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E se a Terra tivesse anéis?

Por Charles Q. Choi
Publicado na Live Science

Os anéis de Saturno dão um ar de majestade condizente com um planeta que recebe o nome do rei dos Titãs. Feito quase totalmente de poeira, rochas e pedaços de gelo e medindo milhares de quilômetros de largura, os anéis de Saturno são sua característica mais fascinante; eles encantaram os humanos desde que Galileu os descobriu com um telescópio em 1610.

Como seria se Terra também fosse ‘coroada’ com anéis? O ilustrador de ficção científica e espacial Ron Miller criou imagens extraordinárias de como o céu pareceria se a Terra possuísse anéis com as mesmas proporções para nosso planeta que as proporções dos de Saturno.

O lugar mais estável para os anéis é ao redor do equador de um planeta, então a aparência dos anéis varia de acordo com a latitude. Por exemplo, próximo ao equador em Quito, Equador, você veria os anéis a partir da borda interna, de modo que se parecessem com uma linha fina partindo em linha reta do horizonte.

Como seria o céu se a Terra tivesse anéis como os de Saturno, da perspectiva de Quito, Equador. Crédito: Ron Miller.

Em comparação, perto do Círculo Polar Ártico, os anéis se pareceriam com uma protuberância no horizonte.

Qual seria a aparência do céu se a Terra tivesse anéis como os de Saturno, da perspectiva do Círculo Polar Ártico. Crédito: Ron Miller.

Em latitudes mais temperadas, os anéis se pareceriam com um arco gigante, cruzando de uma extremidade do céu à outra.

Se você estivesse em Washington, DC, nos Estados Unidos, os anéis da Terra se pareceriam com um arco-íris de outro mundo. Crédito: Ron Miller.

Esses anéis cintilantes não ‘nasceriam’ e nem se punham como o Sol e sempre apareciam exatamente no mesmo lugar no céu. Esses marcos cósmicos seriam visíveis dia e noite.

Rocha brilhante

Os hipotéticos anéis da Terra difeririam em um aspecto fundamental dos de Saturno: eles não teriam gelo. A Terra fica muito mais perto do Sol que Saturno, então a radiação de nossa estrela faria com que qualquer gelo nos anéis da Terra derretessem.

Ainda assim, mesmo que os anéis da Terra fossem feitos de rocha, isso não significaria que eles pareceriam escuros. A rocha lunar é bastante cinzenta e a Lua reflete apenas cerca de 12% da luz que incide sobre ela. Mas a Lua cheia “parece muito brilhante porque há muita luz sobre ela e porque está muito perto de nós”, disse Caleb Scharf, diretor de astrobiologia da Universidade de Columbia em Nova York.

Quão brilhantes os anéis da Terra seriam? “Cerca de 1.300 watts de luz solar por metro quadrado atinge o topo da atmosfera da Terra”, disse Scharf ao Live Science. “Se os anéis refletissem 10% disso, estamos falando de cada metro quadrado refletindo tanta luz quanto a produzida por uma lâmpada de 130 watts”.

Qual seria a aparência do céu durante um equinócio se a Terra tivesse anéis. Crédito: Ron Miller.

Mais perto que a Lua

A que distância os anéis ficariam da Terra? Eles interfeririam com os aviões?

O mais próximo absoluto que os anéis poderiam chegar é em algum lugar acima da camada atmosférica conhecida como termosfera, que chega a atingir 1.000 km, de acordo com Corporação Universitária para Pesquisa Atmosférica, dos Estados Unidos. Portanto, não atrapalhariam aviões comerciais que normalmente voam até 11 km de altura. (Discutiremos satélites e viagens espaciais mais tarde.) Enquanto isso, o arrasto atmosférico derrubaria qualquer material sólido do anel que porventura descesse uma camada abaixo. Se isso acontecesse, o material rochoso queimaria como uma estrela cadente em uma faixa de fogo.

