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E se as escolas simplesmente não existissem?

Publicado no HuffPost

Ivan Ilich (1926-2002) foi um dos pensadores mais radicais da história da Educação. A maior provocação que ele deixou para a humanidade foi o livro Sociedade sem Escolas, publicado em 1971. A obra aponta problemas importantes a respeito da indústria das escolas e discute os interesses ocultos que sustentam parte do discurso que aparentemente valoriza a educação.

Ivan Ilich vai direto ao ponto: para ele, o direito de aprender é simplesmente interrompido pela obrigação de frequentar a escola. Ou seja, da organização burocrática que sustenta a rotina escolar ao prolongamento artificial do tempo de escolarização, as instituições de ensino mais atrapalham do que contribuem com a formação dos estudantes.

Em busca de uma solução para o fracasso internacional da escola tradicional, Illich argumentava em favor da criação daquilo que ele chamava de “teia educacional” – um programa social amplo, capaz de oferecer a todos a oportunidade de transformar cada circunstância de sua vida em um momento de aprendizado. Assim, o ato de “aprender” não seria aprisionado ao ato de “frequentar uma instituição durante um período do dia”, mas se tornaria uma atividade de curiosidade permanente que ocorreria em todos os momentos e todos os lugares.

Para isso, Illich defendia que, em primeiro lugar, era preciso pensar sobre o modelo econômico das indústrias de títulos e certificados que, em vez de educar, trabalham, prioritariamente, para prolongar o tempo de consumo de seus serviços. “Muitos estudantes, especialmente os mais pobres, percebem intuitivamente o que a escola faz por eles”, dizia Ivan Ilich. Em outras palavras, a tradicional rejeição que os estudantes expressam pela escola pode ser explicada, em parte, por uma profunda intuição sobre a artificialidade (e mesmo a inutilidade) daquele confinamento, o que provoca o desperdício de um tempo irrecuperável.

Para Illich, as escolas existem apenas para inventar necessidades artificiais e justificar a sua própria existência.

Outro problema é que essa instituição histórica “escolariza” as crianças e os jovens para que eles passem a confundir “ensino escolar” com “aprendizagem”. E a partir de uma propaganda intensiva, dissemina a noção de que quanto mais longa a escolaridade, melhores os resultados. Consequentemente, o aluno é “escolarizado” a confundir obtenção de graus com educação, diploma com competência e habilidade de escrever corretamente com capacidade de dizer algo novo.

E isso todos percebemos no dia-a-dia: quem nunca viu bacharéis dizendo barbaridades com o português impecável?

Para Illich, confundir educação com escola é a mesma coisa que confundir o ato de cuidar da saúde com o consumo de remédios; ou imaginar que segurança pública é sinônimo de violência policial. Por isso, ele argumenta que não só a educação, mas a sociedade como um todo precisa ser desescolarizada.

Fábrica de desigualdade

Ao contrário do senso comum, que defende maior permanência das crianças na escola, Ivan Ilich enxerga outras coisas. A partir de suas observações do contexto escolar nos Estados Unidos, ele notou que, ainda que frequentando a mesma escola e começando na mesma idade, crianças pobres não usufruíam das mesmas oportunidades educacionais de uma criança de classe média. Essas vantagens extra-escolares vão desde as práticas de convívio familiar em momentos de lazer até o consumo de bens culturais, como revistas, livros, filmes e artes, além das viagens de férias e dos mais diversos estímulos do círculo de convivência.

O estudante pobre, por sua vez, filho de trabalhadores que frequentemente passam a maior parte do dia no emprego, no transporte público e nos serviços domésticos, fica em desvantagem exatamente porque depende da escola para aprender. Para Illich, justamente por isso, o ambiente familiar e os espaços comunitários – e não a escola – deveriam ser alvo direto dos investimentos públicos em educação.

Ivan Illich observa que as pessoas não aprendem as coisas mais importantes da vida nas escolas. Elas aprendem na vida familiar, na convivência com a sua comunidade, no lazer, no trabalho, nas leituras, no cinema, no museu, nas mídias, na prática de participação social e nas mais variadas experiências para resolver questões em seu cotidiano. Ou seja, na teia educacional. Por isso, ele lamenta que a ênfase nos gastos escolares desencoraje um plano em grande escala para a aprendizagem não-escolar.

Concordando ou não, o pensamento de Ivan Illich oferece uma crítica estimulante para um debate amplo, corajoso e radical sobre as mais diversas dimensões do problema da educação no século 21 – das relações entre cultura, cidadania, urbanismo e educação, às questões relacionadas à distribuição de renda em políticas sociais. Negligenciar as suas reflexões é apenas uma forma de fugir de problemas históricos que infelizmente têm sido desconsiderados no debate sobre políticas educacionais.

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Andre Azevedo da Fonseca

Andre Azevedo da Fonseca

Professor e pesquisador no Centro de Educação Comunicação e Artes (CECA) da Universidade Estadual de Londrina (UEL).