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Discutindo a cientificidade da psicanálise, para além de Popper

Clarice de Medeiros Chaves Ferreira

Ainda é comum que psicólogos e psicanalistas pensem que quem que deu a palavra final sobre a cientificidade da psicanálise foi Karl Popper. Karl Popper foi o filósofo que propôs o critério da falseabilidade para tentar diferenciar aquilo que seria científico, daquilo que não seria. Em seus principais livros, trouxe a psicanálise como um exemplo de teoria que não seria falseável, e, portanto, não se enquadraria na categoria de ciência. Suas críticas ainda são lembradas hoje, e seu critério de demarcação é tratado por alguns cientistas empíricos como se esse fosse o mais bem aceito em filosofia da ciência. Entretanto, não poderiam estar mais equivocados.

A filosofia da ciência avançou, e novas propostas foram feitas. Nem todos já se atualizaram sobre a questão; ainda existem psicólogos que não estão cientes às críticas feitas à teoria de Popper, e nem mesmo dos avanços obtidos com as propostas de demarcação contemporâneas. Do mesmo modo, existem psicanalistas que pensam que a única crítica existente, ou a única possibilidade de se avaliar o status científico da psicanálise seja com a teoria de Popper. Já está na hora da comunidade buscar uma atualização nesse sentido: qual é o status científico da psicanálise hoje, diante dos critérios de demarcação contemporâneos?

Responder essa pergunta foi o objetivo do recém publicado artigo “Será a psicanálise uma pseudociência? Reavaliando a doutrina utilizando uma lista de multicritérios”, disponível em português e inglês. Nele, a psicanálise foi avaliada não mais a partir da proposta de Popper, mas sim da proposta de demarcação de Sven Ove Hansson. Hansson defende uma definição ampliada de ciência: não são mais apenas as ciências da natureza, ou as ciências empíricas, que são consideradas na categoria, mas todas aquelas que integram a comunidade de disciplinas do conhecimento. Assim, as humanidades, como a antropologia, linguística, filosofia, história e outras são consideradas como passíveis de produzirem teorias científicas, contanto que atendam a padrões de qualidade e utilizem os melhores métodos para produzir as afirmações mais epistemicamente justificadas sobre seus objetos de estudos.

Mesmo a partir do momento em que abandonamos a teoria de Popper, passamos a considerar que as humanidades podem ser ciências, e que diferentes métodos podem ser adotados para objetivos e objetos de estudos diferentes, isso não abre margem para pseudociências. Pelo contrário: a teoria de Hansson conta com, além de uma definição de pseudociências, também uma lista de multicritérios para identificá-las. A lista original conta com 7 critérios, que se tornaram oito com a adição proposta no mais novo artigo mencionado anteriormente. Uma lista como a de Hansson tem vantagens de identificar muitos outros aspectos problemáticos de doutrinas pseudocientíficas que não poderiam ser reduzidos apenas à sua não-falseabilidade, realizando uma avaliação mais ampla do que se podia fazer anteriormente. No final, a psicanálise acabou se enquadrando em todos os critérios de demarcação de pseudociências. Mesmo hoje, com os avanços feitos pelos filósofos, ainda podemos afirmar que ela é uma pseudociência.

Para mais informações, confira o artigo na íntegra: https://doi.org/10.25118/2763-9037.2021.v11.58

Clarice de Medeiros Chaves Ferreira

Clarice de Medeiros Chaves Ferreira

Clarice de Medeiros Chaves Ferreira é graduanda em Psicologia na Universidade FUMEC. Realiza Iniciação Científica no LINC-UFMG (Laboratório de Investigações em Neurociência Clínica da Universidade Federal de Minas Gerais), e é integrante do grupo de pesquisas SAMBE (Saúde Mental Baseada em Evidências). Criadora do canal no Youtube de divulgação científica "Psicolosofia", que aborda temas relacionados a psicologia baseada em evidências, filosofia analítica e metodologia científica.