Pular para o conteúdo

Uma análise cética dos cientistas mais famosos (e supervalorizados) da atualidade

Por David Silva Valerio
Publicado na Skepticom

Em toda atividade humana – seja artística, esportiva ou acadêmica – existem indivíduos que se destacam sobre os demais. Alguns alcançam tal nível de excelência e suas contribuições são tão significativas, que tornam referências dentro de seu campo. Outras vezes, no entanto, acontece que alguns personagens sejam glorificados por outros meios, a crítica e/ou o público, apesar de seus questionáveis méritos. O carisma ajuda muito, uma boa campanha de marketing também, e, às vezes, basta estar no momento e lugar apropriado. Esse fenômeno não é desconhecido e é perfeitamente evidente na indústria do entretenimento, onde vemos com frequência celebridades que gozam de uma reputação que muitas vezes não está de acordo com os seus talentos.

Mas esse fenômeno é evidente em áreas como a ciência? Muitos cientistas também são figuras públicas, suas atividades laboratoriais são de domínio da comunidade e têm um alto grau de atenção por parte do público e dos meios (incluindo alguns que se converteram em memes). É possível que esse fenômeno aconteça também entre os divulgadores da ciência? Isto é, que existam personagens cujos méritos acadêmicos estão muito abaixo de sua reputação?

Pois bem, dizem que o verdadeiro ceticismo parte da crítica das coisas que gostamos. No meu caso, há muitas coisas que despertam o meu interesse e uma delas é, precisamente, a ciência. Assim, desta vez, eu proponho ser especialmente crítico com alguns de seus expoentes mais populares da atualidade. Por quê? Porque, em primeiro lugar, uma parte fundamental do exercício de raciocínio é saber distinguir os fatos, do que diz a publicidade. E, em segundo lugar, porque na ciência não há vacas sagradas inquestionáveis. Tudo pode ser analisado sob à luz da razão e da evidência, incluindo os próprios cientistas.

Como avaliar a contribuição de um cientista?

Existem várias maneiras de medir a contribuição de um pesquisador na ciência. Uma delas é a frequência com que suas publicações são citadas por seus pares. Isso é conhecido como índice H. O H-index é um sistema proposto pelo físico Jorge Hirsch para a avaliação qualitativa de pesquisadores da área de física. No entanto, isso se estendeu rapidamente para as demais disciplinas. Hoje é um dos métodos mais usados para avaliar o impacto dos pesquisadores de forma individual. Muitos autores o consideram como a forma mais segura de medir a qualidade científico do pesquisadores e também uma boa ferramenta para a avaliação da regularidade de produção e previsão de desempenho científico futuro, pois combina produtividade com impacto.

Em seu artigo original,  Hirsche explica: “Um cientista tem o índice h se h dos seus papers Np tem ao menos h citações cada e os outros papers (Np h) tem cada um ≤h citações”.

Para tornar mais simples, se um cientista tem N trabalhos que têm sido citados N ou mais vezes, logo, ele possui um índice h de acordo a N.

Hirsch sugere que, para os físicos, um índice h em torno de 10 a 12 pode ser suficiente para receber o posto de pesquisador em alguma universidade importante nos EUA. Um valor de 18 pode ser apropriado para a promoção de professor. De 15 a 20 pode significar ser eleito membro da Sociedade Americana de Física. Uma aplicação para a Academia Nacional de Ciência poderá requer um índice h maior que 45. Ademais, ele afirma que os biólogos tendem a ter maiores índices h que os físicos. Especificamente, verificou-se que entre os 36 novos recrutas da Academia Nacional de Ciências em ciências biológicas e biomédicas em 2005, o índice h ficou por volta de 57.

Se você ficou curioso e quer conhecer o índice H de um cientista, existem várias alternativas. A mais prática é através do ISI Web of Knowledge. A sua base de dados calcula automaticamente o índice H de qualquer pesquisador. Outra opção é o Publish or Perish, um programa que recolhe dados do Google Academic, disponível no Harzing. Também existem extensões para Firefox e Google Chrome que cumprem a mesma tarefa. Outra alternativa é calcular manualmente, organizando as publicações por número de citações, embora seja um trabalho muito mais engenhoso. É preciso levar em conta também que o índice H pode variar dependendo do meio que usamos para calculá-lo.

