Por Marcelo Gleiser
Publicado na National Public Radio
No fim do ano passado, quando a maioria das pessoas estava se preparando para as férias, os físicos do Grande Colisor de Hádrons (do inglês, LHC) no CERN, a Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear, fizeram um anúncio surpreendente: os dois detectores enormes identificaram uma pequena colisão nos dados com um nível de energia de cerca de 750 GeV.
Este nível é cerca de seis vezes maior do que a energia associada à partícula de Higgs. (Para passar da energia para a massa divida a energia pelo quadrado da velocidade da luz.) Para comparação, a massa de um próton, a partícula que compõe os núcleos de todos os átomos na natureza, é de cerca de 1 GeV. O Higgs é pesado — e esta nova colisão, se associada a uma nova partícula, seria muito pesada.
A comunidade da física de alta energia respondeu com entusiasmo. Em poucos meses, centenas de artigos foram publicados com explicações hipotéticas para a colisão.
No mês passado, os físicos do CERN divulgaram um pouco mais de informações, reforçando ligeiramente sua reivindicação pela realidade deste novo ponto de dados. Neste momento, a colisão tem uma chance de 1 em 20 de ser apenas uma flutuação estatística espúria, algo que acontece de vez em quando, mesmo que raramente.
Quando os cientistas declaram que algo é “real”, isto é, que algo pertence à coleção de outras partículas que encontramos até agora e que compõem toda a diversidade material que vemos? É uma pergunta complicada. Há um padrão acordado, de que o sinal para uma nova partícula deve ser certo em um nível de 1/3.500.000. Isso está muito longe de 1/20, e é por isso que os físicos ainda não estão anunciando uma nova descoberta. No entanto, se tudo correr bem com as operações do LHC, no final do outono deveremos ter dados suficientes para decidir se a colisão é real.
Então vem a parte divertida: Se é real, o que é?
Os editores da prestigiada revista de física Physical Review Letters, publicaram um editorial explicando como eles selecionaram quatro artigos representativos da enorme quantidade que eles receberam tentando dar sentido à colisão.
A parte emocionante disso é que a colisão seria física nova e surpreendente, além das expectativas. Não há nada mais interessante para um cientista do que ter algo inesperado, como se a natureza estivesse tentando nos fazer olhar em uma direção diferente.
Os quatro artigos propõem explicações diferentes para os dados, assumindo, é claro, que ele não desapareça. Três deles sugerem que a colisão realmente sinaliza a existência de uma nova partícula. Um quarto sugere que o evento sinaliza a fragmentação de uma partícula muito mais pesada:
- Um artigo sugere a existência de uma nova força da natureza, portanto, uma quinta força, que age como a grande força que mantém os núcleos atômicos juntos. A grande força também mantém quarks junto com prótons e quarks e antiquarks junto com píons. (Eu sei, começa a ficar esquisito rapidamente. Antiquarks? Eles são essencialmente como quarks, mas com carga elétrica oposta.) A ideia é que essas duas partículas tipo quark são aderidas em algo como um novo píon (que se parece muito com um Higgs muito pesado), que eventualmente decai, liberando os dois fótons que foram detectados.
- Uma nova partícula parecida com Higgs que se acopla a novos tipos de partículas.
- Uma partícula prevista a partir de uma simetria da natureza tão distante conhecida como supersimetria. Se verdadeira, a supersimetria exige que cada partícula tenha uma parceira, como uma imagem espelhada com algumas propriedades invertidas. A versão mais simples da supersimetria é praticamente descartada por dados, mas extensões mais complicadas ainda estão em jogo. As expectativas são altas de que esse poderia ser o caso, já que a supersimetria está por aí há mais de 45 anos e precisa de algum apoio experimental para permanecer verossímil como uma teoria física da natureza — e não apenas uma boa ideia.
- Por fim, o quarto artigo sugere que a colisão não é a assinatura de uma nova partícula em 750 GeV, mas os restos de uma partícula muito mais pesada que se decompõe em uma cascata de fragmentos. Os dois fótons são a assinatura detectável de um fragmento, como pegar um filme no meio.
Será interessante ver como essa trama se desenrola conforme novos dados são coletados e divulgados à comunidade. A parte emocionante é que nós temos esta ferramenta incrível que está abrindo janelas em um território completamente novo. O Higgs era apenas o começo, ao que parece.
Por que alguém deveria se importar? Existem diferentes razões, desde a prática até a sublime. Para projetar uma máquina como o LHC, compilar e analisar as montanhas de dados que ele gera e, em seguida, interpretar a coisa toda, não é necessário apenas levar a tecnologia além do limite, mas também desenvolver regras comunitárias de engajamento em equipes de milhares de físicos e engenheiros. Quem está no comando? Como as decisões são tomadas? A World Wide Web foi criada no CERN para facilitar a troca de dados entre os cientistas, um spin-off muito crítico de uma experiência de física de partículas. Tecnologias de armazenamento e gerenciamento de dados estão sendo inventadas o tempo todo em tais instalações, assim como tecnologias de detecção e radiação.
Em termos mais abstratos, um novo evento de física com energias seis vezes maiores do que onde o Higgs foi encontrado, significaria que estamos chegando um pouco mais perto do Big Bang, o evento que marca a origem do universo. Há uma enorme lacuna na energia entre o Higgs e o Big Bang, é claro, mas obter novos dados em energias mais altas pode esclarecer como se aproximar. Este tipo de física fundamental tem uma herança muito nobre, já que traça suas origens além dos primórdios da filosofia ocidental — para as questões relacionadas com nossas origens. Se imaginarmos a criação como um quebra-cabeça, cada peça nova que descobrimos nos ajuda a entender um pouco melhor nossas origens. A nova colisão pode não nos dar uma resposta final (não está claro nem se podemos chegar lá), mas certamente tornaria a imagem mais clara.
Como Tom Stoppard escreveu em sua peça Arcadia, é querer saber que nos torna importantes. E a física fundamental se trata de querer saber.