Chaïm Perelman, filósofo do Direito e grande divulgador da chamada Nova Retórica, escreveu este artigo em 1957, na revista Dialectica, volume II, número 1/2. Transcreverei aqui um trecho da introdução:
“Um raciocínio, tradicional na história da filosofia, faz qualquer conhecimento depender, em última instância, de uma evidência, intuitiva ou sensível: ou a proposição é objeto de uma evidência imediata ou resulta, por meio de certo número de elos intermediários, de outras proposições cuja evidência é imediata. Apenas a evidência forneceria a garantia suficiente às afirmações de uma ciência que se opusesse, de maneira igualmente tradicional, às opiniões, variadas e instáveis, que se entrechocam em controvérsias intermináveis e estéreis, que nenhuma prova reconhecida permite dirimir. Ao passo que é preciso, quando se trata de ciência, inclinar-se diante da evidência, quando se trata de opinião só se poderia endossar as palavras do fabulista e constatar que ‘a razão do mais forte é sempre a melhor'”.
Deste modo, pode-se dizer que a evidência é o que constitui a ciência, ao contrário do que constitui a opinião, geralmente baseada no que os interlocutores consideram verdadeiro para si mesmos, sem levar em conta o que o outro considera. Sem levar em consideração critérios objetivos (ver nota). A evidência é o que encerra debates, até então desnecessários (ou depois percebidos como estéreis, nas palavras do próprio autor) quando falamos de conhecimento científico.
Mais adiante, afirma que “uma proposição é evidente quando toda mente que lhe apreende os termos tem certeza de sua verdade”. Propor algo é supor que este objeto é verdadeiro para aquele que propõe. Verdade, indica um juízo de valor. Parece redundante, mas é algo necessário para que entendamos a natureza de uma proposição e qual é a sua importância para a argumentação. Neste caso, o foco é a evidência por si mesma e como esta se faz pertinente para a solidificação do conhecimento científico, mais uma vez, ao contrário da opinião.
Ainda diz que “… a evidência não é simplesmente um estado de espírito especial que não poderia, como o fato desta, garantir a verdade de seu objeto. Uma proposição é evidente antes mesmo de ser percebida e guarda essa qualidade mesmo que uma mente não seja atingida por ela (…) É possível, de fato, que seja preciso, para perceber a evidência de uma proposição, conhecer previamente a definição de um ou de outro de seus termos, pois esta serve de elo na demonstração…”.
Ao longo do texto, o autor discorre a respeito das características de uma prova, de um axioma e como se desenvolve a argumentação nestes moldes, fazendo menção, de forma complementar, ao pensamento de filósofos como Hume, Descartes (método cartesiano) e Kant (imperativo categórico).
Nota: “Quando existe um critério, o cálculo ou a experiência, para dirimir as contendas, as discussões são supérfluas e a dialética não está em seu lugar. Ao contrário, ela é indispensável na ausência de tal critério, quando não este não pode pôr fim ao desacordo mediante técnicas aceitas” (PERELMAN, Chaïm. Dialética e Diálogo. In: Retóricas. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004. pp. 3-10).
Referência:
- PERELMAN, Chaïm. Evidência e prova. In: Retóricas. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004. pp. 153-165.