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A campanha de Napoleão ao Egito

Na primavera de 1798, o comandante-em-chefe, Napoleão Bonaparte, partia com seus soldados e, por decisão própria, escolhe 160 dos cientistas, artistas e intelectuais franceses mais brilhantes de sua época para juntarem-se na campanha, quase que pessoal, ao Egito, terra que, outrora, seu herói, Alexandre, O Grande, triunfou como um deus vivo.

Napoleão, que crescera em meio a uma coleção de mais de 1.000 livros, era ávido por leitura desde pequeno. Ao ir para a Escola Militar, já na adolescência, foi introduzido aos livros do grande historiador antigo greco-romano Plutarco, onde descobriu a história de dois grandes estadistas e conquistadores: Júlio César e Alexandre, O Grande. Mais tarde, seu posto de comandante-em-chefe e seu conhecimento sobre os antigos conquistadores ajudariam a alimentar uma ambição que floria nele desde sua infância. Porém, o Egito não foi o que outrora fora na era de Alexandre ou César, para a decepção de Napoleão, que objetivava triunfar naquele lugar. “O Egito era uma sociedade em plena crise econômica; provou-se tão distante do paraíso clássico da imaginação dos invasores quanto a própria França revolucionária estava da República Romana que invocava tão constantemente. Para pasma e desilusão da expedição, a terra dos faraós revelou-se um lugar estagnado e imundo, cheio de moscas, choças de barros, doenças, uivos de cachorros e superstição.

Em 1 de julho de 1798, Napoleão, junto a 36 mil homens—mesmo efetivo com que Alexandre embarcou para a Pérsia—, chegava no continente da África, desembarcando na praia de Marabout, próximo à cidade histórica de Alexandria. Tentando evitar um eventual confronto com as forças navais da Grã-Bretanha naquele continente, o efetivo manteve o nome de “ala esquerda do Exército da Inglaterra“, esperando confundi-los sobre o seu verdadeiro destino. Mas, para o infortúnio das tropas francesas, não impediu que um comboio britânico, sob o comando de Horatio Nelson, destruísse a frota mediterrânea francesa em Abuquir, próximo à Alexandria, revés que impossibilitou que a República Francesa reforçasse seu exército no Oriente Próximo, dando início ao processo de erosão da campanha da França no Egito, que mal havia começado.

A Batalha das Pirâmides, por Louis-François Baron.

Em 21 de julho, a caminho do Cairo, Napoleão e seus soldados encontram tropas mamelucas a 15 quilômetros das Pirâmides, dando início, assim, à famosa Batalha das Pirâmides, representada em pintura acima, onde o exército napoleônico vence o exército mameluco mesmo estando em menor número, devido a seu armamento ser tecnologicamente mais avançado do que os dos mamelucos, que possuíam apenas arcos e flechas e espadas, mas com o apoio de uma forte cavalaria. Napoleão, percebendo que seu maior problema era a cavalaria mameluca, impôs seu exército à uma tática defensiva, formando quadrados e dispersando os mamelucos com fogo de artilharia. “Assim, na famosa batalha das Pirâmides, os franceses perderam 300 homens para os 2.500 do inimigo“, dando fim a 700 anos de poder dos mamelucos no Egito. Diz-se que, antes da batalha, Napoleão, despertando seu exército, invocou a famosa frase: “Soldados! Do alto destes monumentos, 4 mil anos de história nos contemplam!

Carl Sagan com uma réplica da pedra Roseta no Egito, cuja importância foi sintetizada em um episódio da série Cosmos, Uma Viagem Pessoal, em 1980.

Napoleão era um erudito e sabia da importância do conhecimento. Nas expedições, ele concedia prioridades aos cientistas para explorarem, coletarem amostras e fazerem experimentos naquele terreno desafiador, quente e árido do Egito. “Em Julho de 1798, foi fundado o instituto do Egito no Cairo. Suas reuniões eram a única ocasião em que Bonaparte tolerava críticas(por vezes descomposturas) a si mesmo e às suas políticas.” Entre controvérsias e fracassos, levar os cientistas, talvez, foi a principal jogada de Napoleão aos olhos da história. Durante anos explorando aquele terreno, que serviu de berço tanto na arte quanto na ciência às civilizações modernas, os cientistas acabaram fazendo grandes descobertas, entre elas, a Pedra Roseta (leia o texto integral da Pedra Roseta traduzido para o português), cuja descoberta nos ajudou a decifrar os hieróglifos dos antigos Egípcios, dando impulso, futuramente, à criação de uma nova área na arqueologia, a Egiptologia, que nos ajudou a redescobrir uma civilização que outrora vivia escondida sob os montes de areias escaldantes dos desertos do Egito. Napoleão, ao relembrar desse fato anos mais tarde, proclamou: “havia conduzido as ciências e as artes de volta ao seu berço.”

Além de decisões contraditórias, como, por exemplo, mandar executar prisioneiros turcos que haviam se rendido “diante de uma promessa de clemência feita por oficiais franceses que não tinham autoridade para fazê-la“, Napoleão, também, enfrentava dois grandes problemas: a religião maometana e a peste bubônica. “A combinação de sede, calor, pestilência e saudade de casa levou muitos soldados franceses ao desespero, alguns a se amotinar, não poucos ao suicídio—o que alguns cometeram diante do comandante-em-chefe.” Sob esse pretexto, as leituras de Plutarco o incentivaram a tomar decisões parecidas com as de César, dando a opção do fim do sofrimento a seus soldados moribundos com o ópio, ação que levou seus médicos a protestarem achando o ato repugnante.

Napoleão visitando as vítimas da peste, em Jaffa. Pintura de Antoine-Jean-Gros.

Infligindo uma derrota esmagadora nas forças turcas e britânicas em 1799, depois de 12 meses naquele lugar que era cobiçado por todos os estadistas e conquistadores da antiguidade, Napoleão, na calada da noite, decide partir com um grupo seleto de cientistas, generais e soldados, deixando para trás grande parte do seu exército, que permanecera por mais 2 anos tentando impor as políticas napoleônicas sob revoltas de religiosos fervorosos e soldados britânicos. Tentativa que foi em vão.

Napoleão voltara para a França em triunfo, e não muito tempo depois, proclamou-se Imperador da França e de todas as suas províncias, dando início a uma longa história de triunfos e fracassos. O “Soldado da Revolução”, como era chamado na República Francesa, havia fracassado militarmente no empreendimento que seus grandes heróis triunfaram, mas, para triunfo dos cientistas e da história, nos ajudou a ter um deslumbre melhor das antigas civilizações que César e Alexandre, o Grande, respiraram.

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Os textos entre aspas foram transcritos do livro de Steven Englund, Napoleão, Uma Biografia Política, onde você poderá encontrar uma bibliografia vasta com cartas e dados históricos.

Além do livro “Napoleão, Uma Biografia Política”, publicada pela Zahar, incentivo você, também, a assistir o seu filme biográfico “Napoleon(2002) e ao documentário chamado “A obsessão de Napoleão: Egito”, onde trata de forma introdutória a campanha realizada no Egito; também, o livro “Miragens”, que trata sobre a campanha ao Egito e seus desdobramentos.

Elisson Amboni

Elisson Amboni