Popularidade versus Qualidade

A cultura popular criou vários heróis de culto em torno da ciência. Eles são considerados eminentes cientistas e reconhecidos como líderes em seus respectivos campos. Isso é, ao menos, o que se assume. Mas o que dizem os dados? Qual é a sua contribuição concreta para a ciência? Vamos analisar. Elegi quatro dos cientistas mais célebres do mundo para uma análise breve de seu desempenho acadêmico. Tenha em mente que, a ideia não é desmerecer o trabalho de quem quer que seja, qualquer contribuição para o corpo de conhecimento científico, por mínimo que seja, é inestimável. O ponto é simplesmente marcar uma linha entre a carreira midiática e a academia, para assim apreciar os cientistas pelo seu trabalho de investigação e não apenas pelo ralo publicitário que os rodeia.

Richard Dawkins: Zoólogo, divulgador científico e ativista secular. Suas publicações “Parental investment, mate desertion and a fallacy” (1976) e “Arms races between and within species” (1979) tiveram um bom número de citações por parte de seus pares. Introduziu os termos meme e memética, sendo, talvez, uma de suas mais significativas contribuições para a biologia. Sua última publicação científica que consta de uma investigação original foi “Do digger wasps commit the concorde fallacy?” (1980). Todas as demais publicações durante os últimos trinta anos têm sido capítulos de livros, resenhas de livros em revistas científicas, comentários sobre a pesquisa de outros, artigos de caráter filosófico e respostas aos seus críticos. Segundo a WOK, seu índice H é de 17, muito abaixo de outros cientistas da área de biológicas, como Craig Venter (índice H 35) que não gozam da mesma popularidade, ao menos midiaticamente. Goste ou não, é inegável que o Dr. Dawkins tem chamado mais atenção pelo seu ateísmo militante e rixas com religiosos do que pelos seus verdadeiros méritos acadêmicos.

Stephen Hawking: Físico teórico e cosmólogo. Foi um pesquisador produtivo até o final dos anos 70. Embora seja considerado por muitos um físico do mesmo nível de Einstein ou até mesmo de Newton, o seu trabalho mais influente não tem impacto relevante na física. Nas faculdades não se mencionam o trabalho de Hawking, exceto algumas referências informais a radiação Hawking e o seu teorema de singularidade desenvolvido em colaboração com Roger Penrose. Hoje, se dedica à divulgação científica, no entanto, nem todo mundo está feliz com seu trabalho como divulgador. Segundo o doutor em física Gustavo Romero, Hawking – longe de fazer uma contribuição para a popularização da ciênciatem convertido a cosmologia em uma espécie de circo. De acordo com Romero: “Hawking, creio eu, está fazendo um serviço muito fraco à ciência; de fato eu creio que ele esteja prejudicando. Em 1982, por exemplo, anunciou o fim da física teórica para o final do século XX em um marco de declarações ridículas que depois não se cumpriram, porque as fez sem fundamentos. Eu creio que a imagem que o cientista deve dar é a de nunca falar algo sem fundamento; é a essência da ciência. Ou seja, basear-se na evidência e na razão, e não, simplesmente, na especulação selvagem. O que Hawking faz é especulação selvagem”. As contribuições do professor Hawking a ciência são tão boas como as de muitos outros físicos medianos, o que não significa que seja um cientista medíocre, mas tampouco um dos gênios mais grandes da história, como muitos o consideram. Seu índice H é de 23, que está abaixo de físicos como Steven Weinberg ou Edward Witten, muito pouco conhecidos pelo público em geral. Há que reconhecer que esta imagem idealizada de um gênio cuja mente vaga pelo cosmos, enquanto o seu corpo está confinado a uma cadeira de rodas, tem sido a chave para a popularidade Hawking, muito mais do que suas contribuições à ciência.

Michio Kaku: Físico teórico, futurólogo e especialista na teoria de campo de cordas. Embora seja um dos pioneiros no modelo de cordas, o seu artigo mais citado “Properties of conformal supergravity” (1978) só conseguiu 96 citações. Uma publicação de perfil baixo, considerando que o paper mais citado no mesmo campo “The Large N Limit of Superconformal Field Theories and Supergravity” (Juan Martín Maldacena) chegou a mais de 7.500 referências. Atualmente, se dedica a divulgação científica, embora tenha sido criticado e ridicularizado pela sua tendência de exagerar algumas coisas acerca da física. Em 2013, Kaku foi muito criticado depois de uma entrevista na CBS Morning Show sobre a importância do Bóson de Higgs, onde demonstrou muito pouco conhecimento do tema, chegando a dizer que o Bóson de Higgs foi a causa do Big Bang. Seu índice H é de 11.

