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Toda física é local

Por Sean Carroll
Publicado no
The Atlantic

Depois de décadas de antecipação, temos detectado diretamente ondas gravitacionais – ondulações no espaço-tempo viajando na velocidade da luz através do universo. Cientistas do LIGO (Laser Interferometer Gravitational-wave Observatory) anunciaram que mediram as ondas provenientes da espiral de dois buracos negros maciços, proporcionando uma confirmação espetacular da teoria da relatividade geral de Albert Einstein, cujo centenário foi comemorado no ano passado.

Uma recapitulação artística do que aconteceu quando duas estrelas orbitando se fundiram, resultando em ondas gravitacionais. (NASA / CXC / GSFC / T.Strohmayer)
Uma recapitulação artística do que aconteceu quando duas estrelas orbitando se fundiram, resultando em ondas gravitacionais. Créditos: NASA / CXC / GSFC / T.Strohmayer.

Encontrar ondas gravitacionais indicava que Einstein estava (mais uma vez) correto, e abre uma nova janela para eventos energéticos que ocorrem em todo o universo. Mas, ainda assim, há uma lição mais profunda: um lembrete da importância central da localidade, uma ideia que está subjacente em grande parte da física moderna.

Localidade pode ser pensada como a simples noção de que os sinais e as influências não aparecem instantaneamente no universo, “o que acontece aqui é afetado pelo que está acontecendo nas suas proximidades, não pelo que está acontecendo longe”. Isto leva tempo para se propagar através do espaço. Parece óbvio, mas antes de Einstein mostrar, não era assim que pensávamos que a gravidade funcionava.

Entre os anos de 1687 e 1915, a nossa melhor compreensão da gravidade foi proposta por Sir Isaac Newton. Quando Newton formulou a famosa lei do inverso do quadrado da distância, no qual afirma que a intensidade da força gravitacional entre dois objetos é proporcional à massa de cada uma delas, assim também com o inverso do quadrado da distância entre elas. Aproximadamente: A gravidade é mais forte quando os objetos são mais pesados, e quando eles estão mais próximos uns dos outros.

A gravidade tem uma força e uma direção. Em nossas vidas diárias, nós sentimos uma força apontando basicamente em direção ao centro da Terra. De acordo com Newton, a gravidade da Terra se estende longe, literalmente em todo o universo, embora ela cresça, de forma mais fraca, dependendo da localização que você comece. Assim como os movimentos da Terra, seus turnos de campos gravitacionais estão juntos a ele, instantaneamente, em todo o universo; a mudança instantânea é o que dá a gravidade newtoniana o caráter não-local. Outras estrelas e planetas também contribuem para a força gravitacional total, não tendo nenhum local em particular no espaço, mas, a princípio, poderíamos imaginar isolando a contribuição da Terra.

Podemos até imaginar o envio de sinais dessa maneira. Tudo faz com que a gravidade, então, seja como uma bola de boliche, provocando alterações na força gravitacional instantaneamente em todo o cosmos. Na prática, seria difícil escolher a força de um objeto minúsculo, mas pelos padrões de experimento mental não é muito diferente do que rádios reais fazem com ondas eletromagnéticas. Um detector de gravidade poderia medir como estávamos jogando nossa bola de boliche, e poderíamos usar o código Morse (ou qualquer outro meio) para enviar mensagens por ele.

Em um mundo newtoniano, essas mensagens iriam viajar instantaneamente a locais infinitamente distantes. Não só elas viajariam mais rápido que a luz, elas viajariam mais rápido do que qualquer coisa.

O próprio Newton nunca gostou desse recurso de sua própria teoria. Não principalmente sobre a velocidade instantânea da gravidade, mas pelo fato que a força parecia propagar através do espaço vazio, ao invés de propagar através de um meio, como o ar. Ele não gostava desta “ação à distância”, mas ele deixou a sua solução definitiva “para a consideração dos leitores”.

Atualmente, precisamos menos da necessidade de um “meio” através do qual as forças propagam. O próprio espaço-tempo é bom o suficiente para a física moderna. Dizemos que o espaço-tempo é impregnado com diferentes tipos de campos – incluindo os campos eletromagnéticos e os distúrbios no campo gravitacional, no qual podem se propagar até mesmo através do espaço vazio. Isso é o que as ondas eletromagnéticas são (raios-X, micro-ondas, ondas de rádio e de luz), assim como as ondas gravitacionais recém-descobertas.

Para os físicos modernos, é a parte “instantânea” da teoria de Newton que causa desconforto, não a falta de um meio para a gravidade viajar. Você gostaria de viver em um mundo onde os alienígenas tecnologicamente avançados na galáxia de Andrômeda podem – a princípio –escutar o que estávamos dizendo agora?

