Entrevista feita por Douglas Rodrigues Aguiar de Oliveira e Felipe Nogueira
Tradução de Julio Batista
Edzard Ernst estudou Psicologia e Medicina na Universidade Ludwig Maximilian de Munique (LMU). Em 1977, formou-se médico na Alemanha, onde também realizou mestrado e doutorado.
Ao longo de sua carreira, Ernst passou a praticar medicina alternativa, tornando-se homeopata e trabalhando em um hospital homeopático. No entanto, seu interesse em pesquisar o campo o levou a adotar uma metodologia rigorosa para avaliar a eficácia das Medicinas Complementares e Alternativas (CAM, na sigla em inglês), montando uma equipe altamente produtiva, realizando dezenas de estudos clínicos e revisões sistemáticas e compilando mais de 1.000 estudos científicos.
Ernst foi professor de medicina física e reabilitação (MFR) na Faculdade Médica de Hannover (MHH); e chefe do departamento de PMR da Universidade de Viena (UNIVIE). Em 1993, teve a honra de ter a primeira cátedra do mundo em Medicina Complementar na Universidade de Exeter, onde é Professor Emérito desde 2012.
Em 1999, obteve a nacionalidade britânica. Sua curiosidade científica e honestidade foram suficientes para que ele começasse a criticar as CAMs relacionadas à sua presença no Sistema de Saúde do Reino Unido e ao excesso de financiamento público direcionado a elas. Isso foi o suficiente para muitos pseudomédicos e defensores da pseudomedicina atacá-lo como o príncipe Charles (agora rei), que fez todo o possível para removê-lo de sua posição de pesquisa.
Ernst foi fundador/editor de três periódicos médiocos: Focus on Alternative and Complementary Therapies, European Journal of Physical Medicine and Rehabilitation e Perfusion. Além disso, ele é autor de vários livros para o público em geral, como Trick or Treatment? Alternative Medicine on Trial e Scientist in Wonderland: A Memoir of Searching for Truth and Finding Trouble. O seu trabalho foi recebido com vários prémios como o Prêmio John Maddox (2015) e o Prêmio Ockham (2017).
Nesta entrevista com o Dr. Ernst, discutimos questões que envolvem a medicina alternativa e por que devemos ser céticos em relação a ela.
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1. Em um de seus livros, você cunhou o termo SCAM – abreviação de “so-called complementary and alternative medicine” (a dita medicina complementar e alternativa). Por que?
Anteriormente, usei principalmente o termo ‘medicina alternativa’ – não porque o achei adequado, mas porque todos parecem entendê-lo. No entanto, a “medicina alternativa” é factualmente incorreta: se uma terapia não funciona, ela não pode ser alternativa. Se uma terapia funciona, é apenas medicina. Então, acho que ‘a dita medicina alternativa’ é um termo muito melhor. E sua abreviação é SCAM [“scam” é uma palavra em inglês que significa “fraude”].
2. Por que os médicos não podem confiar apenas em sua experiência clínica para julgar a eficácia dos tratamentos? O que é evidência confiável e por que ensaios clínicos controlados e randomizados são necessários?
Um clínico testemunhará muitos casos isolados ou anedóticos. O resultado de cada um depende de uma série de fatores, como a história natural da doença, a regressão à média, os efeitos placebo, os efeitos das terapias feitas concomitantemente e, claro, o tratamento prescrito. Este último é, no entanto, apenas um dos vários determinantes do resultado. Portanto, é impossível decidir qual determinante contribuiu de que forma para o resultado. Se quisermos responder a essa pergunta, precisamos de um experimento em que todos os determinantes possam ser contabilizados. Isso só é possível projetando um ensaio clínico controlado e randomizado rigoroso. Em essência, isso significa que a experiência de um clínico pode ser, e muitas vezes é, profundamente enganosa.
3. Um tema recorrente em seus livros é a resposta ao placebo em ensaios clínicos. O que seria realmente a resposta ao placebo? Por exemplo: os animais podem experimentar o efeito placebo?
O efeito placebo depende principalmente de dois componentes: expectativa e condicionamento. Os animais podem ser condicionados; na verdade, Pavlov descobriu o fenômeno em cães. Mas, dependendo da situação, os animais (e crianças) também podem experimentar uma resposta placebo por meio da reação do tratador ou pai: placebo por indicação.
