Por Eduardo Quintana
Publicado na Ciencia del Sur
O filósofo e epistemólogo Mario Augusto Bunge completa 100 anos em 21 de setembro. Nascido em Florida Oeste (Grande Buenos Aires, Argentina) em 1919, Bunge segue trabalhando no Canadá, embora esteja aposentado há vários anos. Nesta conversa com a Ciencia del Sur, por causa de seu centenário, ele fala sobre sua filosofia, o materialismo sistêmico, e insiste em melhorar a educação.
Publicações, homenagens e eventos para celebrar esta data serão realizados em várias cidades do continente americano. No Paraguai, o Seminario de Filosofía y Ciencia 100 años de Mario Bunge será realizado na próxima quinta-feira, 26 de setembro, na Universidad Iberoamericana.
“Fico feliz em saber que compartilhar sua vida comigo não só não foi um obstáculo ao seu trabalho, mas ele sempre pôde contar comigo como companheira na maioria de suas viagens acadêmicas… Tudo o que quero agora é que a saúde de nós dois nos permita continuar desfrutando, por mais algum tempo, dos benefícios desta interessantíssima vida compartilhada.”
– Parte do apêndice “Minha vida com Mario”, de Marta Bunge, matemática e esposa do filósofo (Memórias entre dois mundos, Gedisa/Eudeba 2014).
O senhor está completando 100 anos de existência. Sem dúvida, são muitas experiências. Qual é a coisa mais notável em viver muito e em diversos países?
O mais notável foi ter vivido muito. Quando eu era jovem, pensei que seria assassinado bem cedo. Aparentemente, não sou tão importante.
Quase metade de sua vida foi passada no Canadá. Foi muito diferente viver em outros países?
A principal diferença entre viver no Canadá e na Argentina é que aqui você mora sem medo e com acesso a boas bibliotecas.
Como o senhor avalia a evolução de seu pensamento e filosofia? Mudou muito por décadas ou permaneceu estagnada?
Minha filosofia mudou muito desde que comecei a me interessar por essa disciplina, aos 16 anos de idade. Quando eu era jovem, me considerava marxista, embora, de acordo com os comunistas, eu era “machista”, ou seja, seguidor de Ernst Mach. Hoje ainda sou materialista em ontologia e realista em epistemologia. Acima de tudo, tenho as ideias mais claras e mais próximas da ciência atual.
Se o senhor tivesse que caracterizar sua filosofia, como a resumiria?
Creio que a minha filosofia merece ser chamada de “materialismo sistêmico”. Ela difere do materialismo dialético na medida em que rejeito a dialética.
O senhor aceitou e adaptou algumas das críticas ao seu sistema filosófico?
Muito poucos disseram o que objetam à minha filosofia. Em particular, nenhum argentino soube de sua existência. Eles preferem filosofias importadas da França e Alemanha.
Em julho, foram comemorados 50 anos da chegada humana à Lua com a Apollo XI. No entanto, ainda existem pessoas que duvidam desse marco. Por que o senhor acha que ainda existem pessoas que acreditam em pseudociências e teorias da conspiração?
A força das pseudociências no terceiro mundo é devido à ignorância da ciência e à educação dogmática fornecida pela escolas. Ninguém exige que as pessoas comprovem suas crenças.
Nesta linha, há também os terraplanistas que negam a geologia e todo o conhecimento do nosso planeta no século XXI. Como esse problema pode ser combatido?
As escolas devem acostumar as pessoas a submeter suas crenças à discussão e a procurar dados empíricos relevantes. Por exemplo, a pesquisa sobre telepatia e anexos não provaram nenhuma dessas crenças. Mais ainda, todos os experimentadores supõem tacitamente que seus pensamentos não influenciarão seus dispositivos.
Como o senhor vê o progresso atual da ciência?
A ciência segue avançando como há um século. Especialmente, a psicobiologia e as ciências sociais.
O que é necessário para melhorar o papel da filosofia no mundo?
Mais discussão e menos leitura dos clássicos. E mais denúncias contra charlatães, como Heidegger e seus discípulos. Em suma, precisamos de muito mais rigor.
Qual é a sua visão da Argentina e da América Latina hoje? Seguimos atrasados em questões educacionais e cultural-científicas?
A América Latina ainda está atrasada em ciência e técnica. O atraso é deliberado em casos neoliberais (Bolsonaro em Brasil e Macri na Argentina).
Por últimos, aos 100 anos, o senhor tem alguma ideologia política com a qual se identifica mais?
Na política, defendo o que chamo de democracia integral, que é a expansão da democracia política, ou liberalismo clássico, para tudo que é social – em particular, o econômico. Você pode ver meu livro Filosofia Política (Gedisa, 2009) e Democracias e Socialismos (Leatoli, 2017).