Felizmente, a teoria da relatividade de Einstein nos conta uma história diferente.

A relatividade geral de Einstein é uma teoria da gravidade. Ela diz que o espaço-tempo pode ser curvado, e nós sentimos os efeitos dessa curvatura pela força gravitacional. De acordo com a relatividade, a velocidade da luz coloca um limite absoluto sobre como influências podem viajar rapidamente através do espaço. A galáxia de Andrômeda está a dois milhões e meio de anos-luz de distância, de modo que seria necessário no mínimo cinco milhões de anos para enviar um sinal para lá e obter uma resposta de volta.

Todos nós já ouvimos sobre esta barreira na velocidade da luz, que se aplica a ondas gravitacionais, tanto quanto tudo o mais no universo. Mas vamos pensar um pouco mais profundamente sobre porque há tal limite. É aí que entra a localidade.

Deixe cair uma pedra em uma lagoa parada. Pequenas ondas ondulariam para fora, em um padrão circular. Nós naturalmente dizemos que essas ondas são “coisas” que “viajam” através da água, mas, ao mesmo tempo, reconhecemos que há uma descrição mais profunda. A água é feita de moléculas, e as moléculas continuam movendo-se e empurrando outras moléculas. A este nível microscópico da descrição, as moléculas da pedra empurram as moléculas de água no local onde a pedra entrou na água. Estas moléculas, por sua vez, empurram outras moléculas de água nas proximidades, e aquelas empurram uma sobre as outras um pouco mais longe, e assim por diante. É a ação coletiva de todas essas moléculas juntas que nos dá a impressão que “as ondas viajam através da água”.

As moléculas si só interagem quando elas literalmente chocam-se umas as outras muito perto. A pedra não afeta instantaneamente toda a água da lagoa. Ela afeta as moléculas de água em um local, que, em seguida, afeta as suas proximidades, em uma cadeia de ondulações nas bordas da lagoa. Isso é a localidade em ação: Mesmo que as ondas possam viajar distâncias impressionantes, num nível mais profundo, é apenas cada molécula mexendo com suas proximidades. Não há nenhuma ação à distância, assustadora ou de qualquer outra forma.

De acordo com Einstein, cada ação no universo é assim. Se movermos a Terra (ou um buraco negro maciço), seu campo gravitacional não muda instantaneamente em todo o universo. O campo muda de acordo com a localidade da Terra, e a mudança afeta o campo nas proximidades, e essa mudança afeta o campo um pouco mais para fora, e assim por diante, abaixo na linha. Essa é a origem das ondas gravitacionais: distúrbios no campo gravitacional, ondulando através do espaço-tempo pela velocidade da luz, assim como as ondulações que percebemos ao atirar uma pedra em uma lagoa.

Tanto quanto sabemos, é claro, o espaço-tempo não é feito de moléculas, ou mesmo de qualquer coisa análoga. O espaço-tempo simplesmente é um dos ingredientes fundamentais das nossas melhores teorias atuais do universo. Nós realmente não podemos explicar porque a localidade é uma parte tão importante do mundo físico; nós apenas a aceitamos como um fato bruto.

Isso pode não ser a resposta final. Tão boa quanto é a teoria da relatividade geral de Einstein, ela sofre com a falha fatal de não ser compatível com a mecânica quântica, a nossa melhor teoria do universo em escalas muito pequenas. A maioria dos físicos acreditam que a mecânica quântica acabará revelando-se mais fundamental do que a relatividade, o que quer dizer que as duas teorias serão conciliadas, encontrando alguma teoria quântica que reproduza a relatividade geral nas circunstâncias certas.

Na mecânica quântica, a localidade não parece ser um recurso tão importante como é na relatividade. Na verdade, em alguns aspectos, a mecânica quântica é flagrantemente não-local – que é a característica do “entrelaçamento”, um assunto que abordarei outro dia. Agora, vamos simplesmente deixar-nos imaginar um futuro em que nós entendemos a teoria quântica subjacente do universo, em que a relatividade geral aparece simplesmente como uma aproximação útil. Algum dia, as próprias noções de espaço, tempo e local poderão vir a ser emergentes, assim como ondas de água emergindo de moléculas.

Para chegar lá, temos de aprender tudo o que pudermos sobre como funciona o espaço-tempo no mundo real, e não apenas nas mentes dos físicos teóricos. Descobrir as ondas gravitacionais é um marco importante ao longo desse caminho.

Iran Filho

Iran Filho

Estudante de Análise e Desenvolvimento de Sistemas pela Universidade Potiguar (UnP) e entusiasta da tecnologia, filosofia, economia e ficção científica.