Pular para o conteúdo

A cura pelos cristais não funciona!

Por Steven Novella
Publicado na Science-Based Medicine

A popularidade desta pura pseudociência de “bem-estar” tem surgido nos últimos anos – e, agora, é uma indústria multibilionária. Esta crescente popularidade é, em parte, por causa da Goop e da crescente maré das crenças da Nova Era.

Uma pesquisa da Pew de 2018 descobriu que 62% dos adultos americanos acreditavam em, pelo menos, uma crença da Nova Era (a ideia de que existe uma energia espiritual que pode ser localizada em objetos físicos, médiuns, reencarnações, astrologia, etc.). Essas crenças são assumidas como verdades para aqueles que se consideram ou não membros de uma religião convencional (embora o grupo com menos crenças fosse ateu em 22%). O fenômeno moderno de cura pelos cristais remonta à década de 1970. Eles acabaram ficando fora de moda, penso eu, porque eles se tornaram os ícones de bobagens absurdas da Nova Era. Contudo, agora, as crenças de que os céticos da velha escola desmascararam nas décadas de 70 e 80, que depois ficaram esquecidas por uma geração, estão voltando.

A cura pelos cristais tem muitas das características da pseudociência da medicina alternativa e é apenas mais uma manifestação de muitos temas comuns. É uma forma de medicina energética. Os proponentes afirmam que diferentes tipos de cristais contêm, amplificam, atraem ou repelem diferentes tipos de energias. Como é a medicina energética, em geral, não estamos falando de qualquer tipo de energia real que possa ser identificada ou medida pelos físicos. Essa energia não é prevista pelo modelo padrão da física de partículas e não é esperado que o Grande Colisor de Hádrons (LHC) encontre qualquer força que carregue partículas relacionadas à energia cristalina. Não há Bóson de Higgs em medicina energética.

A “energia” referida na medicina energética é puramente metafórica e mítica. Os proponentes geralmente afirmam que é energia “espiritual”, que é apenas uma maneira de dizer que a energia não possui propriedades físicas que podem ser detectadas e, portanto, estaria fora do campo das descobertas científicas. Contudo, ao mesmo tempo, afirmam que essa misteriosa “energia” pode afetar os seres vivos, o que é uma contradição inerente ao cerne dessa crença.

Invocar uma “energia” indetectável, sem defini-la de maneira testável, como explicação é uma tática comum da pseudociência. Os tipos de medicina energética incluem quiropraxia, Reiki, acupuntura, toque terapêutico, toque curativo e é uma boa posição de recuo para qualquer outro tratamento que não possua um mecanismo plausível.

Como você sabe que tipo de cristal usar para qual problema está tendo? Você pode encontrar muitos guias que usam o padrão típico da Medicina Alternativa e Complementar (CAM) – “Ele pode ser usado”, “É frequentemente usado” ou “É conhecido por”. É bem isso. Não há estrutura de suporte na hipótese ou na evidência. Isso equivale dizer aos pais: “Porque eu disse”. O que isso ilustra é a tendência humana de desenvolver sistemas explicativos e elaborá-los. Somos bons em encontrar padrões e criativos em inventar coisas. A história da pseudomedicina está cheia desses sistemas complexos e detalhados, mas, no final das contas, baseados em nada. Esses sistemas, então, ganham vida própria, tornam-se cultura e, em seguida, conhecimento autoritário – mas, em última análise, é apenas vaporware.

Algumas das reivindicações são baseadas em outro tema comum em alguns sistemas alternativos – a superstição da magia simpática. Essa é a intuição de que algo terá efeitos sugeridos pela aparência. Portanto, as nozes devem ser boas para o cérebro porque elas se parecem com um cérebro. Uma tradição da homeopatia é inteiramente baseada em magia simpática. Muitos remédios tradicionais também fazem essa conexão.

Na cura pelos cristais, o quartzo rosa “é comumente utilizado para atrair e manter o amor, além de proteger os relacionamentos”. Claro que é – é rosa, então deve ser infundida com a energia do amor. Visto que “a pedra de cristal da obsidiana também o protege dos traços das sombras – vício, medo, ansiedade e raiva – agindo como um espalho do seu eu interior”. É preto, então deve ter relação com energia negativa. Isso é metáfora, mas não realidade.

Os defensores da cura pelos cristais também cometem a falácia de “apelo à antiguidade”. Muitas vezes, é apontado que algumas múmias egípcias antigas foram enterradas com cristais. Deixando de lado a dificuldade de interpretar exatamente o que uma cultura antiga acreditava – quem se importa? As sociedades antigas acreditavam em muita magia. Isso dificilmente justifica a aplicação de sanguessugas ou sangria.

Infelizmente, a moda da cura pelos cristais compartilha outro recurso em comum com alguns outros sistemas de medicina alternativa – quando você procura a parte inferior da cadeia de fornecimento, não é uma imagem bonita. A Medicina Tradicional Chinesa traficou partes de animais em extinção. A cadeia de fornecimento de suplemento também é altamente duvidosa, com baixo controle de qualidade. Quando seu produto é baseado inteiramente em pseudociência, não espere muita ética e rigor no setor.

Com os cristais, o problema é a exploração das populações onde existem muitos dos maiores depósitos minerais do mundo. O The Guardian entra em detalhes, concentrando-se em lugares como Madagascar, onde a indústria de mineração é pouco regulamentada. Os trabalhadores precisam lidar com a perigosa poeira mineral e o colapso das minas. Eles são alguns dos trabalhadores mais mal pagos do mundo, vivendo em condições horríveis. Este é o equivalente do cristal dos diamantes de sangue. Tudo isso está alimentando uma indústria explosiva de cura pelos cristais, piorando a situação.

Finalmente, você pode se surpreender ao saber que havia realmente um estudo sobre a cura pelos cristais. Em 2001, Chris French fez um estudo duplo-cego com 80 participantes meditando com um cristal de quartzo real ou um cristal de vidro falso. Houve um efeito placebo em que os participantes sentiram o que estavam preparados para sentir – uma sensação de calor ou formigamento ou uma sensação de bem-estar. Contudo, eles não conseguiram dizer a diferença entre os cristais reais ou falsos, indicando apenas um efeito placebo.

Evidentemente, evidências como essa terão efeito exatamente zero na indústria de cura pelos cristais, que não é baseada em lógica ou evidência. O setor de bem-estar está basicamente vendendo efeitos placebos, pseudofilosofia e estilo de vida. Eles não estão vendendo ciência. A cura pelos cristais é talvez a manifestação perfeita disso.

Douglas Rodrigues Aguiar de Oliveira

Douglas Rodrigues Aguiar de Oliveira

Divulgador Científico há mais de 10 anos. Fundador do Universo Racionalista. Consultor em Segurança da Informação e Penetration Tester. Pós-Graduado em Computação Forense, Cybersecurity, Ethical Hacking e Full Stack Java Developer. Endereço do LinkedIn e do meu site pessoal.