Por Mike McRae
Publicado na ScienceAlert
A Caverna Coxcatlán, no Vale Tehuacán-Cuicatlán, no México, é uma cápsula do tempo como nenhuma outra. Seu chão empoeirado é um livro de história, com suas páginas detalhando milhares de anos de alimentos e tecnologia dos habitantes da região.
Arqueólogos dos Estados Unidos e do México finalmente cavaram seu primeiro capítulo, usando técnicas de datação avançadas para determinar a idade dos ossos de animais enterrados entre as camadas mais antigas do abrigo rochoso.
Os resultados foram surpreendentes, sugerindo a presença humana na área há 33.000 anos – milhares de anos antes das camadas de gelo atingirem seu pico e cerca de 20.000 anos antes do que as evidências atualmente aceitas sugerem.
Levará mais do que algumas análises singulares de radiocarbono para exigir um repensar completo, é claro. Mas os resultados deste estudo recente liderado pelo arqueólogo Andrew Somerville da Universidade Estadual de Iowa (EUA) devem alimentar o debate em andamento sobre a linha do tempo da migração humana para o coração das Américas.
“Ficamos surpresos ao encontrar essas datas realmente antigas no fundo da caverna, e isso significa que precisamos dar uma olhada mais de perto nos artefatos recuperados desses níveis”, disse Somerville.
O Vale Tehuacán-Cuicatlán, no sul do México, é um Patrimônio Mundial da UNESCO por um bom motivo. Além de ser um paraíso de biodiversidade, seu clima seco preservou registros da presença humana por milhares de anos, tornando-o um destino valioso para pesquisadores interessados na disseminação de nossa espécie pelo Novo Mundo.
O abrigo rochoso da Caverna Coxcatlán no sul do vale é uma joia neste tesouro arqueológico, com camadas profundas de sedimentos e condições secas que fornecem uma cronologia de atividade que remonta a pelo menos 11.000 anos.
A partir de meados da década de 1990, os acadêmicos começaram a ter dúvidas sobre como o ‘livro de história’ da caverna deveria ser lido, com preocupações sobre a datação de alguns espécimes botânicos apontando para suas páginas estarem fora de ordem.
Não era apenas uma ou duas camadas. Cerca de três quartos dos materiais vegetais escavados no abrigo foram encontrados dramaticamente fora de sequência.
Embora a pesquisa tenha se firmado desde então em defesa da estrutura geral da linha do tempo da caverna, compreensivelmente a sua confiabilidade permaneceu um tanto abalada.
Com as camadas mais baixas do sítio ainda não totalmente avaliadas, Somerville e sua equipe perceberam que era necessário fazer um trabalho para esclarecer a cronologia da Caverna Coxcatlán.
“Não estávamos tentando nos posicionar neste debate ou mesmo encontrar amostras realmente antigas”, disse Somerville.
“Estávamos apenas tentando situar nosso estudo agrícola com um cronograma mais firme”.
Realizando datação por radiocarbono por espectrometria de massa com aceleradores em 14 ossos de lebres, coelhos e veados previamente escavados no sítio, os pesquisadores criaram um catálogo de datas descrevendo quando os animais viveram.
O último foi há cerca de 5.000 anos, bem dentro de um período em que os humanos estavam na área.
Vários ossos de coelho e o fêmur de uma lebre foram encontrados datando de cerca de 33.000 anos, uma época que não apenas precedeu todos os recordes atuais para o continente, mas que foi antes de isolar as Américas do resto do mundo pela mudanças climáticas.
“Empurrar a chegada dos humanos à América do Norte para mais de 30.000 anos atrás significaria que os humanos já estavam na América do Norte antes do período do Último Máximo Glacial, quando a Idade do Gelo estava em seu pior estado”, disse Somerville.
“Grandes partes da América do Norte teriam sido inóspitas para as populações humanas. As geleiras teriam bloqueado completamente qualquer passagem por terra vinda do Alasca e do Canadá, o que significa que as pessoas provavelmente teriam que vir para as Américas em barcos pela costa do Pacífico”.
Não é a primeira descoberta a testar modelos existentes de migração pré-Idade do Gelo para o continente americano, com um estudo de 2020 descobrindo vestígios de ossos de mastodonte de 130.000 anos raspados em rochas da Califórnia, nos Estados Unidos, sugerindo trabalho manual humano.
De forma parecida com os ossos de mastodonte, esses ossos de coelho e lebre deixam muito espaço para discussão. Por exemplo, ainda há a grande questão de saber se os humanos foram mesmo os responsáveis por depositar os restos mortais na caverna em primeiro lugar.
Procurar por sinais de abate e torrefação ajudaria muito na construção de um cenário mais amplo, assim como revelaria claros sinais de fabricação de ferramentas nas mesmas camadas.
É um projeto de pesquisa que Somerville planeja empreender no futuro. Essas descobertas podem ajudar a resolver a questão das origens dos ossos, fornecendo mais evidências que descrevem uma árdua jornada ao sul do México há dezenas de milhares de anos.
É o prólogo da história da América que todos estamos morrendo de vontade de ler.
Esta pesquisa foi publicada na Latin American Antiquity.