O sistema de educação do Brasil é bastante falho no que diz respeito ao ensinamento de um conteúdo. O aluno estuda por obrigação, não por prazer. Muitos me vêm perguntar como consigo estudar por prazer. Respondo que não é difícil, é preciso, apenas, que se enxergue o mundo com outros olhos. Cada ação, cada movimento, cada acontecimento banal é tão complexamente explicado pela ciência que o reducionismo a seus termos é, por si só, o suficiente para apaixonar-se pelo conhecimento.
Poderia citar vários casos disso. Por exemplo, você já parou para pensar o tanto de processos fisiológicos estão acontecendo no seu corpo neste exato momento em que lê este meu texto? Células suas estão a se renovar, partes do seu cérebro estão a ser ativadas e os músculos dos seus olhos estão movimentando-os da esquerda para a direita a partir do estímulo de neurotransmissores presentes em nervos para que você possa ler este artigo, os músculos do seu dedo estão estagnados no mouse ou mexendo na “roleta” enquanto gastam glicose para a produção de energia, essa que é continuamente deixada a partir da passagem por capilares arteriais de espessura microscópica.
Mas não é disso que falo. Aprofundemos mais um pouco. Vejamos se podemos misturar olhares científicos e filosóficos em uma mesma situação. Ao terminar de ler tudo este artigo, pense em todas as informações que foram ditas aqui da próxima vez que olhar para as estrelas. Ou melhor, tente sair de casa logo depois que ler (se estiver à noite, claramente) ou espere que a noite chegue.
Olhe para as estrelas. Simples, não? Aprofunde mais seu olhar. Tente observar algum desenho que as estrelas possam formar. Crie constelações, por mais que não condigam com as “oficiais”. Veja o tanto de constelações que você mesmo pode criar. Porém, perceba que as estrelas não estão ao mesmo nível, por mais que pareçam estar. As constelações que você pode, em algum momento criar, são baseadas em projeções em forma de pontos luminosos dos corpos celestes em uma esfera imaginária chamada de esfera celeste. E pode ser que elas não estejam no local onde pareçam estar, afinal, a atmosfera é um meio que pode fazer com que feixes de luz sofram refração, ou seja, que façam o objeto que emita (primária ou secundariamente) tais feixes estar em um local aparente em que, na realidade, não está. É possível, também, que esses raios de luz sofram desvios em consequência da alta gravidade de alguns corpos, contribuindo ainda mais com a ideia de que eles podem não estar onde parecem estar.
Já percebeu que os mesmos corpos que observamos são os mesmo que todos que existiram no planeta, provavelmente, observaram? Vários deles serviram para a localização. Talvez, os europeus não teriam chegado à América se não fossem eles. Talvez, na antiguidade, invasões não tivessem sido realizadas se o povo invasor não soubesse a localização do local que pretendem invadir, a não ser que eles tivessem algum GPS. Vários deles foram mitificados. E tudo aquilo que serviu como base para diversas ideias está em sua frente, quase da mesma forma em que foi observado há muito tempo.
E a distância de tais corpos para nós? Falar que eles são “infinitamente distantes” seria, ainda, um eufemismo. Pelo fato de que muitos deles estão a inimagináveis anos-luz de nós, é bastante evidente que, ao observá-los, estamos os vendo como foram no passado. Estamos vendo o passado! E isso em uma simples observação ao céu. A propósito, se for levar ao pé da letra, qualquer feixe de luz que podemos observar sendo emitido de qualquer objeto reflete o passado de tal objeto, por mais que seja um passado bem próximo.
Mas, mesmo que estejamos observando frutos de processos passados, no momento presente, o corpo celeste do qual estamos a tratar pode estar sendo uma base para mais outros complexos processos. Por meio da cor que um corpo emite, podemos, através de uma técnica chamada de espectroscopia, saber qual sua composição. Vou mais além: a cor de um corpo que produz sua própria energia é totalmente relacionada à sua temperatura e à sua classificação (super-gigante, gigante vermelha, etc..) por meio do diagrama de Hertzprung-Russel. Quanto mais azulado, maior a temperatura; quanto mais vermelho, menor.
