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Telecinese e Teoria Quântica de Campos

Por Sean Carroll
Publicado no Preposterous Universe

Frente à grande disseminação de crendices populares, parece válido detalhar a afirmação que fenômenos parapsicológicos são inconsistentes com as leis da física conhecidas. O ponto principal aqui é que, enquanto certamente existem muitas coisas que a ciência moderna não entende, também há muitas coisas que ela de fato entende, e elas simplesmente não permitem telecinese, telepatia, etc. O que não significa dizer que nós possamos provar que essas coisas são reais. Nós não podemos, mas essa é uma afirmação completamente sem valor, uma vez que a ciência nunca prova nada; a ciência simplesmente não funciona assim. Em vez disso, ela acumula evidências empíricas a favor ou contra várias hipóteses. Se nós pudermos mostrar que fenômenos psíquicos são incompatíveis com as leis da física que nós entendemos no momento, nossa tarefa será apenas balancear a relativa plausibilidade de que “algumas pessoas foram vítimas de pesquisas malfeitas, testemunhos não confiáveis, viés de confirmação e desejo de acreditar” contra “as leis da física que foram testadas por uma enorme quantidade de experimentos rigorosos e de alta precisão ao longo de muitos anos estão erradas em alguma maneira tangível, mas microscópica, que ninguém nunca notou”.

O conceito crucial aqui é que, na estrutura moderna da física fundamental, não apenas nós sabemos certas coisas, mas nós possuímos uma compreensão bastante precisa dos limites do conhecimento confiável. Nós entendemos, em outras palavras, que ainda que surpresas inevitavelmente surgirão (enquanto cientistas, isso é tudo que nós torcemos), há certas classes de experimentos que são garantidos de não gerarem resultados empolgantes – essencialmente porque o mesmo ou equivalentes experimentos já foram realizados.

Um exemplo simples é providenciado pela Lei da Gravidade de Newton, a famosa lei do inverso ao quadrado. É uma lei bem-sucedida da física, boa o suficiente para mandar astronautas para a Lua e de volta. Mas ela certamente não é uma verdade absoluta; de fato, nós já sabemos que ela é falha, devido à condições da relatividade geral. Ainda assim, há um regime no qual a gravidade newtoniana é uma aproximação eficaz, boa pelo menos até uma acurácia bem definida. Nós podemos dizer com confiança que se você está interessado na força devido à gravidade entre dois objetos separados por uma certa distância, com certas massas, a teoria de Newton dá a resposta com precisão. A grandes distâncias e grandes precisões, o domínio de validade é formalizado pelo formalismo parametrizado pós-newtoniano. Há um conjunto numerável de maneiras pelas quais a moção de partículas-teste podem desviar da gravidade newtoniana (bem como da relatividade geral), e nós podemos te dizer quais são os limites em cada uma delas. A pequenas distâncias, o comportamento de inverso ao quadrado da lei da gravidade certamente para de funcionar; mas nós podemos te dizer exatamente a escala acima na qual ela não irá parar de funcionar (cerca de um décimo de um décimo de um milímetro). Nós podemos quantificar o quão bem esse conhecimento se estende à diferentes tipos de materiais; nós sabemos muito bem que as leis de Newton funcionam bem para a matéria ordinária, mas que a precisão para a matéria escura é compreensivelmente não tão boa.

Esse conhecimento tem consequências. Se nós descobrirmos um novo asteroide indo rumo à Terra, nós podemos usar com confiança a gravidade newtoniana para prever a sua órbita futura. De um ponto de vista rigoroso, alguém poderia dizer “Mas como você sabe que a gravidade newtoniana funciona nesse caso em específico? Ela não foi testada para esse asteroide em específico“. E isso é verdade, porque a ciência nunca prova nada. Mas não vale a pena se preocupar, e qualquer pessoa fazendo essa sugestão não seria levada a sério.

Tal como asteroides, também é assim com seres humanos. Nós somos criaturas do universo, sujeitas às mesmas leis da física que todo o resto. Como todos sabem, há muitas coisas que nós não entendemos sobre neurociência e biologia, para não mencionar as leis da física. Mas há muitas coisas que nós de fato sabemos, e só as características mais básicas da teoria quântica de campos são suficientes para descartar a ideia que podemos influenciar objetos à distância puramente através do pensamento.

O exemplo mais simples é a telecinese, a habilidade de mover um objeto remotamente usando poderes psíquicos. Para propósitos de definição, vamos considerar o poder de entortar colheres, reivindicado não apenas por Uri Geller, mas também pelo autor e negacionista climático Michael Crichton.

O que as leis da física têm a dizer sobre entortar colheres? Abaixo, nós vamos pela lógica.

  • Colheres são feitas de matéria ordinária

Isso soa incontroverso, mas vale a pena explicar. Colheres são feitas de átomos, e nós sabemos do que átomos são feitos – elétrons ligados por fótons em um núcleo atômico, que por sua vez consiste de prótons ou nêutrons, que por sua vez são formados de quarks ligados por gluons. Cinco espécies de partículas no total: quarks up e down, glúons, fótons e elétrons. Só isso.

