Todos os setores da sociedade brasileira estão extremamente preocupados com a situação gravíssima da pandemia de COVID-19 em nosso País. Assistimos ontem estarrecidos ao pronunciamento do Presidente da República em direção contrária às recomendações do próprio Ministério da Saúde, de organizações de saúde internacionais, como a Organização Mundial da Saúde, de cientistas e de governos de todo o mundo. Em um momento crítico como este, esperávamos ouvir um pronunciamento do Chefe de Nação que trouxesse medidas efetivas para o enfrentamento da pandemia, orientações bem fundamentadas, escoradas na experiência de outros locais, no conhecimento científico acumulado e nas instituições e profissionais da saúde. E que fizesse uma conclamação à união de todos os setores da sociedade brasileira no enfrentamento da grave crise de saúde pública, social e econômica que vamos viver.
No entanto, o pronunciamento significou um desserviço às ações consequentes de enfrentamento do coronavírus que estão sendo sugeridas e implementadas pelo próprio Ministério da Saúde e suas instituições, por governadores e outros gestores, e pelos órgãos de saúde pública e por seus profissionais. São particularmente graves as afirmações que minimizam as consequências desta pandemia para a saúde dos brasileiros e a atitude contrária a medidas fundamentais para reduzir os efeitos trágicos que dela poderão advir. As declarações foram na direção oposta ao que os organismos nacionais e internacionais de saúde estão propondo e essa incoerência expõe também a falta de liderança e de coordenação dentro do governo para enfrentar essa crise sanitária no País.
Essa pandemia é muito grave, tendo já matado mais de 16.000 pessoas no mundo, e contaminado pelo menos 2.200 brasileiros, com 46 mortes até o momento. Ela tem um potencial gigantesco de atingir milhões de pessoas, como apontam estudos bem fundamentados, caso medidas drásticas – que têm sido propostas pelos órgãos de saúde pública e pela ciência em escala mundial – não sejam adotadas prontamente. Não se trata, de nenhum modo, de uma “gripezinha” ou de um “resfriadinho”. E, o que é mais grave, a pandemia está em crescimento muito acelerado no País e tem o potencial de atingir severamente um número muito grande de pessoas se não for controlada e mitigada adequadamente.
Os estudos e as análises da situação em vários países, em especial naqueles que tiveram um êxito relativo neste controle, têm mostrado que o isolamento social é uma medida fundamental para conter o crescimento muito acelerado do número de pessoas afetadas e para possibilitar que não ocorra um colapso no sistema de saúde. Medidas extremas de isolamento vêm sendo tomadas em muitos deles, além de outras ações, como testes em grande quantidade e confinamento quando necessário. Os brasileiros, em sua maioria, têm a percepção sobre a importância destas medidas duras, como apontam pesquisas recentes, e têm se esforçado para cumpri-las.
No Brasil temos a vantagem de ter um sistema de saúde pública amplo, o SUS, que pode, uma vez com recursos e condições adequadas, fazer frente a um desafio desta proporção. Mas certamente ele necessita de reforço muito grande. Os institutos de pesquisas, universidades e hospitais públicos estão engajados fortemente no processo de enfrentamento do coronavírus e necessitam igualmente de mais recursos humanos e materiais. A ciência brasileira já está contribuindo bastante e pode fazer muito mais; condições e recursos adequados devem lhe ser oferecidos. Os profissionais de saúde, que têm um papel crucial, precisam ser valorizados e protegidos com equipamentos de segurança, já que estão na linha de frente da batalha contra um vírus altamente contagioso.
As consequências econômicas decorrentes desta pandemia serão muito sérias e, por isto mesmo, governos de vários países já estão tomando medidas para apoiar as empresas, os trabalhadores e a população atingida. A grande parcela da população brasileira trabalhadora deve ter seus direitos resguardados e seus empregos e salários preservados neste período, e os que dependem do trabalho informal devem ter suas condições de vida adequadamente garantidas; e é importante que todos encontrem acolhimento no sistema público de saúde.
A busca por fármacos que possibilitem combater diretamente o vírus e seus efeitos é hoje realizada por cientistas em diversos países do mundo, inclusive no Brasil. Eles estão empenhados, dia e noite, em buscar soluções para controlar e eliminar os efeitos do coronavírus. Temos certeza que a ciência terá êxito. No entanto, este é um processo complexo, árduo e às vezes demorado, e a promessa de soluções rápidas, e sem os testes clínicos adequados, pode conduzir a expectativas e atitudes inadequadas e com sérias consequências.
Não é hora, tampouco, de se gerar embates políticos com interesses eleitorais, partidários ou econômicos estreitos, em particular com os governadores ou com o Congresso Nacional, ou adotar medidas que ameacem a democracia. É preciso que os gestores e órgãos públicos, os setores empresariais e os trabalhadores, os pesquisadores e professores, os profissionais de saúde, o Congresso e o STF, bem como os mais diversos segmentos da sociedade brasileira ajam em conjunto no enfrentamento desta pandemia. É fundamental que sejam adotadas as medidas que as organizações de saúde e a ciência têm proposto e que se atue de forma integrada, pronta e firme, em defesa da vida e da saúde dos brasileiros.
É preciso que os poderes constitucionais brasileiros assumam as suas responsabilidades e impeçam atitudes irresponsáveis, mesmo que da autoridade máxima da Nação, que colocam todo o país em risco. Esta conjuntura exige união da sociedade brasileira, lideranças firmes e responsáveis e que estejam à altura do momento, para se que se possa enfrentar com êxito uma pandemia que poderá trazer sérias consequências para o povo brasileiro.
Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC