Por Herton Escobar
Publicado na Science
SÃO PAULO, BRASIL – “Clima seco, vento e calor” – esses foram os fatores que o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, culpou pelo crescente número de incêndios florestais na Amazônia em um tweet recente. Mas cientistas no Brasil e em outros lugares dizem que há evidências claras de que o pico, que provocou preocupações e raiva em todo o mundo, está relacionado a um recente aumento no desmatamento que muitos dizem ser, em parte, o resultado de políticas de desenvolvimento do governo do presidente brasileiro Jair Bolsonaro.
As chamas estão surgindo em um padrão típico de desmatamento, ao longo das margens da fronteira agrícola, diz Paulo Artaxo, físico atmosférico da Universidade de São Paulo. Dados históricos mostram que os dois fenômenos estão intimamente ligados: as motosserras lideram o caminho, seguidas pelas chamas e depois o gado ou outras formas de desenvolvimento. “Não há dúvida de que esse aumento na atividade de incêndios está associado a um forte crescimento do desmatamento”, diz Artaxo.
No sábado, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) já contava com mais de 41.000 focos de incêndio na Amazônia brasileira até agora esse ano, em comparação com 22.000 no mesmo período do ano passado. O projeto Global Fire Emissions Database, que inclui cientistas do Goddard Space Flight Center da NASA em Greenbelt, Maryland; a Universidade da Califórnia, Irvine; e a Universidade Vrije, em Amsterdã, observou a mesma tendência, embora seus números sejam um pouco mais altos. (A principal fonte de dados de ambas as agências é o Moderate Resolution Imaging Spectroradiometer, um instrumento a bordo dos satélites Terra e Aqua da NASA que detecta a localização e a intensidade dos incêndios por meio de uma assinatura térmica. Mas cada agência tem seus próprios algoritmos para analisar as imagens e classificar os pontos.)
O número desse ano é o mais alto desde 2010, quando a Amazônia sofreu uma seca severa, provocada pelo El Niño e um aquecimento do Atlântico Norte. Dessa vez, anomalias climáticas não explicam o aumento, dizem os cientistas. Pelo contrário: a estação seca desse ano tem sido muito amena. “Se tivéssemos outro ano de seca agora, a situação seria muito pior”, diz Paulo Moutinho, ecologista do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), uma organização não governamental com sede em Belém, Brasil.
Em vez disso, as evidências apontam para o desmatamento. Os 10 municípios com maior taxa de atividade de fogo – alguns dos quais são do tamanho de um pequeno país europeu – também são os que apresentam as maiores áreas de desmatamento registradas esse ano, de acordo com o IPAM.
“Há uma tempestade perfeita de fogo e desmatamento assolando a floresta”, diz Paulo Moutinho, Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia.
Depois que um pedaço da floresta é derrubado e a madeira valiosa removida, os desenvolvedores ateiam fogo para limpar o campo de vegetação excessiva. Pode levar meses para que os troncos caídos se tornem secos o suficiente para serem queimados, mas mais cedo ou mais tarde, cada pedaço da floresta é incendiado antes que possa ser convertido em pastos ou terras agrícolas.
Nem todos os incêndios estão relacionados ao desmatamento ilegal da florestas; chamas também são utilizadas rotineiramente para limpar pastagens, resíduos de culturas e vegetação na beira de estradas. Mas isso resulta em incêndios de menor intensidade. Muitos dos pontos recentemente detectados pelos satélites estão ativos por vários dias, queimando com calor intenso e produzindo colunas de fumaça altas e espessas – todos indicadores de que enormes quantidades de biomassa estão queimando. “Há uma tempestade perfeita de fogo e desmatamento assolando a floresta”, diz Moutinho.
Dados recentes mostraram claramente que o desmatamento no Brasil está em ascensão. De janeiro até o final de julho, 6800 quilômetros quadrados foram limpos, de acordo com o INPE, 50% a mais do que no mesmo período do ano passado. Mas Bolsonaro chamou os dados de “mentirosos” e demitiu o diretor do INPE, físico Ricardo Galvão, no início de agosto.
A maioria dos analistas no Brasil e no exterior culpa a aceleração [do desmatamento] pela retórica agressiva de Bolsonaro e as políticas florestais relaxadas. “Nada disso é um acidente”, diz Artaxo. “O que estamos vendo é o resultado de uma série de ações e inações do governo brasileiro”. O Brasil agora tem “claramente o pior clima político anti-ambiental da minha vida”, Carlos Peres, ecologista brasileiro da Universidade de East Anglia em Norwich, Reino Unido, disse em um comunicado de 23 de agosto.
Os efeitos são locais e globais. O desmatamento é a principal fonte de emissão de gases de efeito estufa do Brasil. A fumaça da biomassa queimada é misturada com grandes quantidades de fuligem, aerossóis e dióxido de carbono que podem interferir nos padrões climáticos da região e contribuir para o aquecimento global. Estudos mostram que a Amazônia funciona como um gigantesco ar-condicionado e umidificador para a América do Sul, produzindo e reciclando grande parte do vapor de água que flui para as partes mais baixas do continente.
A resposta inicial de Bolsonaro à crise foi colocar a culpa nas organizações não-governamentais, sugerindo – sem provas – que estavam incendiando a floresta para manchar seu governo. A situação rapidamente se transformou em uma crise internacional; a Noruega e a Alemanha suspenderam suas contribuições para o Fundo Amazônia, que apoia projetos de conservação e desenvolvimento sustentável na região, e o presidente francês Emmanuel Macron acusou Bolsonaro de mentir sobre seu compromisso de proteger a floresta e combater as mudanças climáticas. Ontem, Macron teria declarado que os líderes do G-7, que atualmente estão reunidos na França, estão prontos para ajudar o Brasil a combater os incêndios.
Diante de fortes críticas no Brasil, Bolsonaro convocou uma reunião de emergência do gabinete em 22 de agosto. No dia seguinte, ele autorizou o envio de tropas para ajudar a combater os incêndios e fez um discurso público de 5 minutos na TV nacional para professar seu “profundo amor e respeito pela Amazônia” e prometer que seu governo “agiria fortemente” contra as chamas.