Não há espaço para tipos extras de partículas misteriosas penduradas, como uma aura, à matéria de uma colher. Isso é porque nós sabemos como as partículas se comportam. Se houvesse algum outro tipo de partícula na colher, ela teria que interagir com matéria ordinária que sabemos estar ali – de outra forma, ela não iria se ligar, ela iria apenas passar direto, assim como neutrinos passam através da Terra praticamente sem perturbações. E se tivesse algum tipo de partícula que interagisse com as partículas ordinárias da colher com força o suficiente para grudar na colher, nós conseguiríamos facilmente fazê-la em experimentos. As regras da teoria quântica de campos relacionam diretamente as taxas de interação entre partículas com a facilidade com as quais podemos criá-las no laboratório, dada energia suficiente. E nós sabemos exatamente quanta energia está disponível em uma colher; nós sabemos as massas dos átomos e a energia cinética das moções termais do metal. Considerando-as juntas, nós podemos dizer sem medo de errar que quaisquer partículas novas que possam existir em uma colher já teriam sido detectadas em experimentos há muito tempo.

Novamente: imagine que você inventou um novo tipo de partícula relevante à dinâmica das colheres. Me diga sua massa e suas interações com a matéria ordinária. Se for muito pesada ou interagir de maneira muito fraca, ela não pode ser criada ou capturada. Se for suficientemente leve e de interação forte, ela já terá sido criada e capturada muitas vezes nos experimentos já realizados. Não há meio-termo. Nós entendemos completamente o regime das colheres, apesar do que você ouviu no Matrix.

  • A matéria interage através de forças

Nós sabemos já há um bom tempo que a forma de mover um objeto é exercer força sobre ele – a Lei de Newton, F=MA, é pelo menos a segunda equação mais famosa da física. No contexto da teoria quântica de campos, nós sabemos precisamente como forças surgem: através da troca de campos quânticos. Nós sabemos que só dois tipos de campos existem: bósons e férmions. Nós sabemos que forças macroscópicas só surgem a partir da troca de bósons, não de férmions; o princípio de exclusão proíbe os férmions de se acumularem no mesmo estado para criarem um campo de força de longo alcance coerente. E, talvez, mais importante, nós sabemos que forças podem se acoplar às propriedades dos campos de matéria que compõem um objeto. Essas propriedades incluem localização, massa, spin, e várias “cargas” como carga elétrica ou número de bárion.

É aqui que entra o ponto anterior. Colheres são apenas um certo arranjo de cinco tipos de partículas elementares – quarks up e down, glúons, elétrons e fótons. Então se houvesse alguma força que se move ao redor da colher, ela vai ter que se acoplar à alguma dessas partículas. Uma vez que você me diga quantos elétrons, etc, existem na colher, e o arranjo de suas posições e spins, nós podemos dizer com confiança como qualquer tipo de força em particular irá influenciar a colher; nenhuma informação adicional é necessária.

  • Só existem duas forças de longo alcance fortes o suficiente para influenciar objetos macroscópicos – eletromagnetismo e gravidade

Claro, nós trabalhamos duro para descobrir diferentes forças na natureza, e até agora identificamos quatro: gravitação, eletromagnetismo, e as forças nucleares forte e fraca. Mas as forças nucleares são de curto alcance, menor que o diâmetro de um átomo. Gravitação e eletromagnetismo são as únicas forças detectáveis que se propagam por grandes distâncias.

Poderia ou a gravitação ou o eletromagnetismo serem responsáveis pelo entortar colheres? Não. No caso do eletromagnetismo, seria ridiculamente fácil detectar os tipos de campos necessários para exercer força suficiente para influenciar uma colher. Para não mencionar que o cérebro humano não é construído para gerar ou focar esses campos. Mas o verdadeiro ponto é que, se fossem campos eletromagnéticos causando o entortar das colheres, seriam muito, muito notáveis (e o foco seria em influenciar imãs e circuitos, não entortar colheres).

No caso da gravitação, os campos são simplesmente fracos demais. Gravidade se acumula em proporção à massa da fonte, então o arranjo de partículas dentro do seu cérebro terá um efeito gravitacional muito menor do que a simples posição da sua cabeça – e isso é muito fraco para mover colheres. Uma bola de boliche seria mais eficiente, e a maioria das pessoas concordaria que uma bola de boliche passando por uma colher tem um efeito insignificante.

Poderia haver uma força, ainda não detectada pela ciência moderna? Claro! O próprio autor original do texto já propôs algo assim. Físicos não são mente fechada a respeito de tais possibilidades; eles são muito empolgados com elas. Mas eles levam os limites experimentais muito a sério. E esses limites mostram de forma inequívoca que qualquer nova força precisa ser ou de alcance muito curto (menos de um milímetro), ou muito mais fraca do que a gravidade, que já é uma força extremamente fraca.

