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Pseudociências

Por Mario Bunge
Publicado no Cien Ideas

Uma pseudociência é um montão de macanas (qualquer bobagem) que são vendidas como ciência. Exemplo: alquimia, astrologia, caracterologia, comunismo científico, criacionismo científico (recentemente rebatizado como “design inteligente”), grafologia, memética, ovinologia, parapsicologia, psicanálise.

Como se reconhece uma pseudociência? Reconhece-se por possuir pelo menos duas das dez características seguintes:

  1. Invoca entes imateriais ou sobrenaturais inacessíveis ao exame empírico, tais como força vital, alma imaterial, super-ego, criação divina, destino, memória coletiva e necessidade histórica.
  2. É crédula: não submete suas especulações a prova alguma. Por exemplo, não há laboratórios homeopáticos e nem psicanalíticos. Correção: na Universidade de Duke funcionou por um certo tempo, o laboratório parapsicológico do botânico J. B. Rhine; e na de Paris existiu o laboratório homeopático do Dr. Beneviste. Mas ambos foram fechados quando se descobriu que haviam cometido fraudes.
  3. É dogmática: não muda seus princípios quando falham nem com o resultado de novas descobertas. Não busca novidades, está ligada a um corpo de crenças. Quando muda, o faz apenas em detalhes e em resultado de desavenças no rebanho.
  4. Rejeita a crítica, herbicida normal na atividade científica, alegando que está motivada por dogmatismo ou por resistência psicológica. Recorre pois, ao argumento ad hominem ao invés do argumento honesto.
  5. Não encontra e nem utiliza leis gerais. Os cientistas, por outro lado, buscam ou usam leis gerais.
  6. Seus princípios são incompatíveis com alguns dos princípios mais seguros da ciência. Por exemplo, a telecinesia contradiz o princípio da conservação de energia. E o conceito de memória coletiva contradiz a obviedade de que só um cérebro individual pode recordar.
  7. Não interage com nenhuma ciência propriamente dita. Em particular, nem psicanalistas e nem parapsicólogos têm trato com a neurociência. À primeira vista, a astrologia é a exceção. Mas apenas toma sem dar nada em troca. As ciências propriamente ditas formam um sistema de componentes interdependentes.
  8. É fácil: não requer uma larga aprendizagem. O motivo é que não se funda sobre um corpo de conhecimentos autênticos. Por exemplo, quem pretende investigar os mecanismos neurais do esquecimento ou do prazer terá de começar a estudar neurobiologia e psicologia, dedicando vários anos a trabalhos de laboratório. Por outro lado, qualquer um pode recitar o dogma de que o esquecimento é efeito da repressão, ou de que a busca do prazer obedece ao “princípio do prazer”. Buscar conhecimento novo não é o mesmo que repetir ou mesmo inventar fórmulas vazias.
  9. Só a interessa o que possa ter uso prático: não busca a verdade desinteressada. Nem admite ignorar algo: tem explicação para tudo. Mas seus procedimentos e receitas são ineficazes por não se fundamentarem em conhecimentos autênticos.
  10. Mantém-se à margem da comunidade científica. É dizer, seus sectários não publicam em revistas científicas e nem participam de seminários ou congressos abertos à comunidade científica. Os cientistas, por outro lado, expõem suas ideias à crítica de seus pares: submetem seus artigos a publicações científicas e apresentam seus resultados em seminários, conferências e congressos.

Vejamos um exemplo de como trabalham os cientistas quando abordam problemas que também interessam aos pseudocientistas. Em 1998, os psicobiólogos J. S. Morris, Arne Ohman e R. J. Dolan publicaram na célebre revista Nature um trabalho sobre aprendizagem emocional consciente e inconsciente na amígdala humana. Já que este artigo trata de emoções conscientes e inconscientes, pareceria ser de interesse aos psicanalistas. Mas não lhes interessa porque os autores estudaram o cérebro, enquanto que os analistas se ocupam da alma: não saberiam o que fazer com cérebros, alheios ou próprios, em um laboratório de psicobiologia.

Assim, a amígdala cerebral é um órgão diminuto, mas evolutivamente muito antigo, que sente emoções básicas tais como o medo e a fúria. Dada a importância destas emoções na vida social, é fácil imaginar os transtornos de comportamento que uma pessoa com amígdala normal sofre, seja atrofiada ou hipertrofiada. Se é o primeiro caso, não reconhecerá sinais perigosos. Se é o segundo, será propensa à violência.

A atividade da amígdala cerebral pode ser registrada mediante um escaner PET. Este aparelho permite detectar objetivamente as emoções de um sujeito em cada lado de sua amígdala. Contudo, tal atividade emocional pode ou não aflorar na consciência. O seja, uma pessoa pode estar assustada ou brava inadvertidamente.

Como se sabe? Juntando um teste psicológico à observação neurobiológica. Por exemplo, se a um sujeito normal é mostrada uma cara de bravo, e em seguida uma cara sem expressão, ele informará que viu a segunda e não a primeira. Repressão? Os dados científicos citados não se contentaram em batizar o fenômeno. Repetiram o experimento, mas agora associaram a cara de bravo com um estímulo negativo: um intenso e irritante ruído “branco”, ou seja, não significativo. Neste caso, a amígdala foi ativada pela imagem visual, mesmo quando o sujeito não se recordou de tê-la visto. Ou seja, a amígdala cerebral “sabe” algo que ignora o órgão da consciência (seja qual for).

A princípio, com o método que acabo de descrever brevemente, poder-se-ia medir a intensidade de uma emoção. Por exemplo, poderia-se medir a intensidade do ódio, que segundo Freud, um homem sente por seu pai. Contudo, antes de proceder a tal medição, teria-se de estabelecer a existência do Complexo de Édipo. Mas este não existe, como mostraram as investigações de campo do professor Arthur P. Wolf, condensadas em seu grosso tomo Sexual Attraction and Childhood Association (1995).

As pseudociências são como os pesadelos: desaparecem quando examinadas à luz da ciência. Entretanto, infectam a cultura e algumas delas são de grande proveito pecuniário para seus sectários. Por exemplo, um psicanalista latino-americano pode ganhar em um dia o que seu compatriota cientista ganha em um mês. O que refuta o provérbio, “nem tudo que reluz é ouro”.

Glauber Frota

Glauber Frota

Cético desde que me entendo por gente, quando comecei a questionar se Deus tinha face. Headbanger nas horas vagas, técnico em informática - buscando aperfeiçoamento - e em dúvida quanto a seguir carreira pública, acadêmica ou privada. Ávido autodidata. Interessado por filosofia da ciência (com ênfase às ciências naturais), história da filosofia, história da ciência, filosofia política, política geral, economia, direitos humanos, psicologia, psiquiatria (incluindo forense) e cultura em geral. Crítico das ditas "modas anti-intelectuais" tais como as pseudociências e correntes filosóficas como o existencialismo, a fenomenologia, diversas vertentes de idealismo, as correntes de pensamento "pós-modernas" e culturas comerciais. Buscador de um mundo moderno, mais justo e igualitário através da ciência e da tecnologia. Onde o charlatanismo e o "macaneo", que em espanhol platino é gíria para "embuste", ou mesmo, "delírio", não encontram lugar.