supervisionar trabalhos. Esse problema é muito sério, de modo que a independência pode resultar apenas por um tempo limitado. Isso confirma a ideia de que é muito mais fácil cortar uma centelha de ciência de uma só vez do que cultivá-la.
Por sua vez, essa conclusão nos lembra que não há ciência sem governo favorável. Em particular, os governos neoliberais se enfurecem com a ciência básica [desinteressada] porque a acusam de não contribuir com o PIB. Eles ignoram que a engenharia está baseada nas ciências exatas, a medicina na biologia e a ciência social aplicada nas ciências humanas básicas.
Em conclusão, a ciência teórica pode e deve ser realizada durante o período de desenvolvimento, mas essa tarefa é muito mais difícil do que outras mais simples. Isso requer vocação e força de vontade notoriamente extraordinárias. É como a prova d’água para encontrar bruxos: quem boiar está enfeitiçado. Ajudemos aqueles que se atreverem a boiar! Bruxos do Terceiro Mundo, unam-se em seminários!