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Estoicismo em tempos de pandemia: como Marco Aurélio pode ajudar

Por Donald Robertson
Publicado no The Guardian

O imperador romano Marco Aurélio Antonino foi o último famoso filósofo estoico da antiguidade. Nos últimos 14 anos de sua vida, ele enfrentou uma das piores pragas da história da Europa. A Peste Antonina – em homenagem ao seu sobrenome – provavelmente foi causada por uma cepa do vírus da varíola. Estima-se que ela tenha matado até 5 milhões de pessoas, possivelmente incluindo o próprio Marcus.

Desde a.D 166 até cerca de a.D 180, ocorreram inúmeros surtos em todo o mundo. Historiadores romanos descrevem as legiões sendo devastadas e cidades e vilas inteiras sendo despovoadas e arruinadas. A própria Roma foi particularmente afetada, carros saíam da cidade todos os dias empilhando cadáveres.

No meio dessa praga, Marcus escreveu um livro, conhecido como “As Meditações”, que registra os conselhos morais e psicológicos que ele deu a si mesmo naquele momento. Ele frequentemente aplica a filosofia estoica aos desafios de lidar com a dor, doença, ansiedade e perda. Não é exagero imaginar que “The Meditations” seja um manual para o desenvolvimento das habilidades de resiliência mental indispensáveis para lidar com uma pandemia.

Primeiro, porque os estoicos acreditam que nosso verdadeiro bem reside em nosso próprio caráter e ações, eles frequentemente se lembram de distinguir entre o que “depende de nós” e o “que não depende”. Os estoicos modernos tendem a chamar isso de “a dicotomia do controle” e muitas pessoas acham essa distinção útil para aliviar o estresse. O que acontece comigo nunca está diretamente sob meu dominio, nunca depende inteiramente de mim, mas meus próprios pensamentos e ações são ao menos voluntários. A pandemia não está realmente sob meu controle, mas a maneira como me comporto em resposta a ela, sim.

Muito, se não tudo, do nosso pensamento também depende de nós. Portanto, “não são os eventos que nos incomodam, mas nossas opiniões sobre eles”. O julgamento de que algo é realmente ruim, horrível ou até catastrófico causa nossa angústia.

Este é um dos princípios psicológicos fundamentais do estoicismo. E também é a premissa básica da terapia cognitivo comportamental moderna (TCC), a principal forma de psicoterapia baseada em evidências. Os pioneiros da TCC, Albert Ellis e Aaron T. Beck, descrevem o estoicismo como a inspiração filosófica para suas abordagens. Não é o vírus que nos deixa com medo, mas nossas opiniões sobre o assunto. Tampouco são as ações imprudentes de outros, aqueles que ignoram as recomendações de distanciamento social, que nos irritam tanto quanto nossas opiniões sobre eles.

Muitas pessoas ficam impressionadas, ao ler “The Meditations”, pelo fato dele começar com um capítulo no qual Marcus lista as qualidades que ele mais admira em outras pessoas, cerca de 17 amigos, membros de sua família e professores. Este é um exemplo extenso de uma das práticas centrais do estoicismo.

Marcus gosta de se perguntar: “Que virtude a natureza me deu para lidar com essa situação?” Isso naturalmente leva à pergunta: “Como outras pessoas lidam com desafios semelhantes?” Os estoicos refletem sobre as forças do caráter, como sabedoria, paciência e autodisciplina, que potencialmente os tornam mais resistentes diante das adversidades. Eles tentam exemplificar essas virtudes e levá-las a enfrentar os desafios que combatem na vida cotidiana, durante uma crise como a pandemia. Eles aprendem com a forma que as outras pessoas lidam com a adversidade. Até figuras históricas ou personagens fictícios podem servir de exemplo.

Com tudo isso em mente, é mais fácil entender outro slogan comum do estoicismo: o medo nos prejudica mais do que as coisas das quais temos medo. Isso se aplica às emoções prejudiciais em geral, que os estoicos denominam “paixões” – do pathos, a fonte de nossa palavra “patológico”. É verdade, antes de tudo, em um sentido superficial. Mesmo que você tenha 99% de chance, ou mais, de sobreviver à pandemia, a preocupação e a ansiedade podem estar arruinando sua vida e deixando-o louco. Em casos extremos, algumas pessoas podem até tirar suas próprias vidas.

Nesse sentido, é fácil ver como o medo pode nos fazer mais mal do que as coisas que temos medo, porque conseguem afetar nossa saúde física e qualidade de vida. No entanto, esse ditado também tem um significado mais profundo para os estoicos. O vírus só pode prejudicar seu corpo – o pior que pode fazer é matá-lo. No entanto, o medo penetra no núcleo moral do nosso ser. Pode destruir sua humanidade se você deixar. Para os estoicos, esse destino é pior que a morte.

Uma cabeça perfeitamente preservada de Marcus Aurelius, desenterrada por arqueólogos franceses na antiga cidade de Petra, na Jordânia, em 2015. Fotografia: Laurent Borel / AFP / Getty Images.

Finalmente, durante uma pandemia, você pode ter que enfrentar o risco, a possibilidade de sua própria morte. Desde o dia em que você nasceu, isso sempre esteve no destino. A maioria de nós acha mais fácil enterrar a cabeça na areia. Evitar é a estratégia de enfrentamento mais popular do mundo. Vivemos na negação do fato evidente de que todos morremos eventualmente. Os estoicos acreditavam que, quando somos confrontados com nossa própria mortalidade e compreendemos suas implicações, isso pode mudar nossa perspectiva sobre a vida de maneira bastante dramática. Qualquer um de nós pode morrer a qualquer momento. A vida não dura para sempre.

Nos disseram que era nisso que Marcus estava pensando no leito de morte. Segundo um historiador, seu círculo de amigos estava inquieto. Marcus perguntou calmamente por que eles estavam chorando por ele quando, de fato, deveriam aceitar a doença e a morte como inevitáveis, como parte da natureza e do ritmo comum da humanidade. Ele retorna a esse tema várias vezes durante as Meditações.

Ele diz a si mesmo: “Tudo o que acontece”, mesmo a doença e a morte, devem ser tão “familiares quanto a rosa na primavera e a fruta no outono”. Marco Aurélio, através de décadas de treinamento em estoicismo, havia aprendido a enfrentar a morte com a calma constante de alguém que já havia feito inúmeras vezes no passado.

Carlos Germano

Carlos Germano

carlosgermanorf@gmail.com