Neil deGrasse Tyson: Astrofísico, escritor e divulgador científico. Provavelmente faz um excelente trabalho como diretor do Planetário Hayden, mas não tem um histórico de publicações constantes. Seu último trabalho de pesquisa “Optical light curves of the Type IA supernovae SN 1990N and 1991T” foi publicado em 1998. Sua popularidade amentou ao ser eleito como sucessor de Carl Sagan na nova versão de Cosmos; Cosmos: A Space-Time Odyssey, que foi um fenômeno midiático, embora não esteve isenta de críticas pelas suas imprecisões científicas e históricas. Seu índice H de 6 é o mais abaixo da lista e, provavelmente, um dos mais baixos entre todos os divulgadores científicos. Tyson é um dos cientistas mais midiáticos e é considerado um rock star da astrofísica, mas a sua contribuição para o corpo de conhecimento científico é praticamente nula.

“Kim Kardashians” da Ciência

A discrepância entre a popularidade de alguns pesquisadores e a qualidade de suas publicações é bastante notória que existe até um índice para medi-la. Se trata do índice Kardashian (em alusão a Kim Kardashian, “famosa por ser famosa”) proposto – meio à brincadeira e meio à sério – por Neil Hall, geneticista da Universidade de Liverpool.

Hall afirma em Genome Biology: “Me preocupa que possa existir fenômenos similares aos de Kim Kardashian na comunidade científica. Creio que é possível que haja pessoas que são famosas pelo fato de serem famosas (ou, para dizê-lo no jargão científico, famosos por serem famosos). Todos somos conscientes de que certas pessoas são convidadas como principais oradores, não pelas suas contribuições à literatura publicada, mas por serem quem são. Na era das redes sociais, existem pessoas que têm blogs científicos ou contas de Twitter com muitos seguidores, mas que têm publicado pouquíssimos artigos de grande importância. Esses cientistas são considerados líderes de seu campo simplesmente pela sua própria notoriedade”.

A fórmula compara o número de seguidores nas redes sociais de um pesquisador com o número de citações de seus trabalhos científicos. No gráfico de cima, as X azuis representam os cientistas masculinos presentes no Twitter e as X vermelhas são as femininas. Assim, quanto maior for a quantidade de seguidores e menor quantidade de citações em suas publicações, maior é o risco de estar no “território de Kardashian”.

Nas três primeiras posições de personagens famosos em nível social, mas pouco reconhecidos pelo nível científico, segundo o índice proposto por Hall, se encontram Neil deGrasse Tyson, Brian Cox e Richard Dawkins.

Conclusão

De tudo que foi mencionado anteriormente, podemos concluir várias coisas. Primeiro, de fato, dentro da comunidade científica existem personagens que se destacam mais pelo seu carisma ou atividades extracurriculares do que por suas contribuições à ciência. E, em segundo lugar, o trabalho como divulgador científico e o desempenho como cientista são duas coisas diferentes, por isso, se um cientista goza de muita popularidade, não significa que ele tenha especialmente se destacado no âmbito acadêmico.

É importante ajustar nossas expectativas e ter uma visão informada, objetiva e crítica do valor que damos para determinadas figuras dentro da comunidade científica. A razão é não cair no culto à personalidade e manter sempre o conhecimento no centro do que se divulga. Estou seguro que, caso sejam realmente consistentes do ceticismo e do pensamento crítico que defendem, estarão de acordo comigo.

Douglas Rodrigues Aguiar de Oliveira

Douglas Rodrigues Aguiar de Oliveira

Divulgador Científico há mais de 10 anos. Fundador do Universo Racionalista. Consultor em Segurança da Informação e Penetration Tester. Pós-Graduado em Computação Forense, Cybersecurity, Ethical Hacking e Full Stack Java Developer. Endereço do LinkedIn e do meu site pessoal.