4. Como a falta de estudos duplo-cegos adequados afeta a pesquisa com SCAM e suas conclusões? (Comentário: Um paper publicado recentemente no BMJ não encontrou diferença no efeito do tratamento em ensaios duplo-cegos em comparação com ensaios não cegos. Portanto, o estudo duplo-cego pode não ser importante como se acreditava anteriormente:
https://www.bmj.com/content/368/bmj.l6802)
O impacto do estudo duplo-cego – ou seja, ocultar tanto o paciente quanto o clínico – depende da situação. Se as expectativas forem altas, como costuma acontecer no SCAM, seria de se esperar que a influência fosse grande. Para ser cauteloso, eu sempre recomendaria incorporar estudos duplo-cegos rigorosos e verificar seus sucessos em ensaios clínicos. Infelizmente, isso nem sempre é possível; pense, por exemplo, em terapias mente/corpo.
5. Depois de revisar as evidências, você acha que a acupuntura funciona em alguma condição?
A indicação mais pesquisada para a acupuntura é a dor crônica. A revisão mais recente e de alta qualidade das evidências lançou dúvidas consideráveis sobre a eficácia da acupuntura para a dor crônica. Para todas as outras condições, a evidência tende a ser ainda menos convincente.
6. Por que a Organização Mundial da Saúde ainda considera a Medicina Tradicional Chinesa como uma prática médica válida?
Acho que isso você deveria perguntar a eles. Na minha opinião, a posição da OMS em relação à MTC deve ser politicamente motivada, porque as evidências claramente não sustentam uma atitude tão positiva em relação a ela
7. No Brasil e em muitos outros lugares, a homeopatia e a acupuntura são consideradas especialidades médicas por lei. As pessoas podem pensar que isso as legitimam como terapias ou tratamentos cientificamente estabelecidos. Qual é a sua resposta a este argumento?
Tais decisões apenas mostram que, ocasionalmente, a lei pode estar errada.
8. A homeopatia é oferecida nos serviços públicos de saúde no Brasil. Qual seria a melhor maneira de barrar o financiamento público para homeopatia e outros tratamentos ineficazes?
Não existe “melhor maneira”, eu temo. A abordagem deve ser argumentar armado com a melhor evidência. Infelizmente, muitas vezes isso não é suficiente. Para vencer esta batalha, é preciso aliados na ciência, no jornalismo, na política etc. Pode levar muito tempo e pode ser muito frustrante, mas eventualmente as evidências sempre vencerão a discussão. É preciso ser otimista, senão está fadado ao fracasso.
9. Você escreveu extensivamente sobre quiropraxia e seus efeitos colaterais. Existe alguma evidência de que funciona em alguma condição? Além disso, quais são os efeitos colaterais de uma manipulação quiroprática no pescoço?
A quiropraxia pode funcionar um pouco para dores nas costas, mas não é melhor do que outros tratamentos mais seguros e baratos, como exercícios. As manipulações da coluna quiroprática podem causar muitos danos. O evento adverso grave mais comum é a lesão de uma artéria que irriga parte do cérebro. Quando isso acontece, você tem um derrame e pode morrer. Como não existe um sistema de monitoramento dessas complicações, não sabemos com que frequência elas ocorrem. Cerca de 500 desses casos estão registrados, mas isso é apenas a ponta de um iceberg muito maior.
10. Se a erva-de-São-joão funciona para a depressão da mesma forma que os antidepressivos, por que não faz parte da medicina “convencional”, ou seja, mais comumente prescrita por médicos ou psiquiatras convencionais/ocidentais?
Dizem que o progresso avança de funeral em funeral [parafraseando uma frase atribuída a Max Planck] – ou seja, às vezes pode levar um tempo terrivelmente longo até que novos conhecimentos sejam aceitos convencionalmente. Na Alemanha, a erva-de-São-joão tornou-se um tratamento convencional para a depressão.
11. Como a pseudociência e a má ciência prejudicam a “verdadeira” ciência e medicina?
Da mesma forma que um falso detectador de minas afeta a segurança do soldado que procura por minas terrestres.