Por Harrison Fluss
Publicado na Jacobin
Com o sucesso de seu livro recente e com mais de 40 milhões de visualizações no YouTube, Jordan Peterson está em ascensão. Sua base de fãs conservadores e de extrema direita está considerando sua entrevista para Cathy Newman, do Channel 4 News, como uma vitória contra a “cultura do politicamente correto”. A tentativa de Newman de refutar Peterson por meio de um debate cordial falhou depois que ela cedeu a elementos de sua visão de mundo, incluindo a necessidade de hierarquia corporativa e um espírito de competição. Em resposta às estatísticas de Newman sobre a disparidade salarial, Peterson argumentou que essa desigualdade era uma parte necessária da dinâmica capitalista. Ele até elogiou Newman por garantir um emprego bem remunerado, graças ao que algumas pessoas considerariam características “masculinas”. Apesar do comportamento relativamente educado de Newman, ela logo enfrentou uma reação misógina.
Peterson é frequentemente retratado como um enigma. Os que estão tanto na direita quanto na esquerda o defendem contra acusações de fascismo e filiação à extrema direita. Os especialistas mainstream admiram sua suposta consistência e coerência – alguns até o elogiam como um grande filósofo. Isso certamente é que diz o artigo de opinião de David Brooks no New York Times, que exalta Peterson como um intelectual público da era do YouTube.
Os fãs de Peterson argumentam que ele não é um fascista, apenas um liberal clássico; não um racista, apenas alguém que reconhece “diferenças étnicas”; não um misógino, apenas honesto sobre as verdadeiras diferenças entre homens e mulheres. Muitos de seus fãs veem seus argumentos não apenas como senso comum, mas também cientificamente precisos, uma crença apoiada pelas credenciais de Peterson como professor de psicologia e psicólogo clínico.
Com todo o foco em questões de liberdade de expressão e como a esquerda supostamente se tornou autoritária, há algo faltando nas discussões de Peterson. Em vez de ser um crítico “iluminista” e “científico” do pós-modernismo, a crítica de Peterson à esquerda é fundamentalmente nietzschiana.
O exemplo da lagosta
As observações empíricas de Peterson, que vão da zoologia à psicologia pop, compartilham um desdém aristocrático pela modernidade. Sua visão de mundo alinha-se com as tendências elitistas e antidemocráticas do neoliberalismo, conforme sintetizado pelos respectivos elogios de Ludwig von Mises e Friedrich von Hayek a Benito Mussolini e Augusto Pinochet.
Mas Peterson acrescenta algo ao liberalismo econômico de seus predecessores: uma concepção trágica do Ser (que ele adota de Heidegger) em que o mundo está dividido entre vencedores e perdedores. Essa visão de mundo autoritária naturaliza a dominação, tecendo a hierarquia na própria estrutura da existência.
Os críticos costumam zombar de Peterson por sua comparação entre lagostas e seres humanos. De acordo com um de seus livros mais recentes, 12 Regras para a Vida, a luta de vida ou morte das criaturas do mar é um modelo de sociedade humana. Após a batalha, os combatentes experimentam um efeito químico: a lagosta superior começa a secretar mais serotonina, enquanto a lagosta mais fraca, ou inferior, é privada desses produtos químicos que promovem a felicidade. Ecoando as piores características do darwinismo social do século XIX, Peterson usa esse exemplo de hierarquia da lagosta para analisar a sociedade humana.
Ele reduz o conflito de classes a uma luta natural e eterna pela existência que nenhuma revolução política ou econômica poderia melhorar. A lagosta – desculpe, caro humano – deve desenvolver uma atitude agressiva de macho alfa para subir na escala social. Peterson baseia sua visão de mundo em um exemplo do reino animal – um exemplo desmentido por outras instâncias em que os animais se envolvem em ajuda mútua e cooperação.
Os escritos de Peterson são uma mistura de existencialismo cristão, A Arte da Negociação de Donald Trump e E. O. Wilson. Mas a principal questão filosófica é sua concepção nietzschiana de poder. Somente uma vontade forte, exercendo-se contra um mundo contingente e sem sentido – e contra os fracos – pode ter esperança de florescer.
A filosofia de Peterson pressupõe uma divisão total entre um mundo atomizado de fatos e um reino transcendente de significado – o que ele descreve como a tensão entre o caos e a ordem. Peterson dá a esses princípios de ordem e caos significados junguianos como arquétipos masculino e feminino. Este é o dualismo da existência que dá sentido à vida. Mas é a tendência racionalista, começando com René Descartes e passando por Karl Marx, que nega o mistério da existência para forjar uma utopia racional. Para Peterson, esse racionalismo é responsável pelos horrores do século XX e culmina não em um futuro de emancipação, mas no gulag e em Auschwitz.
