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O que é uma “partícula”?

Artigo traduzido da Simmetry Magazine. Autor: Matthew R. Francis.

“Ele é um ponto ou um grão? Quando imerso, fica molhado? Ou a água fica ‘com ele’ ao invés? Na verdade, ninguém sabe” 

-They Might Be Giants, “Particle Man” (Tiny Tunes).

Nós aprendemos na escola que a matéria é feita de átomos e átomos são compostos de ingredientes menores: prótons, nêutrons e elétrons. Prótons e nêutrons são feitos de quarks, mas os elétrons não. Tanto quanto podemos ir a fundo, quarks e elétrons são partículas fundamentais, isto é, não são formadas por nada menor.

Uma coisa é dizer que tudo é feito de partículas, mas o que é uma partícula? E o que significa dizer que uma partícula é “fundamental”? Do que são feitas as partículas fundamentais, se não são compostas de unidades menores?

“No sentido mais amplo, as partículas são ‘coisas’ físicas que nós podemos contar” diz Greg Gbu, divulgador científico e físico na universidade da Carolina do Norte. Você não pode ter metade de um quark ou um terço de um elétron. Todas as partículas de um determinado tipo são precisamente idênticas as outras: elas não vêm em várias cores ou “crachás” que as distingam. Dois elétrons quaisquer produzirão o mesmo resultado em um detector, e é isso que as tornam fundamental. Não vêm em pacotes sortidos.

E não é só matéria: luz também é feita de partículas, os chamados fótons. Na maior parte do tempo, fótons individuais são imperceptíveis, mas astronautas afirmam ver flashes de luz até quando seus olhos estão fechados, por causa de um único fóton de raios gama se movendo no fluido do olho.  A interação desse fóton com as partículas interiores aos olhos cria uma luz azul, conhecida como luz de Cherenkov, suficiente para perturbar a retina, a qual consegue “ver” um único e singelo fóton (apesar de que muitos mais são necessários para formar uma imagem de qualquer coisa).

Campo de partículas para sempre

Essa não é toda a história: nós podemos contar partículas, mas elas podem ser criadas e destruídas e ainda mudar de tipo ou categoria em circunstâncias específicas. Durante uma reação nuclear conhecida como decaimento beta, o núcleo de um átomo expele um elétron e uma partícula fundamental chamada antineutrino, ao mesmo tempo que um nêutron dentro do núcleo se transforma em um próton. Se um elétron encontra um pósitron (sua respectiva antipartícula) à baixas velocidades, eles se aniquilam, deixando para trás apenas raios gama. Em altas velocidades, a colisão cria um punhado de novas partículas.

Todo mundo já ouviu falar do famoso E=mc² de Einstein. Parte do significado da equação é que “fazer” uma partícula requer energia proporcional à massa desta. Neutrinos, que detém baixíssima massa, são fáceis de criar. Elétrons têm uma unidade particularmente forte, enquanto os pesados bósons de higgs necessitam de quantidades exorbitantes de energia. Fótons são os mais fáceis de obter, pois eles não possuem massa nem carga, então não há energia nuclear interna para superar.

Mas é necessário mais do que energia para fazer novas partículas. Você pode acelerar elétrons por um campo magnético para criar fótons, mas é impossível fazer neutrinos e elétrons dessa mesma maneira. A chave é saber e estudar como essas partículas interagem usando as três forças quânticas fundamentais da natureza: eletromagnetismo, a força nuclear forte e força nuclear fraca. No entanto, essas forças podem ser descritas por partículas, segundo o modelo padrão: fótons carregam o eletromagnetismo, os bósons W e Z carregam a força nuclear fraca e a força nuclear forte envolve partículas denominadas glúons.

Todas essas coisas pertencem juntas à uma única ideia: a teoria quântica de campos.

“A Teoria de campos abrange mecânica quântica, e esta por sua vez engloba o resto da física” diz Anthony Zee, físico no Instituto de Física Teórica Kavli e também na Universidade da Califórnia, em Santa Bárbara. Zee, que já escreveu inúmeros livros sobre teoria quântica de campos (tanto para cientistas quanto para leigos), admite que “se você pressiona um físico à dizer o que é realmente um campo, ele dirá que um campo é exatamente o que faz”.

Apesar do conceito ser vago, campos descrevem tudo. Dois elétrons aproximam-se e agitam o campo eletromagnético, dando origem à fótons (como tesouras rasgando um grande lago). Esses fótons então empurram os elétrons, separando-os.

Que ondas?

Ondas são a melhor metáfora para entender melhor partículas e campos. Elétrons, além de serem partículas, também são ondas no seu próprio campo eletrônico, ou de elétrons se preferir. Quarks são ondas no campo de quarks (e já que existem 6 tipos de quarks, existem 6 tipos de campos de quarks) e por aí vai.

Fótons são como ondas no mar; podem ser grandes ou pequenos, violentos ou quase imperceptíveis. Os campos que descrevem as partículas materiais são mais semelhantes à ondulações em uma guitarra. Se você não tocar a corda forte o suficiente, você não obtém som nenhum. Similarmente, você precisa pelo menos da energia correspondente à massa de um elétron para criar um campo. Portanto, com energia suficiente você ouve a primeira harmonia, que é um acorde (em relação à música) ou um elétron (em relação aos campos).

Como resultado desse pensamento quântico, imaginar as partículas como sendo pequenas bolas pode acabar frequentemente sendo de pouca ou nenhuma ajuda.

“Fótons (e partículas materiais) trafegam livremente pelo espaço como ondas.” Mesmo que possam ser contabilizadas como pontinhos, diz Gbur.

Mas a metáfora não é perfeita: o campo para elétrons, eletromagnetismo e todo o resto preenchem o espaço-tempo, ao invés de serem cordas unidimensionais ou piscinas de duas dimensões. Como Zee diria, “O que são ondulações quando uma onda eletromagnética atravessa o espaço? Ondulações não são nada! A prática não precisa ser como ondas no mar.”

E claro, nós ainda estamos perguntando: se as partículas vêm dos campos, esses campos são objetos fundamentais, ou há neles uma física mais profunda? Até uma teoria surgir com algo melhor, essa descrição particular de força e matéria é algo com qual podemos contar.

Maria Vitória Moura Cabrera

Maria Vitória Moura Cabrera

Um universo de átomos e um átomo no universo. Medalhista olímpica nacional e internacional, divulgadora científica e pesquisadora em Magnetismo. Entusiasta de todas as ciências que desvendam o universo. Fã de indie rock, sushi e de tipos de personalidade.