Quão longe os anéis podem se estender da Terra? Qualquer objeto orbitando dentro de uma certa distância da Terra, conhecido como seu Limite de Roche, se quebrará devido à força da gravidade da Terra. Uma vez quebrados, esses objetos estilhaçados se juntariam ao anel rochoso. Por exemplo, qualquer objeto do tamanho da Lua da Terra que caísse abaixo de cerca de 11.850 km da superfície da Terra se desintegraria, formando um anel ao redor do planeta.

Ao todo, os anéis externos da Terra provavelmente orbitariam ainda mais perto de nosso planeta do que a Lua da Terra.

Anel ou anéis? Lua ou luas?

A Terra ostentar ou não um anel ou muitos ia depender se a Terra também possuísse “luas pastoras”, pequenas luas que abrem as lacunas entre os anéis e ajudam a manter as partículas confinadas dentro de um anel, assim como um cão pastor impede que as ovelhas se dispersem uma das outras. Os anéis de Saturno possuem várias luas pastoras, como Prometeu. As luas pastoras nos anéis da Terra se pareceriam com pérolas brilhantes circulando ao redor das bordas dos anéis.

É improvável que a Terra possa ter anéis de longa duração se continuar a possuir uma Lua tão grande quanto tem agora, disse Scharf. As mesmas forças gravitacionais que a Lua exerce na Terra para causar as marés podem perturbar os anéis, fazendo com que se desintegrem, explicou ele.

Sombras cadentes

Dependendo da hora do dia, da estação e da latitude em que o observador está localizado, a sombra da Terra pode passar sobre os anéis. A sombra da Terra teria formato oval nos seus anéis, “e se moveria com o passar do tempo”, disse Scharf. (A sombra da Terra pareceria oval em vez de circular, pelo mesmo motivo que sua sombra parece esticada em comparação a você.)

Crédito: Ron Miller.

Durante os equinócios, o sol estaria no mesmo plano dos anéis. Nessas ocasiões, nas latitudes médias da Terra, a sombra do planeta pareceria se estender através dos anéis em sua maior extensão, deixando grandes porções dos anéis na escuridão. No equador, os anéis pareceriam dividir o Sol, lançando uma sombra dramática sobre metade do mundo.

Crédito: Ron Miller.

Da mesma forma, os próprios anéis projetariam sombras na Terra. Durante o verão no hemisfério norte e o inverno no hemisfério sul, os anéis projetariam suas sombras no hemisfério sul e vice-versa. Isso significaria que os invernos em ambos os hemisférios poderia ser mais frios e mais severos do que atualmente na Terra. No entanto, ao mesmo tempo, o brilho do anel pode aumentar a luz total que a Terra recebe, “portanto, os efeitos climáticos são difíceis de prever”, disse Scharf.

As mitologias que cercam os anéis

Como marcos celestiais que nunca mudam de posição no céu, os anéis quase certamente desempenhariam um papel fundamental nas mitologias. Em latitudes temperadas, pode-se imaginar que a aparência dos anéis como um arco simbolizaria uma ponte entre o céu e a Terra.

Visto que a aparência dos anéis muda com a latitude, o mesmo ocorre com as interpretações que as pessoas faria deles. Considerando como as guerras na Terra surgiram de visões opostas da doutrina religiosa, poderíamos perguntar o que aconteceria se os povos antigos começassem a vagar pelo planeta e vessem os anéis mudarem de aparência.

E os anéis poderiam muito bem atrair as pessoas a vagar pelo mundo. Dado que os anéis se pareceriam com arcos gigantes, os exploradores poderiam querer ver “onde os arcos tocam”, da mesma forma que uma pessoa buscava ver o que estava nas extremidades de um arco-íris.

Além disso, Scharf observou que em torno das bordas da sombra da Terra nos anéis, veríamos a luz que foi filtrada pela atmosfera da Terra. “Você poderia ver algumas cores bem doidas nas bordas da sombra, talvez uma borda de cor vermelho sangue”, disse ele. “Eu poderia imaginar todos os tipos de mitologias construídas em torno disso”.