Depois que da decadência do stalinismo, o velho marxismo continuou na forma do que Peterson chama de “pós-modernismo neomarxista”. Como Nietzsche antes dele, Peterson vê a metafísica da razão, como corporificada no projeto Iluminista e no socialismo moderno, sendo algo que levaria inexoravelmente ao niilismo relativista. Nietzsche chamou essa condição de “niilismo passivo” e argumentou que ela só poderia ser superada com um “niilismo ativo” que criaria um novo sistema de valores baseado em novos modos de escravidão e domínio. Quando Peterson critica o “pós-modernismo neomarxista”, ele está meramente repetindo o diagnóstico de Nietzsche de niilismo passivo – isto é, a revolta escravista das massas.
O positivismo de Peterson – o dualismo entre fatos descritivos e valores – torna possível seu nietzscheanismo. Se o mundo é um caos atomizado de fatos, ele precisa de uma forte vontade para defini-lo e impor a ordem. Na necessidade de Peterson por algo que transcenda essa realidade caótica, ele impõe subjetivamente uma solução mística para a alienação e o sofrimento da humanidade, fundamentada em uma versão nietzschiana do cristianismo e do pecado original. Os fortes herdarão o reino dos céus, enquanto os fracos estão destinados ao fracasso.
Quando confrontamos Peterson teoricamente, precisamos fazer mais do que refutar suas alegações pseudocientíficas, sua psicologia pop de péssima qualidade e sua versão da história influenciada pela Guerra Fria. O verdadeiro desafio é superar seu irracionalismo fundamental.
O exemplo da humanidade
Nossa tragédia como seres humanos é muito mais banal do que o romantismo de Peterson sugere. Nós lutamos com um irracionalismo fundamental, mas ele não vem de um mundo intrinsecamente desconhecido e misterioso. Em vez disso, vem do capitalismo.
A filosofia de Peterson reflete a natureza brutal da demanda irracional do capitalismo de que sacrifiquemos seres humanos pelo lucro, que ele transforma em um chamado para que os indivíduos se sacrifiquem por algo transcendente e sagrado. Em outras palavras, Peterson tenta latinizar o kitsch burguês com apelos medíocres de autorrealização. Mas esse “auto” não se realiza: é colocado para matar ou ser morto na competição sem fim do capitalismo.
Ironicamente, a crítica de Peterson ao pós-modernismo é em si muito pós-moderna. Sua descrição do pós-modernismo como uma nova forma de “materialismo dialético” que exerce o controle totalitário do pensamento não apenas ecoa a polêmica da Guerra Fria contra o marxismo, mas também certas tendências dentro do pós-modernismo francês. Esses relatos, como o de Lyotard, acusam o Iluminismo, a dialética hegeliana e Marx de construir “metanarrativas” sobre uma realidade irredutivelmente complexa. Peterson compartilha do medo dos pós-estruturalistas franceses de que a razão se presta a uma lógica de dominação. Na verdade, Peterson recapitula a rejeição influente de Heidegger do “Eu Cartesiano” como o lançamento de um novo estágio de niilismo civilizacional.
Qualquer tentativa de confrontar a visão de mundo de Peterson deve empregar o legado da razão dentro dos próprios compromissos do marxismo com a lógica e a liberdade humana. Mas não podemos nos limitar a compor polêmicas filosóficas ou desmascarar os muitos erros científicos e históricos de Peterson. A luta contra a reação não começa nos escritórios de uma editora liberal, mas na organização da luta concreta.
A narrativa de Peterson reduz o sentimento de esquerda ao ressentimento, inveja e raiva entre os “perdedores” da sociedade. Isso ecoa a rejeição de George Orwell aos socialistas britânicos como meramente cheios de raiva e cólera contra os ricos; Peterson compara a análise da esquerda em A Caminho de Wigan de Orwell com a crítica de Nietzsche à moralidade do escravo. Orwell rejeitou os “excêntricos” socialistas, uma categoria que incluía feministas, em favor de uma abordagem de senso comum que atraía a classe média instruída, uma análise que o empurrou para a direita ao fim de sua vida.
Devemos rejeitar a caracterização da base de fãs de Peterson como pessoas normais que estão cansadas da esquerda politicamente correta; essa suposição simplesmente repete o desdém de Nietzsche pelas lutas comuns dos oprimidos, incluindo as lutas de minorias raciais, mulheres e pessoas LGBTQ. Isso acata um padrão de normalidade definido pela grande mídia ou, pior, pelos próprios alt-right. Por exemplo, a recusa de Peterson em respeitar as pessoas que usam pronomes diferentes para expressar sua identidade não é um problema pequeno, mas central para reconhecer a humanidade das pessoas trans.
Peterson não fala pelo que é “normal”. Seu jargão de autenticidade – de que ele é apenas um simples acadêmico lutando pela verdade em meio a tanto politicamente correto e censura – mascara suas ideias autoritárias. Ele chama o marxismo de uma “ideologia assassina”, mas sua política paranoica e conspiratória é difícil de distinguir das denúncias da extrema-direita ao marxismo cultural. Na verdade, a linha entre o autoritarismo de Peterson e o paleonazismo de Richard Spencer é tênue. Em seu apelo aos liberais da classe média, o melhor álibi do reacionário sempre foi o anticomunismo militante.