O ponto é que tais forças são caracterizadas por três coisas: o seu alcance, a sua magnitude e sua fonte (a que elas se acoplam). Como discutido acima, nós sabemos quais as fontes possíveis relevantes à colheres: quarks, glúons, fótons e elétrons. Então tudo que temos de fazer é um grupo de experimentos que procure por forças entre diferentes combinações dessas partículas. E esses experimentos já foram feitos! A resposta é: quaisquer forças que ainda possam estar se escondendo por aí são ou de alcance (muito) curto demais para afetar objetos do dia a dia, ou (muito) fracas demais para ter efeitos observáveis.

Aqui está um gráfico dos atuais limites dessas forças, do grupo Eot-Wash na Julianne’s home institution. Esse gráfico em particular é para forças que se acoplam ao número total de prótons mais nêutrons; gráficos similares existem para outras fontes possíveis. O eixo horizontal é o alcance da força; ele varia de alguns milímetros à dez bilhões de quilômetros. O eixo vertical é a potência da força, e a região acima da linha colorida foram excluídas por um ou mais experimentos. Em escalas de metros, relevantes para entortar colheres com a sua mente, a força nova mais forte possível de existir seria de um bilionésimo da força da gravidade. E lembrem-se, a gravidade é fraca demais para entortar uma colher.

É isso. Terminamos. A lição profunda é que, ainda que a ciência não saiba de tudo, ela também não é “vale-tudo”. Tem regimes bem definidos de fenômenos físicos onde nós sabemos sim como as coisas funcionam, ponto final. O lugar para procurar por novos e surpreendentes fenômenos é fora desses regimes. Você não precisa preparar elaborados protocolos de duplo-cego para emitir julgamentos para as habilidades dos supostos psíquicos. Nosso conhecimento das leis da física as descartam. Especulações em contrário não são a providência de bravos visionários, e sim os sonhos de um lunático.

Uma linha de raciocínio similar seria aplicável à telepatia ou outros fenômenos parapsicológicos. É um pouco menos decidido, porque, no caso da telepatia, a influência está supostamente viajando entre dois cérebros humanos, em vez de um cérebro com uma colher. O argumento é exatamente o mesmo, mas há aqueles que gostam de fingir que nós não entendemos como as leis da física funcionam dentro do cérebro humano. É certamente verdade que há muita coisa que não sabemos sobre o pensamento e consciência na neurociência, mas o fato é que nós entendemos as leis da física no regime cerebral perfeitamente bem. Para acreditar algo diferente, você teria que imaginar que os elétrons individuais obedeceriam à leis físicas diferentes por residirem no cérebro humano, em vez de um bloco de granito. Mas se você não se importa com violar as leis da física em regimes onde elas foram exaustivamente testadas, então realmente vale tudo.

Alguns irão argumentar que a parapsicologia pode ser tão legitimamente “científica” quanto a paleontologia ou a cosmologia, desde que siga a metodologia de investigação científica. Mas essa é um atitude muito ignorante para ser sustentável. Se parapsicólogos seguissem o método científico, eles iriam olhar para o que sabemos das leis da física, perceber que o objeto de estudo desejado já foi descartado, e dentro de trinta segundos declarar o fim do ramo. Qualquer coisa diferente disso é pseudociência, com a mesma certeza que podemos classificar assim ramos como a astrologia, frenologia ou cosmologia Ptolomaica. A ciência é definida pelos seus métodos, mas também obtém resultados; e ignorar esses resultados é violar esses métodos.

Admito, porém, que é verdade que tudo é possível, já que a ciência não prova nada. É certamente possível que o próximo asteroide que se aproxime obedeça a uma lei de inverso ao cubo, em vez de uma de inverso ao quadrado; nós nunca saberemos com certeza, nós só podemos falar em probabilidades e possibilidades. Dito isso, eu colocaria a probabilidade de algum tipo e fenômeno parapsicológico vir a ser verdadeiro em torno de (substancialmente) um bilhão para um. Nós podemos comparar isso com o sucesso bem estabelecido da física de partículas e teoria quântica de campos. O orçamento total para físicos de alta-energia no mundo todo é de provavelmente alguns bilhões de dólares por ano. Portanto, eu alegremente aceitaria patrocinar pesquisas em parapsicologia ao nível de alguns poucos dólares por ano. Diabos, eu estaria até disposto a subir para uns vinte dólares por ano, só por segurança.

Que nunca seja dito que eu sou qualquer coisa além de um indivíduo de mente aberta.

Lucas Rosa

Lucas Rosa

Lucas Rodolfo de Oliveira Rosa é graduado em Ciências Biomédicas pela UNESP e Mestrando em Biologia Funcional e Molecular pela UNICAMP. Entusiasta pela ciência desde criança, Lucas é colaborador do Universo Racionalista e Editor-Chefe em Mural Científico (www.muralcientifico.com), sua plataforma aberta de divulgação científica nacional e internacional. Lattes http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4854743Z0