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Não, não, não, NÃO! Na saúde e na ciência, relatos pessoais não são evidências!

Por Harriet Hall
Publicado na Skeptical Inquirer

Estamos programados para confiar em depoimentos. Culpe a evolução. Durante a maior parte da história humana, tivemos apenas duas maneiras de aprender sobre o mundo: nossas próprias observações e o que outras pessoas nos contaram sobre suas experiências. Coletar informações de outras pessoas nos deu uma vantagem de sobrevivência. Infelizmente, esses depoimentos podem não ser confiáveis. Agora temos algo muito mais confiável: ciência. Mas a ciência não vem naturalmente. Precisamos aprender a confiar nos estudos em vez das histórias, e nem todo mundo aprende.

Os defensores da medicina complementar e alternativa (MCA) dependem fortemente de depoimentos. Eles acham que é tudo de que precisam. Se as pessoas dizem que um tratamento as ajudou, essa é toda a “evidência” de que precisam ou desejam. Mas depoimentos não são evidências. Dez depoimentos não são melhores do que um; mil depoimentos não são melhores do que dez. Os depoimentos são úteis apenas porque podem indicar que um tratamento não testado é promissor e digno de estudo científico formal. Os praticantes da MCA não valorizam a ciência e frequentemente não a entendem. Mas eles estão cada vez mais conscientes de que os outros valorizam a ciência, portanto, cada vez mais, eles estão tentando fornecer evidências científicas. Seus esforços costumam ser equivocados e risíveis, e muitas vezes terminam em fracasso.

Quando visito um site de MCA, procuro uma guia de “evidências científicas”. Às vezes, as pessoas que promovem a MCA nem mesmo fingem se embasar na ciência. Quando o fazem, os estudos que citam são muitas vezes são de pouco rigor científico, ciência lixo ou irrelevantes. Às vezes, eles até refutam as alegações que supostamente apoiam. O que acho mais preocupante é quando uma guia de “evidências” leva apenas a uma série de depoimentos. Eles sabem como os depoimentos podem ser convincentes e não entendem por que os depoimentos não contam como evidências.

Como sabemos que um depoimento não é falso? A pessoa realmente existe? Se for um depoimento real, como sabemos que a pessoa não foi enganada por um dos muitos motivos pelos quais as pessoas podem acreditar erroneamente que um tratamento as ajudou, quando não foi o caso? O falecido Barry Beyerstein listou sete dessas razões em seu artigo clássico “Why Bogus Therapies Often Seem to Work” (“Por que as terapias de araque frequentemente parecem funcionar”).

  1. A doença pode ter seguido seu curso natural.
  2. Muitas doenças são cíclicas.
  3. O efeito placebo pode ser o responsável.
  4. As pessoas que confiam no tratamento apostado dão crédito à coisa errada.
  5. O diagnóstico ou prognóstico original pode ter sido incorreto.
  6. A melhora temporária do humor pode ser confundida com cura.
  7. As necessidades psicológicas podem distorcer o que as pessoas percebem e fazem.

Existem mais do que apenas esses sete. Outra fonte de erro é nossa memória notoriamente falível. Felizmente, essas armadilhas podem ser evitadas validando o tratamento com estudos científicos que controlam os fatores de confusão, como respostas ao placebo, efeitos de conformidade e erros de julgamento.

O Kailo é uma fita adesiva para o alívio da dor baseada no charlatanismo de quinta categoria da medicina energética. Sua propaganda se gaba dos resultados de “um estudo aprovado pelo IRB [conselho de revisão institucional]” – como se “aprovado pelo IRB” significasse algo especial. Não, todos os estudos em humanos requerem a aprovação de um Comitê de Ética em Pesquisa para proteger os direitos dos sujeitos da pesquisa. Não apenas isso, mas os resultados que seus fabricantes descrevem são apenas resultados preliminares. O estudo não tem sentido porque faltou um grupo de controle. Os participantes simplesmente usaram o adesivo Kailo e uma grande porcentagem deles relatou que a dor melhorou. Nenhuma surpresa nisso. A dor é subjetiva e o pitaco é poderoso: praticamente qualquer coisa que você ofereça produzirá relatórios de melhora.

Esse não foi um estudo legítimo; era mais como um grupo de depoimentos. Os apoiadores da MCA adoram os depoimentos porque eles convencem os clientes e são fáceis de obter. Cada vendedor de óleo de cobra e cada charlatão podem fornecer testemunhos sobre seus produtos.

MCA só depende de depoimentos. Não creio que possamos convencer seus apoiadores de que depoimentos não são evidências. Se eles realmente tivessem compreendido a ciência e a necessidade de evidências reais, não mais acreditariam na eficácia da MCA. Graças a Deus alguns compreendem.

Julio Batista

Julio Batista

Sou Julio Batista, de Praia Grande, São Paulo, nascido em Santos. Professor de História no Ensino Fundamental II. Auxiliar na tradução de artigos científicos para o português brasileiro e colaboro com a divulgação do site e da página no Facebook. Sou formado em História pela Universidade Católica de Santos e em roteiro especializado em Cinema, TV e WebTV e videoclipes pela TecnoPonta. Autodidata e livre pensador, amante das ciências, da filosofia e das artes.