Por Ariel Insaurralde Alviso
Publicado na Ciencia del Sur
Podemos abordar a arte através da ciência? O Dr. Gustavo E. Romero considera que sim e vai muito mais além. O astrofísico do Instituto Argentino de Radioastronomia e divulgador do Ciencia del Sur escreveu um artigo acadêmico intitulado Outline of a theory of scientific aesthetics – ou o esboço de uma teoria científica da estética -, que foi recentemente aceito na revista interdisciplinar Foundations of Science.
O trabalho propõe um estudo científico da arte partindo da base de que ela não é uma ciência, mas se pode estudar tudo que estiver relacionado a ela. De acordo com o cientista, a experiência estética é muito complexa, razão pela qual também deve ser abordada pelas psicologia, sociologia e neurociência.
Para Romero, que está mais acostumado a trabalhar com buracos negros, não existem coisas belas em si, pois o que se estimam belas partem de um sistema de valores estéticos que um sujeito tem.
O professor Romero, além de seu trabalho em astrofísica relativística, tem realizado estudos filosóficos nos últimos anos, tomando como guia a filosofia científica.
Ciencia del Sur (CDS): Podemos pensar em uma estética baseada na ciência?
Gustavo Esteban Romero (GER): Sim, claro. A estética é a teoria da arte, e a arte é o produto de uma atividade humana. A ciência pode estudar os processos realizados por humanos em qualquer ordem. A arte em si não é científica, mas o estudo de como ela é produzida e do que ela é baseada pode ser.
CDS: A estética pode ser estudada?
GER: Como disse antes, a estética é a teoria da arte. Ela lida com questões como ‘O que é a experiência estética?’, ‘O que é uma obra de arte?’, ‘Como essas obras podem ser produzidas?’, São objetos materiais ou conceituais?’, ‘Eles podem existir independente dos seres humanos?’, Quais condições algo deve satisfazer para que possamos afirmar que é belo?’, ‘Qual é a relação entre valor estético e beleza?’ e muitas outras perguntas como essas. Certamente, para respondê-las, é necessário investigar artistas, obras de arte, movimentos sociológicos e muito mais.
CDS: De que ponto de vista podemos unir os escultores gregos clássicos, Oscar Wilde, Robert de Niro e Albert Einstein?
GER: Os indivíduos mencionados produziram objetos, sejam materiais, como esculturas, sejam conceituais, como teorias e obras literárias, que provocaram experiências estéticas em muitas pessoas. O mesmo pode ser dito das atuações e interpretações de um ator.
Há um valor estético que pode ser atribuído ao resultado do trabalho dessas pessoas. Não é necessário ser um artista consciente ou intencional para produzir objetos de apreciação estética. A experiência está na base dos nossos juízos de valor artísticos. A clarificação da natureza dessa experiência requer o uso, entre outras coisas, das ferramentas da ciência.
CDS: O que exatamente podemos quantificar ou qualificar com a ciência na arte?
GER: A primeira coisa a investigar é a classe de processos cerebrais associada à experiência estética. Ela tem padrões comuns que podem ser revelados através de estudos não invasivos que utilizam ressonância magnética e encefalografia em sujeitos expostos a diferentes estímulos estéticos.
Os estudos existentes revelam que a experiência estética é complexa, com ativação de áreas sensório-motoras, áreas subcorticais e estimulação da amígdala e da ínsula. Certas experiências estéticas também modificam a química do cérebro, liberam endorfinas e alteram os níveis de dopamina. A experiência estética parece ser extremamente complexa, com diferentes níveis e altamente dependente do estado do sujeito.
Por outro lado, a ciência pode investigar os aspectos sociológicos dos movimentos artísticos, bem como as relações psicológicas envolvidas nas interações artista-público e muitas outras coisas.
CDS: Podemos sugerir alguma definição de arte e de estética com base na filosofia científica?
GER: Claro. A arte é o resultado de uma atividade humana que tende a produzir experiências estéticas. O conceito de arte é complexo e requer, em sua formulação mais rigorosa, especificar muitos aspectos diferentes. Em meu trabalho, proponho 11 aspectos básicos para uma caracterização formal. Essa proposta, como qualquer proposta relacionada à ciência, é provisória e perfectível à luz da experiência.
CDS: Sua teoria científica da estética segue alguma tradição filosófica?
GER: Sim. É materialista, porque considera que a arte é um produto humano que não existe independente dos indivíduos que a produzem e a apreciam. E é ficcionista, porque considera que os valores estéticos são ficções criadas por seres humanos para se guiarem em suas apreciações estéticas. Considero que não há coisas belas em si, mas que há coisas consideradas belas por alguém com respeito a algum sistema de valores estéticos.
CDS: Essa filosofia pode mudar a visão da crítica literária ou da crítica da arte, por exemplo?
GER: Sim. Creio que pode ajudar os críticos a fazer avaliações mais conscientes, com menção explícita dos valores estéticos adotados e de suas justificativas. Em meu próprio trabalho, mostro exemplos concretos de como os críticos às vezes não entendem o valor estético de certos objetos em determinado momento devido à falta de perspectiva.
CDS: Por que você publicou o seu trabalho em Foundations of Science?
GER: Entendo que os critérios para aceitar um artigo são suficientemente rigorosos. Em muitas revistas de arte e estética, as contribuições são meras opiniões subjetivas.
CDS: Quem deve ler esse artigo?
GER: Artistas que querem entender melhor seu trabalho, suas inspirações e o contexto do que fazem. Cientistas que querem valorizar aspectos estéticos de suas teorias. Toda pessoa que já se perguntou o que significa dizer que algo é belo.
CDS: Qual é a sua recomendação aos pós-modernos que seguem negando a ciência para conhecer a realidade?
GER: Que estudem mais e falem menos.