Por Kandice Rawlings e Tim O’Neill
Publicado no OUPblog e no Quora
Embora não haja dúvidas de que Leonardo foi um artista notável, muitas vezes ele é creditado com influência e significado em outros campos que ele simplesmente não tinha. Podemos ler regularmente que ele era um “cientista” e que inventou invenções que “mudaram o mundo”. Podemos ler afirmações de que seus desenhos anatômicos foram “altamente influentes” e que “ao combinar os estudos anatômicos com sua arte (ele) ajudou a inventar os estudos de anatomia moderna”. Também somos regularmente informados de que ele foi “um homem à frente de seu tempo” e que “foi a primeira pessoa a projetar uma máquina voadora, séculos antes dos irmãos Wright”.
Todas essas declarações são substancialmente absurdas. Leonardo, como um artesão altamente habilidoso e criativo, produziu algumas belas pinturas e demonstrou uma vasta curiosidade sobre o mundo por meio de seus esboços e de seus remendos de ideias. Mas seu status como um “cientista, anatomista e inventor” que estava séculos à frente de seu tempo é extremamente exagerado e é em grande parte devido a mal-entendidos comuns sobre o que esses títulos significam e uma ignorância geral sobre seu contexto histórico e as tradições medievais e precursores que surgiram antes dele. A seguir, estão alguns desses mitos.
Mito #1: Leonardo escrevia ao contrário para manter suas ideias em segredo, e seus cadernos não foram “decodificados” até muito depois de sua morte

Mito #2: Leonardo colocou códigos e símbolos secretos em suas obras

Mito #3: Leonardo foi um cientista muito à frente de seu tempo

Portanto, em certo sentido, havia “cientistas” na época de Leonardo. O problema é que ele não era um deles. Leonardo não participava das discussões de sua época sobre física, óptica, mecânica ou astronomia principalmente porque, como artesão, não tinha formação para isso. Ele não teve nenhum treinamento em matemática e nenhuma educação em lógica e raciocínio indutivo, bases das conversas protocientíficas. Como resultado, ele não fazia parte deles.
Quando a maioria das pessoas fala que ele era um “cientista”, estão pensando em sua engenharia e, mais frequentemente, em seus esboços de algumas máquinas altamente especulativas. No mundo moderno, “ciência” e “tecnologia” estão intimamente ligadas, com uma geralmente levando diretamente à outra na maioria dos casos. Mas esse vínculo não existia na época de Leonardo.
Ele era considerado um artesão, embora altamente habilidoso e criativo. Como tal, ele poderia ser contratado para pintar um retrato a óleo, criar uma estátua equestre fundida em bronze, produzir um afresco, projetar uma máquina de cerco ou drenar um pântano. Esses são os tipos e variedades de coisas que se esperava que os artesãos fizessem durante a Idade Média, e Leonardo fazia parte dessa tradição. Ele nem mesmo era um “artista” no sentido romântico moderno (principalmente do século XIX). Ele era um artesão que podia dedicar-se a uma variedade de projetos criativos práticos, conforme os clientes exigissem. Mas ele não era um “cientista”.
Mito #4: Leonardo foi a primeira pessoa a produzir desenhos detalhados do corpo humano e seus estudos anatômicos revolucionaram a anatomia moderna

A singularidade de seus desenhos também costuma ser exagerada. A dissecação humana para o estudo da anatomia foi revivida no final da Idade Média, após séculos de negligência devido aos tabus greco-romanos sobre cadáveres que sufocaram esse estudo no mundo antigo. Desenhos anatômicos baseados em dissecações apareceram pela primeira vez no século XIV e aumentaram em habilidade e sofisticação a partir desse ponto. À medida que os artistas se interessavam cada vez mais pelo realismo anatômico, o estudo desses desenhos e o uso de dissecações para entender a musculatura e como o corpo é composto passaram a fazer parte do estudo de jovens pintores, e Leonardo aprendeu isso com seu mestre Verrocchio. Mas, como todos os artistas de seu tempo que estudaram anatomia, ele e seu mestre estavam desenhando e trabalhando dentro de uma tradição estabelecida de desenho anatômico, que Leonardo não tinha inventado.
Se alguém pode ser creditado como revolucionário do desenho anatômico neste período, é Jan van Calcar, o artista que produziu as xilogravuras soberbamente detalhadas que acompanharam De humani corporis de Andreas Vesalius (1543). Embora não tão bons artisticamente quanto os de Leonardo, eram muito mais precisos anatomicamente e, ao contrário dos esboços particulares de Leonardo, foram amplamente publicados e tiveram grande influência em todos os estudos anatômicos posteriores.
Mito #5: Leonardo inventou paraquedas, helicópteros e a primeira máquina voadora, séculos antes dos Irmãos Wright

Ele é creditado por ter inventado coisas que foram “séculos à frente de seu tempo” e por ser o primeiro a conceber ideias “modernas” como o paraquedas, o helicóptero e uma máquina voadora. Nenhuma dessas afirmações é verdadeira. Esboços de um século antes do nascimento de Leonardo mostram que as pessoas já estavam familiarizadas com o conceito de paraquedas – pelo menos o suficiente para desenhar um que pareça pouco prático em uso.
A máquina semelhante a um helicóptero que ele esboçou nunca teria funcionado, mas o conceito de lâminas giratórias que fornecem sustentação já era conhecido o suficiente para ser a base para um brinquedo infantil da Idade Média tardia, onde um rotor puxado por uma corda poderia ser feito para voar de uma vara de mão.
E, longe de ser uma inovação de Leonardo, as pessoas não só pensavam ou mesmo projetavam máquinas voadoras muito antes de Leonardo, como realmente fizeram o que ele nunca fez: construir e voar com elas. Ailmer de Malmsbury, um monge beneditino medieval, construiu e voou um planador funcional em meados do século XXI – séculos antes mesmo de Leonardo nascer.