O corpo também pode estar produzindo sua energia. Um dos processos capaz de realizar isso é a fusão nuclear, que consiste em, literalmente, juntar dois tipos de átomos para formar um novo átomo e, no meio da reação, são liberadas várias partículas, como neutrinos ou a própria luz (qual é, para fins didáticos, considere a luz como formada de partículas). É assim que o nosso sol produz a nossa energia. Aliás, muitas daquelas projeções em nossas esfera celeste podem ser vários sóis. Imagine um sistema solar para cada um deles, cada um com 9 planetas, cada um contendo vida. Óbvio que é apenas uma suposição, pois não sabemos da existência de vida extra-terrestre, mas é impossível não imaginar isso depois de todo esse pensamento.
Alguns corpos, no entanto, são os próprios planetas do sistema solar. Mas como eu sei que são planetas? Simples! Não dá para diferenciar com uma única observação, porém, há muito tempo, ao fazer um longo período de acompanhamento do rastro deixado por um planeta na esfera celeste, astrônomos descobriram que seu comportamento era diferente dos outros astros, pois descrevia uma órbita errante. Seu trajeto não é contínuo; se pudéssemos desenhar uma linha, veríamos que, em algum momento, ela descreveria um “Z” no céu. Isso só pode ser explicado pela velocidade de translação diferente entre a Terra e o planeta, mas não é algo se discutir agora.
Isso tudo pode ser pensado em uma observação ao céu. O fascínio que o conhecimento proporciona é impressionante. E o sistemismo e a interdisciplinaridade dele também, afinal, não é apenas a emissão (ou reflexão) da luz que faz com que você veja os corpos celestes. E a biologia, então, surge.
Uma estrela emite um feixe de luz. Esse feixe demora 300 anos para chegar na Terra. Pode ser desviado pela gravidade de alguns astros ou pela atmosfera da Terra. Chega ao nosso olho. Mas é um feixe muito pequeno. É preciso de a pupila seja dilatada para que mais luz entre e, assim, o pequeno ponto seja observado. Quem dilata a pupila é o músculo radial da íris. É um músculo do tipo liso. Ele precisa ser estimulado para contrair-se, e tal estímulo ocorre a partir de um nervo. O nervo, ao receber um outro estímulo, libera uma substância conhecida como Acetil-colina em receptores conhecidos como muscarínicos do músculo radial da íris. Assim que os receptores recebem a substância, irão mudar os pólos da célula muscular. Antes, devido à concentração de íons, o exterior da célula possuía uma polaridade positiva, enquanto o interior uma polaridade negativa. No momento em que a Acetil-colina age, a polaridade inverte e essa polarização ativa canais responsáveis pelo transporte de cálcio do meio extra para o intracelular. Esse cálcio agirá sobre fibras musculares, proporcionando a contração.
E, assim, sua pupila dilata-se. No entanto, o objeto está muito longe. É preciso que o foco seja ajustado. É uma estrutura conhecida como cristalino que faz isso. Ela afrouxa-se em consequência do relaxamento do músculo ciliar, responsável por sua contração. À medida que a luz passa pelo cristalino, ela segue para estruturas dentro do olho que originarão o nervo óptivo. Tal nervo percorrerá um caminho começando, primeiramente, a passar pelo canal do nervo óptico (uma abertura no crânio) e, então, juntando-se com o nervo do outro olho. Depois, seguem em direção ao lobo occipital do cérebro, onde o estímulo é interpretado e você consegue ver o pontinho brilhante.
Geralmente, quando observo para um local assim, meu olho lacrimeja. Lágrimas essas constituídas de várias substâncias. Uma delas é uma camada lipídica, produzida por glândulas localizadas na pálpebra do olho e que, por serem pouco voláteis e menos densas, impedem a evaporação da lágrima e consequências disso.
E isso tudo em uma observação ao céu. É assim que me fiz apaixonar pela ciência. O mundo é mais interessante quando você sabe como ele funciona. E, entre nós, tentei não aprofundar no que falei para facilitar o entendimento, mas todos esses fenômenos são mais complexos do que parecem ser. E, só mais uma coisa: proferindo uma porcentagem arbitrária, isso não é 1% do que acontece enquanto se olha para as estrelas (mas não sou eu que vou procurar o resto das coisas por você).
Texto inspirado por Luiz Pachú.