Por Silvana Salles
Publicado no Jornal da USP
As soluções imediatas sinalizadas a setores como a agroindústria e a mineração pelo governo de Jair Bolsonaro são uma ameaça à Amazônia, que vêm na esteira de quatro anos de cortes de verbas para a ciência e do enfraquecimento da área junto às políticas públicas e ações de preservação ambiental. A opinião é do físico Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física (IF) da USP, e foi publicada nesta sexta-feira (25) em um editorial da revista Science. No artigo opinativo, Artaxo argumenta que a floresta amazônica é um recurso que a maioria dos brasileiros querem proteger. Mas, para que o sentimento permaneça florescendo entre a população, é necessário fortalecer a ciência e seu papel na produção de políticas públicas.
“Governos vêm e governos vão. Mas a destruição da Amazônia, uma vez efetivada, é permanente. Como a Amazônia é um recurso estratégico para o futuro do Brasil como um todo, é muito importante que qualquer política de ocupação seja baseada em ciência, e não em interesses imediatos de um ou outro grupo econômico, como, por exemplo, os ruralistas”, disse o cientista ao Jornal da USP.
Artaxo é membro do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC) e, de 2015 a 2018, foi representante da comunidade científica no Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), um órgão consultivo e deliberativo que trata da política ambiental na esfera nacional. Ele lembra no texto que, entre 2003 e 2014, a criação de novas universidades e laboratórios nacionais acompanhou um esforço para reduzir o desmatamento na Amazônia. Neste período, o desmatamento no bioma caiu de 27,7 mil para 4,5 mil km². Porém, a partir de 2015, o panorama mudou sensivelmente.
As crises econômica e política nas quais o Brasil entrou resultaram em cortes profundos nas verbas das agências científicas, de forma que instituições federais importantes, como o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) estão trabalhando atualmente com orçamentos que correspondem a algo entre 30 e 40% daquele de 2015. Paralelamente, o desmatamento na região amazônica nos últimos quatro anos saltou para uma área de 8 mil km².
“O sistema de prevenção a incêndios do Ibama, o chamado Prevfogo, sofreu uma redução drástica de pessoal, que na verdade os impede de realmente realizar o sistema de prevenção e combate a incêndios florestais. O próprio Inpe sofreu cortes profundos de pessoas que trabalham e desenvolvem técnicas de sensoriamento remoto para prevenção de incêndios. Houve um profundo corte orçamentário em áreas absolutamente estratégicas de prevenção ao meio ambiente na Amazônia”, detalhou Artaxo à reportagem do Jornal da USP. Para ele, os cortes nos orçamentos de agências financiadoras como a Capes e o CNPq também pioraram a situação, pois afetaram projetos de pesquisa que têm um trabalho auxiliar na preservação do bioma.
Na opinião de Paulo Artaxo, em vez de apontar para uma inversão deste quadro, o presidente Bolsonaro estaria sinalizando para uma redução ainda maior da relação entre ciência e políticas públicas. Entre as sinalizações negativas, ele lista a transferência da responsabilidade pela demarcação de terras indígenas para o Ministério da Agricultura, o monitoramento de organizações não-governamentais (ONGs) e o fechamento de departamentos que trabalhavam a temática do clima nos ministérios do Meio Ambiente e das Relações Exteriores.
O governo Bolsonaro alterou o órgão responsável pela demarcação de terras indígenas em uma medida provisória de 1º de janeiro, publicada à noite em edição extra do Diário Oficia. Antes, a tarefa era de competência da Funai, que atualmente está sob o guarda-chuva da Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos. No caso das ONGs, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, suspendeu por 90 dias todos os convênios e parcerias destas organizações com a pasta. Segundo Artaxo, muitas ONGs desenvolvem projetos de preservação da Amazônia em parceria com o governo, seja na detecção e controle de incêndios em áreas desmatadas, na defesa de direitos humanos ou na produção de estratégias socioeconômicas sustentáveis para as políticas públicas. O ministério informou, em nota à Agência Brasil na semana passada, que a suspensão permitirá a reavaliação dos contratos.
Na avaliação do professor da USP, decisões como essas vão na contramão do cumprimento de Código Florestal, que prevê a preservação da mata original em 80% da área dos imóveis rurais no bioma Amazônia, e minam o cumprimento da meta brasileira de reduzir a emissão de gases estufa em 43% até 2030. A meta foi fixada no Acordo de Paris, do qual Bolsonaro já ameaçou retirar o Brasil e, em Davos, voltou atrás.
“Muito dessas reduções de emissões depende de acabar com o desmatamento ilegal e reflorestar 12 milhões de hectares. Estas intenções agora estão em conflito com o desejo do agronegócio de expandir as pastagens e a agricultura intensiva na floresta amazônica e na vasta savana do Cerrado”, escreve Artaxo, que conclui o editorial da Science pedindo que cientistas brasileiros e governo trabalhem juntos para formular estratégias de desenvolvimento capazes de promover simultaneamente o crescimento econômico, uma maior produção de alimentos e a preservação da biodiversidade e das populações indígenas.