Além disso, dependendo da latitude e da estação, o caminho do sol pode cruzar atrás dos anéis. As partículas que compõem os anéis provavelmente espalhariam a luz do Sol, fazendo-a parecer obscura ou velada. “É interessante pensar que significado espiritual uma civilização poderia atribuir ao sol que está atrás dos anéis”, disse Scharf.

Um guia para navegadores

Os anéis poderiam servir potencialmente como auxiliares de navegação extraordinários, sendo um ajudante em viagens, explorações, comércio, migrações e invasões.

Por exemplo, durante séculos, os marinheiros tiveram dificuldade em localizar sua posição exata na Terra em termos de latitude e longitude quando estavam no mar e fora de terra à vista. Os navegadores há muito tempo encontraram maneiras de encontrar sua latitude usando a astronomia – observando a altitude do Sol durante o dia ou a Estrela Polar ou o Cruzeiro do Sul à noite – mas encontrar uma maneira de calcular a longitude foi um grande avanço para a engenharia da medição do tempo.

Os anéis no céu poderiam ajudar os navegadores a estimar a longitude de várias maneiras. As luas pastoras podiam caminhar ao redor da Terra ao longo de órbitas previsíveis, como o movimento de um relógio. Os anéis de Saturno possuem raios misteriosos, provavelmente relacionados ao campo magnético de Saturno, e quaisquer raios nos anéis da Terra podem agir como marcadores de tempo em um mostrador de relógio. A forma como a sombra da Terra se move nos anéis também pode servir como um relógio cósmico gigante. “Você poderia realmente obter um tipo sofisticado de sistema de cronometragem com os anéis”, disse Scharf.

Os anéis e espaço

Dependendo da localização dos anéis, satélites e espaçonaves podem, em princípio, orbitar sob eles. Por exemplo, a Estação Espacial Internacional orbita cerca de 400 km acima da superfície da Terra, potencialmente abaixo dos anéis, enquanto os satélites geoestacionários orbitam cerca de 35.786 km acima da superfície da Terra, provavelmente bem acima dos anéis. No entanto, os anéis provavelmente espalhariam os sinais de rádio de satélites e espaçonaves em órbitas equatoriais, limitando sua utilidade.

Ainda assim, os anéis provavelmente interfeririam na astronomia, dificultando a visão do céu noturno pelo solo, disse Scharf. Isso pode, por sua vez, limitar o que os cientistas em um planeta anelado pudessem ter conhecimento sobre detalhes essenciais do cosmos, como a existência de outras galáxias ou a expansão do universo.

Os anéis de Marte e da Terra

Qual a probabilidade de mundos rochosos possuírem anéis? Estudos anteriores descobriram que o satélite natural de Marte, Fobos, pode ter existido em forma de anéis ao redor do Planeta Vermelho. À medida que Fobos se aproxima de Marte com o tempo, é provável que se despedace em um anel novamente, ao longo de milhões de anos.

É possível que a Terra já tenha possuído um anel. Nosso planeta nasceu há cerca de 4,5 bilhões de anos, e pesquisas anteriores sugerem que a Lua surgiu pouco tempo depois. A explicação predominante para a origem da Lua é que ela resultou da colisão de dois protoplanetas, ou ‘mundos embrionários’. Uma delas era a Terra recém-nascida e a outra era uma rocha do tamanho de Marte chamada Theia, em homenagem à mãe da Lua na mitologia grega. O impacto teria gerado um anel de destroços ao redor da Terra que eventualmente se fundiu na Lua.

Em suma, embora a visão de uma Terra com anéis possa parecer uma fantasia, pode ter sido uma vez – por um momento no tempo – verdade.

Julio Batista

Julio Batista

Sou Julio Batista, de Praia Grande, São Paulo, nascido em Santos. Professor de História no Ensino Fundamental II. Auxiliar na tradução de artigos científicos para o português brasileiro e colaboro com a divulgação do site e da página no Facebook. Sou formado em História pela Universidade Católica de Santos e em roteiro especializado em Cinema, TV e WebTV e videoclipes pela TecnoPonta. Autodidata e livre pensador, amante das ciências, da filosofia e das artes.