Traduzido por Julio Batista
Original de Lucie Aubourg (AFP) para o ScienceAlert
Os cérebros modernos são mais jovens do que se pensava originalmente, possivelmente se desenvolvendo até 1,5 milhão de anos atrás, de acordo com um estudo publicado na quinta-feira – depois que os primeiros humanos começaram a andar sobre os dois pés e depois que começaram a se dispersar da África.
Nossos primeiros ancestrais do gênero Homo surgiram no continente há cerca de 2,5 milhões de anos possuindo cérebros de primatas primitivos com cerca de metade do tamanho daqueles vistos nos humanos de hoje.
Os cientistas vêm tentando resolver um mistério desde que nossa história de origem é conhecida: exatamente quando e onde o cérebro evoluiu para algo que nos tornou humanos?
“As pessoas pensaram que esses cérebros parecidos com os de humanos [modernos] evoluíram no início do gênero Homo, cerca de 2,5 milhões de anos atrás”, disse à AFP o paleoantropólogo Christoph Zollikofer, coautor do estudo publicado na revista Science.
Zollikofer e a principal autora do estudo, Marcia Ponce de Leon, examinaram fósseis de crânios da África, Geórgia e da ilha indonésia de Java, no entanto, e descobriram que tal evolução realmente ocorreu muito mais tarde, entre 1,7 e 1,5 milhão de anos atrás.
Como os próprios cérebros não fossilizam, a única maneira de observar sua evolução é estudar as marcas deixadas dentro do crânio.
Os cientistas criaram imagens virtuais – conhecidas como endocasts (moldes internos de objetos ocos) – do que havia preenchido os crânios há muito tempo.
Nos humanos, a área de Broca – parte do lobo frontal ligada à produção da fala – é muito maior do que a zona correspondente em outros grandes primatas, disse Zollikofer, da Universidade de Zurique.
A expansão de uma área resulta na mudança de tudo que está por trás dela.
“Essa mudança por atrás pode ser vista nos endocasts dos fósseis, quando examinamos impressões das fissuras cerebrais”, disse Zollikofer.
‘Surpresa’
Ao estudar crânios da África, os pesquisadores foram capazes de determinar que os mais antigos – que datam de mais de 1,7 milhão de anos – na verdade tinham um lobo frontal característico de grandes primatas.
“Este primeiro resultado foi uma grande surpresa”, disse Zollikofer.
Isso significava que o gênero Homo “começou com o bipedalismo”, ou andar sobre duas pernas, e que a evolução do cérebro nada tinha a ver com o fato dele já ser bípede.
“Agora sabemos que em nossa longa história evolutiva … os primeiros representantes de nosso gênero Homo eram apenas bípedes terrestres, com cérebros de primatas primitivos”, disse o paleoantropólogo.
No entanto, os fósseis africanos mais jovens, datando de 1,5 milhão de anos, mostraram características de cérebros humanos modernos.
Isso significa que a evolução do cérebro ocorreu entre as duas datas, na África, segundo o estudo.
A conclusão é corroborada pelo fato de que nesse mesmo período surgiram ferramentas mais complexas, chamadas de ferramentas acheulianas, que possuem duas faces simétricas.
“Isso não é coincidência aleatória”, disse Zollikofer, “porque sabemos que as áreas do cérebro que se expandem neste período de tempo são usadas para tarefas de manipulação complexas, como a fabricação de ferramentas.”
Duas migrações da África
O segundo resultado surpreendente do estudo vem de observações de cinco fósseis de crânios encontrados na atual Geórgia, datando entre 1,8 e 1,7 milhões de anos.
Os espécimes particularmente bem preservados provaram ser cérebros primitivos.
“As pessoas pensaram que você precisa de um grande cérebro moderno para se dispersar da África”, disse Zollikofer. “Podemos mostrar que esses cérebros não são grandes e não são modernos e ainda assim as pessoas conseguiram deixar a África.”
Enquanto isso, os fósseis de Java, os espécimes mais jovens no estudo, mostraram características cerebrais modernas. Os pesquisadores acreditam, portanto, que houve uma segunda migração para fora da África.
“Então, primeiro você tem um grupo de pessoas que se dispersaram com cérebros primitivos, depois as coisas evoluem para um cérebro moderno na África e essas pessoas voltam a se dispersar”, explicou Zollikofer.
“Não é uma hipótese nova… mas não havia nenhuma evidência clara. E agora, pela primeira vez, temos evidências fósseis reais.”
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